Quatro em cada 10 deputados à Assembleia da República foram eleitos, pelo menos, para três mandatos entre 1976 e 2019, concluiu uma tese de pós-doutoramento realizada na Universidade da Beira Interior (UBI).
Jorge Fraqueiro, autor do estudo de pós-doutoramento “O Sistema Político Português – Renovação ou Estagnação do Deputados à Assembleia da República (1976-2019)”, concluiu ainda que, “dos cerca de 3.600 lugares ocupados ao longo dos 44 anos, quase 1.500 permaneceram no lugar durante 12 anos“.
“Apesar da considerável inclusão de novos nomes nas últimas duas eleições legislativas (2015 e 2019), os níveis de estagnação em Portugal, no Parlamento, continuam, em termos médios gerais, bastante elevados”, sublinha o investigador e cientista político.
Jorge Fraqueiro, ex-jornalista, tinha já revelado dados sobre a estagnação dos atores políticos em Portugal, na sua tese de doutoramento defendida em 2014, tendo agora procedido à sua atualização no pós-doutoramento.
“De entre os parlamentares que mais contribuíram para o processo de estagnação, há mesmo um deputado que foi eleito 14 vezes, dois deles 13 vezes e quatro deles 12 vezes. Se a análise tiver por base os deputados que foram eleitos para quatro mandatos, chegamos aos 300 no período de tempo estudado”, sustenta.
O investigador realça ainda que, dos atuais 230 deputados na AR, apesar de cerca de metade estar a cumprir o seu primeiro mandato, mais de um quarto deles vão já na sua terceira legislatura.
Além disso, o estudo revela também que 55 têm menos de 40 anos e, destes, 10 estão já no seu segundo mandato. “Nos 14 atos eleitorais para a AR que tiveram lugar desde 1976, as eleições de 1979 foram aquelas onde houve maior nível de repetição de nomes, com 69% dos deputados a transitarem do mandato imediatamente anterior”, refere a tese.
Contudo, o investigador adianta que, mais recentemente, o ano no qual a estagnação atingiu valores percentuais mais elevados foi em 2009, com 63%. “Já o ano de 1991 foi aquele em que os partidos políticos mais mudaram os nomes dos candidatos apresentados a sufrágio”, frisou.
Jorge Fraqueiro deixa um conjunto de propostas para a melhoria do sistema político, designadamente no que diz respeito à necessária renovação, nomeadamente dos deputados.
Propõe, desde logo, a redução dos parlamentares dos atuais 230 para o mínimo de 180 permitidos constitucionalmente. Além disso, recomenda que se imponha também na AR a limitação de mandatos para no máximo três.
Consciente de que nenhum sistema eleitoral consegue, simultaneamente, defender a governabilidade e a representação, o investigador apresenta também uma proposta para que se passe a ter um sistema misto, com 180 deputados.
Na tese, pode também ler-se que, em termos partidários, o PCP foi, até ao momento, aquele que mais tempo manteve os seus deputados no Parlamento, com uma percentagem de estagnação média de 45%. Segue-se na lista o Partido Ecologista “Os Verdes” (PEV) com uma percentagem de 42%.
Entre aqueles que mais renovam as suas listas de candidatos surge, no topo, o Bloco de Esquerda (BE), com 17% de estagnação, que veio a destronar o CDS/PP, que no estudo apresentado pelo investigador no seu doutoramento, colocava, até 2012, este último partido como o menos estagnador.
O PSD e o PS registam, atualmente, uma média de estagnação de 31% e 36%, respetivamente.
O estudo aborda também a questão da magnitude dos círculos eleitorais, colocando reservas quanto aos mandatos atribuídos a cada um deles. Jorge Fraqueiro chama a atenção para o facto de apenas seis distritos (Lisboa, Porto, Braga, Setúbal, Aveiro, Leiria) ocuparem quase 66% dos lugares no Parlamento, ou seja, 151 deputados.
Por outro lado, os seis círculos mais interiores de Portugal Continental (Bragança, Guarda, Castelo Branco, Portalegre, Évora, Beja) têm apenas direito a 7,8% dos lugares, ou seja, 18 deputados.
Para o investigador, a prática política tem sido a principal responsável pelo afastamento dos eleitores das urnas, à qual associa ainda o “cada vez maior fechamento dos partidos políticos à sociedade civil”.
Trata-se de um tema que os atores políticos, apesar andarem a fazer “vista grossa”, “deve merecer a maior atenção e cuidado podendo, ainda que, apenas no plano teórico, constituir uma ameaça aos valores democráticos”.
// Lusa