Reino do Pineal. Poligamia, “doações” de 30 mil euros e crime no caso do bebé

Uma portuguesa que integrou o Reino do Pineal em Oliveira do Hospital, Coimbra, faz revelações sobre a seita, referindo “jogos mentais” do líder para as pessoas doarem dinheiro e para os homens praticarem a poligamia.

Ana Sofia diz que viveu no seio do Reino do Pineal, uma seita espiritual que se instalou numa quinta em Oliveira do Hospital, no distrito de Coimbra. A mulher terá estado na comunidade durante nove meses, tendo saído em 2021, e agora faz revelações sobre a seita em entrevista ao Correio da Manhã (CM).

“Vendeu-nos a ideia de que íamos construir o paraíso na terra e de que todos iríamos ter a nossa casa”, conta Ana Sofia, notando que investiu no Reino do Pineal “as poucas poupanças que tinha”.

“Dei pouco mais de 3 mil euros, mas há pessoas que deram 20 e tal mil, 30 e tal mil“, assegura. “Pensei que ia morar lá o resto da minha vida”, justifica.

Ana Sofia também garante que “enganaram pessoas que investiram na comunidade e que iam supostamente ter os frutos do investimento, ou das doações”.

Esta ex-integrante do Reino do Pineal assegura que o líder da seita, o britânico Água Akhabl Pinheiro, controla tudo, incluindo o dinheiro, e acusa-o de exercer “jogos mentais” para manipular as pessoas.

Poligamia (mas só para os homens)

Quando chegam à comunidade, as pessoas são incentivadas a cortarem contactos com a família. Isso torna as pessoas “mais dependentes da comunidade” e depois “torna-se mais difícil sair”, salienta Ana Sofia ao CM.

No caso dos estrangeiros que são a maioria dos elementos da comunidade, são incentivados a “queimar as identificações” para poderem “ficar com os Passaportes do Pineal“, aponta também Ana Sofia.

Esta portuguesa frisa ainda que se espera que “as pessoas percam a sua individualidade” e que sejam “moldadas à maneira deles”.

Ana Sofia nota que não se pode “questionar” nada no Reino do Pineal e fala da “pressão para fazer tudo e mais alguma coisa”. E quem não aderir, é vítima de “jogos mentais” por parte do líder da seita que faz com que essas pessoas comecem “a ver as outras como inimigas”.

A ex-integrante da seita também garante que, a partir de dada altura, se começou a incentivar a prática da poligamia, mas apenas para os homens. “O homem deve ter várias mulheres, mas a mulher deve ter só um homem“, realça.

Foi cometido (pelo menos) um crime no caso da morte do bebé

As autoridades continuam a investigar a morte de um bebé de 14 meses no Reino do Pineal. O líder da seita e pai da criança garantiu que o menino estava a receber cuidados médicos devido a uma “doença do fígado”.

Mas não é possível apurar as causas da morte da criança, uma vez que o seu corpo foi cremado, como assumiu Água Akhabl Pinheiro. E isto constitui “um crime de profanação de cadáver“, como analisa o advogado Pedro Dias Marques em declarações à SIC Notícias.

Em Portugal, a cremação tem de ser autorizada pelo Estado, não pode acontecer só por mera vontade de uma pessoa no seu terreno, destaca o advogado.

Além desse aspecto, também há o facto de o bebé não ter sido registado, como admitiu também o líder da seita. Isso constitui “uma contraordenação: não foi registado o nascimento, nem o óbito da criança”, explica Pedro Dias Marques.

“Criança de 6 anos não deve aprender sobre actos sexuais”

Pedro Dias Marques também sustenta que a auto-determinação invocada pelo líder da seita “é pura ficção”.

A liberdade de consciência, de religião e de culto que está garantida na Constituição Portuguesa, como nota Água Akhabl Pinheiro, não pode sobrepor-se aos direitos fundamentais, nomeadamente o acesso das crianças à educação e à saúde.

“Se usam um artigo para justificar, também não se pode ignorar os outros artigos que são beliscados”, sublinha o advogado na SIC Notícias.

Em entrevista a este canal, Água Akhabl Pinheiro justifica que as crianças do Reino do Pineal não frequentam a escola por discordar do ensino da ciência e da educação sexual.

“Como é que posso mandar o meu filho para uma escola que está a obrigar as crianças a aprender sobre pedofilia, a aprender sobre transgéneros e actos sexuais aos seis anos de idade? Não posso permitir isso. É contra o meu espírito. Uma criança de seis anos não deve ter conhecimentos sobre actos sexuais”, salienta o líder do Reino do Pineal.

Água Akhabl Pinheiro não acredita que o Homem tenha chegado à Lua e na seita, as crianças aprendem a velha teoria do geocentrismo, já desmentida por evidentes factos científicos, de que o sol gira à volta da Terra.

“Se alguém vier ter comigo e me disser que eu não tenho o direito de escolher como educar o meu filho, se não tenho o direito de escolher a forma como cuido dos meus filhos, a quem é que essa criança pertence?”, questiona ainda o líder da seita que já tinha dito que “as crianças pertencem” à comunidade e não ao Estado português.

Pedro Dias Marques esclarece ainda, quanto ao “direito à auto-determinação dos povos” e “das próprias pessoas” para “regularem a sua vida pessoal”, que “não é automático, depende do reconhecimento da comunidade internacional”. “Não posso hoje chegar ao meu apartamento e dizer que este apartamento passa a ser um Estado soberano do Pedro Dias Marques”, salienta o advogado.