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Merz quer que os alemães trabalhem mais. Pode estar a cometer um erro

LUDOVIC MARIN ; POOL/EPA

O chanceler alemão Friedrich Merz

O chanceler alemão, Friedrich Merz, acha que os seus concidadãos precisam de trabalhar mais. Mas estará a analisar bem a situação?

A Alemanha está a abandonar o “mito da semana de 4 dias”.

Friedrich Merz, o chanceler alemão, disse, recentemente, que quer que os “alemães voltem a trabalhar mais e de forma mais eficiente”.

Há quem teorize que, naquele país, o ideal de conciliação entre a vida profissional e a vida privada foi levada longe demais. Agora, defendem que, para que a sua economia volte a funcionar, é preciso trabalhar mais.

É o que pensa Friedrich Merz – cujas considerações (polémicas) desencadearam um intenso debate sobre a “preguiça”.

Será que os alemães se tornaram complacentes? Será que trabalhar mais horas pode ajudar a ultrapassar o fraco crescimento? “A resposta curta é não”. É o que diz Malte Jauch, especialista em Gestão, da Universidade de Essex (Reino Unido), num artigo no The Conversation.

Segundo o professor, “o verdadeiro problema não reside na ética de trabalho“.

Quantidade ou qualidade?

Em comparação com outros países industrializados, é verdade que os alemães trabalham relativamente poucas horas.

Em média, um trabalhador alemão passa 1343 horas por ano numa atividade remunerada, muito menos do que nos Estados Unidos (1799 horas), no Reino Unido (1524) ou na Grécia (1897, o valor mais elevado da UE).

Merz utilizou estes números para apresentar um argumento aparentemente simples: A riqueza de um país reflete-se na quantidade de bens e serviços que produz. Mas a produção de bens e serviços exige trabalho. Quanto mais as pessoas trabalham, mais podem produzir. Por conseguinte, trabalhar mais aumenta a prosperidade.

Em oposição a isto, pode constatar-se uma relação inversa entre o número de horas de trabalho e a riqueza. Os países mais ricos do mundo têm tempos médios de trabalho muito mais baixos do que os países mais pobres do mundo.

Os mexicanos trabalham 2.207 horas por ano, por exemplo, mas o seu rendimento médio anual é inferior a um terço do dos alemães.

No entanto, “este facto não é suficiente para refutar o argumento de Merz”, considera Jauch.

Os países ricos podem, em geral, dar-se ao luxo de trabalhar menos porque podem contar com tecnologia avançada e instituições sólidas para gerar riqueza. Um exemplo disto é o êxito da Alemanha na exportação de produtos manufaturados de alta tecnologia.

Mais três erros de Merz

Mas o erro de Merz vai além das correlações entre horas de trabalho e riqueza.

A questão apontada pelos críticos é que o chanceler alemão não parece ter considerado os obstáculos injustos – como as normas sociais de género e a falta de acesso a cuidados infantis – que, por exemplo, as mulheres enfrentam quando procuram empregos a tempo inteiro.

Há muitas razões pelas quais as mulheres dedicam menos tempo ao trabalho remunerado do que os homens, mas nenhuma delas tem a ver com preguiça.

Em segundo lugar, o aumento do horário de trabalho pode ter consequências negativas não intencionais, porque grande parte da riqueza do país resulta de trabalho não remunerado.

O trabalho de assistência, a educação dos filhos, o trabalho doméstico e o trabalho voluntário são indispensáveis para uma sociedade florescente. Quando os políticos procuram alargar o trabalho remunerado, isso acontece frequentemente à custa de contribuições valiosas que são feitas fora dos mercados de trabalho formais.

Uma terceira razão para o ceticismo tem a ver com o fenómeno dos rendimentos decrescentes – a sensação comum de que os trabalhadores tendem a tornar-se menos produtivos à medida que a jornada de trabalho aumenta.

Passar mais uma hora no escritório, no hospital ou na fábrica não se traduz em produção adicional se o trabalhador já estiver exausto.

A solução que Merz não quer

Então, isso significa que não há razão para Merz se preocupar com o quanto os alemães trabalham? “Não”, adverte Jauch.

Uma grande preocupação é a mudança demográfica. Nas próximas décadas, o número de pessoas que se irão reformar na Alemanha será muito superior ao número de pessoas que irão ingressar no mercado de trabalho.

Outros países industrializados experienciam tendências semelhantes, mas o envelhecimento populacional é particularmente extremo na Alemanha.

Isto significa que, no geral, será realizado menos trabalho.

Em resposta, um governo pode tentar aumentar as taxas de natalidade e permitir a entrada de jovens estrangeiros no país.

Mas estimular as taxas de natalidade é notoriamente difícil e muito dispendioso – não só na Alemanha, mas em muitos países que estão a tentar atingir este objetivo.

Quanto à outra opção, Jauch dá o exemplo de Espanha – que está entre os poucos países industrializados que se comprometeram a alavancar a migração para dinamizar a sua economia.

Existem alguns indícios de que esta estratégia se está a revelar bem-sucedida, com a economia espanhola a conseguir recentemente uma elevada taxa de crescimento de 2,7%, em comparação com -0,3% na Alemanha.

De acordo com o presidente do Instituto Alemão de Investigação Económica, Marcel Fratzscher, a Alemanha deveria fazer algo semelhante. Calculou que seriam necessários mais 400.000 migrantes por ano durante os próximos quatro anos para estabilizar a economia instável da Alemanha.

É um facto que que Alemanha enfrenta um problema de falta de trabalho. Mas, aqui, Merz pode acabar por piorar ainda mais a situação – uma vez que um dos seus principais objetivos políticos é conter a migração.

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