O vice-almirante Gouveia e Melo, coordenador do processo de vacinação contra a covid-19, prometeu abandonar o camuflado quando a “guerra” for ganha e manifestou-se contra a “sobrevacinação” de populações já vacinadas.
“Vou despir este camuflado quando sentir que de alguma forma ganhámos a guerra, ou pelo menos não a conseguimos fazer melhor. Em princípio será quando se atingir os 85% das segundas doses”, disse o coordenador da “task-force” à Lusa, numa entrevista a propósito do balanço sobre o processo de vacinação.
Esse marco deverá ser alcançado por estes dias, segundo disse, mas, até lá, não quer dar “sinal de descanso”, sublinhou Gouveia e Melo.
“Enquanto não tivermos todos com a segunda dose – todos os 84% ou 85% da população – há um trabalho a fazer, que é retirar espaço de manobra ao vírus”, acrescentou, referindo que essa tarefa compete ao Estado – que tem de dar as condições para que tal aconteça – e aos portugueses, acorrendo ao processo de vacinação.
Gouveia e Melo considerou, no entanto, que não faz sentido “sobrevacinar” populações já vacinadas, deixando outras à mercê do vírus, nomeadamente noutras zonas do globo. “Isso não me parece ético e não parece uma boa estratégia”, destacou.
“Há um princípio ético e moral, nós não devemos proteger-nos em detrimento de outras pessoas, que precisam também de proteção”, esclareceu, justificando que “devemos ser solidários, a solidariedade não é só com o irmão, ou com a mãe ou com a família, é dentro do Estado e, depois do Estado, para outros estados e na comunidade internacional”.
Por outro lado, o vice-almirante assinalou o “aspeto prático”: “Não é uma boa estratégia deixar zonas muito desprotegidas, onde o vírus se vai mutar naturalmente (…) e não é combatido”.
“Se o vírus se mutar mais rapidamente, mais tarde ou mais cedo, face à globalização, viremos a sofrer de uma reinfeção de uma estirpe já mutada muito mais resistente é muito mais difícil de combater”, afirmou.
Portugal perto do limite da população-alvo
Portugal está a chegar ao limite da população que pode ou quer ser vacinada contra a covid-19, afirma ainda o vice-almirante Gouveia e Melo.
“Estamos a chegar ao limite do público-alvo para ser vacinado”, indica, apontando que a meta de 85% da população portuguesa com vacinação contra a covid-19 completa deverá ser atingida até ao fim do mês“, esclareceu o coordenador da task force.
O processo está “mesmo já no fim, tirando as crianças dos 0 aos 12 anos, que são entre 11% e 12% da população, e havendo 3% a 4% de pessoas que recusam a vacina. Isso significa que não teremos muito mais população para vacinar”, referiu.
Olhando para o futuro, Gouveia e Melo defende que “não é necessária uma ‘task-force’” para além da missão que está prestes a finalizar, quer para fazer reforços de vacinação quer para a eventualidade de a vacinação contra a covid-19 se tornar uma rotina regular.
“O que está recomendado é uma vacinação reforçada para pessoas imunossuprimidas. Estamos a falar num universo de, no máximo, 100 mil pessoas, se calhar até inferior”, salienta Gouveia e Melo, que garante que “neste momento há reserva de vacinas para essa terceira dose”.
Com o novo ano letivo prestes a começar, o vice-almirante Gouveia e Melo admite que “este vírus gosta de ajuntamentos e que “é natural” que se assista a um aumento de casos, mas afirma-se otimista.
“Estou convencido que com a taxa de vacinação que nós temos na população, a incidência não aumentará muito, poderá aumentar temporariamente, mas vai cair naturalmente”.
Manifestantes precisam de “lição de democracia”
O coordenador do processo de vacinação contra a covid-19 defende que os manifestantes “negacionistas” que lhe chamaram “assassino” precisam de uma “lição de democracia” e garante não recear qualquer agressão, apesar de estar sob proteção policial.
“Todos os debates e conversas são interessantes e importantes”, salienta o vice-almirante
Mas, acrescenta, “quando nós dizemos que as vacinas salvam milhares de pessoas e as pessoas dizem que não salvam, não há aqui ponto de encontro para se discutir. Nós não conseguimos encontrar uma margem de discussão quando não concordamos com o facto básico que gera a discussão”.
Quando visitava um centro em Odivelas no dia 14 de agosto onde se concentravam jovens adolescentes, um grupo de manifestantes antivacinação chamou-lhe “assassino”, ao mesmo tempo que se declarava contra a inoculação de jovens, argumentando que “crianças não são cobaias”.
“As pessoas tentaram barrar-me o caminho e gritavam aos meus ouvidos. Não houve nenhuma tentativa de agressão, na realidade. Aquilo não é democracia. Democracia é discutirmos argumentos, mas não temos que os impor a ninguém”, relata.
“Houve miúdos que foram tomar as vacinas naquele momento e, quando iam a passar, os manifestantes diziam ‘Lá vai mais um morto!’. Isso é uma pressão, uma coação psicológica. Essas pessoas têm que ter uma lição de democracia”, defende.
Gouveia e Melo frisa que “ninguém é obrigado a ser vacinado, mas quem quer ser vacinado deve poder passar pela porta tranquilamente e deve poder sair pela mesma porta tranquilamente depois de ser vacinado. Não tem que ser molestado, amedrontado ou perseguido psicologicamente”, reforça.
“Acho que daria um péssimo político”
O coordenador da task force de vacinação contra a covid-19 considera que “daria um péssimo político” e que se sente “perfeitamente realizado enquanto militar”, assim respondendo à sugestão de uma candidatura à Presidência da República.
“Não sinto necessidade de dar o meu contributo enquanto político, primeiro porque não estou preparado para isso, acho que daria um péssimo político e também acho que devemos separar o que é militar do que é político, porque são campos de atuação completamente diferentes”, afirmou o vice-almirante Gouveia e Melo.
Além do mais, não se sente “inclinado para isso”, explicou o militar. “Já diversas vezes me perguntaram e eu tenho a certeza absoluta que há dentro do quadro democrático e da sociedade civil pessoas muito mais capazes para desempenhar esse papel”, sublinhou.
Para o vice-almirante, que exerce a coordenação do processo de vacinação desde fevereiro, os militares são mais vocacionados para a ação e são menos negociadores.
“A política é uma arte de negociação permanente, nós militares somos menos negociadores, na nossa maneira de estar a rapidez da ação não exige de nós grandes capacidades de negociação, exige grandes capacidades de decisão e de decisão sob stresse”.
Para Gouveia e Melo, essa é uma das razões pela qual daria um péssimo político: “Falta-nos essa capacidade de negociar de forma muito aberta com todos os setores e interesses da sociedade e isso é uma coisa que os militares não estão habituados a fazer”.
“Acho que não há necessidade de nenhum militar vir para a política, nós temos uma classe política muito desenvolvida e estruturada, a democracia está estruturada e terá os seus caminhos e encontrará sempre as suas soluções”, concluiu Gouveia e Melo.
“Não preciso de mais medalhas”
Do ponto de vista pessoal, terminada a tarefa da vacinação, o vice-almirante disse tencionar tirar “três dias para descansar depois disto, só para desligar o ritmo” e regressar às funções que desempenhava.
Anteriormente, Gouveia e Melo era adjunto para o Planeamento e Coordenação do Estado-Maior General das Forças Armadas, cargo pelo qual recebeu uma medalha do Presidente da República, a 19 de agosto passado. “Tratou-se de um reconhecimento, ao fim e ao cabo, da função militar”, disse.
“A medalha que eu recebi, em termos de ‘timing’, pode ter parecido que era uma medalha que tinha a ver com o processo de vacinação, mas o que me foi explicado é que era um processo que tinha a ver com as funções que desempenhei nas Forças Armadas”, contou o vice-almirante.
Questionado se mereceria uma outra pela vacinação – “uma medalha civil”, como se lhe referiu – Gouveia e Melo respondeu que não precisa “de mais medalhas nenhumas”.
“Já não preciso de nada, eu vou na rua e as pessoas agradecem, a generalidade das pessoas tem uma atitude muito generosa para comigo e ao fim e ao cabo eu também represento um grupo de militares e de enfermeiros, essa medalha é para todos nós”, concluiu.
ZAP // Lusa
Não terá arte de mentiroso, logo aí seria um político falhado!
Engraçado como diz “Democracia não é impor as nossas ideias aos outros”
Mas são os Alarmistas (que inclui a comunicação social & DGS & governo) que estão a tentar impor a sua paranoia a todos..
É uma pena termos políticos que não percebem a falta de jeito que têm para a arte. Este almirante é demasiado honesto para a política.
Não sei se o Sr. General Ramalho Eanes (e muitos outros militares) estarão de acordo com essa separação dos militares da vida política activa, eu estou de acordo com a base do princípio ínvocado ou seja “a César o que é de César…” ou “cada galinha no seu poleiro” ou ainda “quem te manda a ti sapateiro…” (o povo é sábio)
Gostei do titulo do artigo !…… É verdade que para ser “bom” Politico, mentir, governar-se e não governar, saber ser hipócrita por conveniência, são qualidades e requisitos incontestáveis !……tudo isto sem generalizar !