Em 1927, o industrial norte-americano quis fundar uma cidade baseada nos valores que tinham feito a sua empresa prosperar – e, claro, produzir borracha barata. Fordlândia, a cidade na selva que levava o seu nome, acabou por se tornar um dos seus maiores fracassos.
Quase um século antes de Elon Musk ter sonhado construir a sua utópica cidade privada no Texas, já Henry Ford já tinha tentado erguer a sua própria metrópole industrial num recanto remoto da Amazónia.
A experiência do industrial norte-americano, conhecida como Fordlândia, viria a tornar-se um dos fracassos mais caros e marcantes da história empresarial do século XX.
Henry Ford construiu o seu enorme império e reservou um lugar na história por ter inventado a linha de montagem.
Este processo industrial revolucionou a produção dos seus automóveis, permitindo-lhe lançar no mercado, a preços muito mais baixos, o seu icónico Modelo T, o “automóvel barato que todos podiam comprar”, que rapidamente encheu as ruas norte-americanas.
É difícil exagerar a reputação que Henry Ford tinha construído na época – fosse no Brasil, nos Estados Unidos ou em qualquer outro lugar do planeta. Na altura, o nome Ford evocava a brilhante promessa da revolução tecnológica — tanto ou talvez mais até do que fizeram Steve Jobs ou Mark Zuckerberg na nossa geração.
Ford estava convencido de que o seu papel no avanço da sociedade deveria ir além das fábricas e abranger cidades inteiras.
Embora tenha conseguido concretizar alguns dos seus conceitos de planeamento urbano, o seu projeto mais ambicioso, uma enorme cidade industrial a ser construída no norte do Alabama, com energia fornecida pela barragem do rio Tennessee, nunca saiu do papel.
Ford acabaria por escolher para a sua cidade ideal um local bastante a sul do Alabama: a Amazónia. O industrial tinham também como objetivo acabar com a dependência que o seu império automóvel tinha do mercado asiático no fornecimento de borracha, recorda o The Guardian.
Na altura, o império industrial de Ford estava no auge, e desde o motor ao mais pequeno parafuso, todas as peças usadas na montagem dos seus automóveis eram produzidas numa fábrica de alguma forma controlada por Ford — com exceção de uma componente específica: a borracha dos pneus.
Em 1927, o industrial comprou uma vasta extensão de selva brasileira e planeou uma cidade que replicasse o estilo de vida norte-americano, com hospitais, escolas, casas pré-fabricadas e uma rígida regulamentação laboral.
A localização, escolhida por estar altitude elevada para evitar inundações, acabaria por apresentar no entanto inúmeros obstáculos logísticos.
Durante a estação seca, os navios tinham dificuldade em aceder ao local, o que atrasava a chegada de materiais. Além disso, a natureza impôs as suas regras desde o início: a densa vegetação, as doenças tropicais e a fauna local eram um desafio constante.
Os trabalhadores contratados, na sua maioria brasileiros, enfrentaram condições extremas. A imposição de normas norte-americanas, como uma dieta rígida ou a proibição de álcool, gerou descontentamento generalizado. As diferenças culturais e a falta de adaptação ao ambiente marcaram o princípio do fim do projeto.
Fordlândia seguia um modelo agrícola baseado na plantação intensiva de seringueiras em linhas uniformes, sem ter em conta o conhecimento local sobre a biodiversidade amazónica.
Tal como alertaram na altura especialistas e comunidades indígenas, essa organização favorecia a proliferação de pragas. O resultado foi uma devastadora infestação de fungos e lagartas que arruinou a produção.
A pressão para cumprir objetivos levou a práticas agressivas de desflorestação, incluindo a queima em massa de hectares de cultivo, que provocou um dos maiores incêndios de sempre na região e agravou a degradação do ecossistema. O impacto ambiental foi tão profundo como o fracasso económico que gerou.
Henry Ford nunca chegou visitar Fordlândia, apesar de a cidade ostentar o seu nome. A administração do enclave ficou nas mãos de intermediários que nunca conseguiram dominar as complexidades da Amazónia.
Por fim, em 1945, o seu neto, Henry Ford II, decidiu encerrar a cidade e vender as terras, assumindo perdas estimadas no equivalente ao que seriam atualmente entre 300 e 350 milhões de euros.
Com o passar dos anos, a selva resgatou parte do território, mas os vestígios da utópica cidade de Ford, onde vivem atualmente ainda cerca de 2000 pessoas, persistem. As ruínas de casas, hospitais e fábricas recordam a tentativa falhada de impor um modelo externo sobre um ambiente que não o suportava.