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Portuguesa descobre fragmento de obra perdida de René Magritte

tanakawho / Flickr

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A conservadora de pintura Alice Tavares da Silva deu uma contribuição crucial para resolver o mistério de um quadro desaparecido do pintor surrealista belga René Magritte (1898 – 1967) ao encontrar um novo fragmento num museu regional britânico.

Foi a portuguesa quem descobriu que a pintura “La Condition Humaine” [A Condição Humana], que faz parte do acervo do Museu e Galeria de Arte do Castelo de Norwich, em Inglaterra, está sobreposta a um pedaço do que foi antes a obra “La Pose Enchantée” [A Pose Encantada], também de Magritte e considerada perdida.

Alice Tavares da Silva contou à Lusa que fez o achado durante uma “inspeção de rotina” ao quadro de 1935 antes de este ser cedido ao Centro Pompidou para uma grande exposição retrospetiva que vai decorrer entre 21 de setembro e janeiro de 2017.

A portuguesa, que é responsável por preparar as obras antes de estas serem emprestadas, reparou que as margens da tela estavam pintadas, e que as cores não coincidiam com os tons de “A Condição Humana”, que mostra um cavalete com uma tela que completa a paisagem observada a partir do interior de uma caverna.

“Apercebi-me que tinha isto de especial, e na altura pensei que era interessante o Magritte ter reutilizado uma tela, o que não é completamente inédito, pois muitos artistas reutilizam materiais que já não querem”, referiu.

Decidiu investigar sobre o tema e foi então que tomou conhecimento de um relatório de 2013 do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMA), que descreve como especialistas da instituição descobriram que a pintura “Le Portrait” [The Portrait], de 1935, estava sobreposta ao quadro desaparecido “A Pose Encantada”, um original de 1927, da qual apenas se conhecia a existência através de uma fotografia a preto e branco num catálogo.

Tal como ela, tudo começou quando a equipa técnica reparou que as bordas do quadro estavam pintadas, desencadeando uma análise com raio-x, que identificou uma pintura por baixo de metade de uma mulher nua, pista que ajudou outros peritos a concluírem que se tratava da parte superior esquerda do quadro desaparecido.

Posteriormente, uma outra parte, correspondente ao lado inferior esquerdo, foi posteriormente por debaixo da pintura “Le Modèle Rouge” [O Modelo Vermelho], de 1935, propriedade do Museu de Arte Moderna de Estocolmo.

Além de os três quadros terem dimensões e datas de execução semelhantes, Alice Tavares da Silva percebeu depressa que tinha nas mãos a terceira peça do “quebra-cabeças” artístico.

As cores e traços coincidiam com a parte inferior direita de “A Pose Encantada”, análise que foi reforçada com o resultado do raio-x no Hamilton Kerr Institute, na Universidade de Cambridge, onde é professora e conservadora.

“Este quadro tem um bocado de tela extra que se estende um pouco mais por detrás do quadro e uma dessas margens tem muito exposta a composição original que está por baixo. Nem foi preciso chegar à altura de se fazer ao raio-x para eu saber que tinha um bocado do quadro por baixo deste”, garantiu, em declarações à Lusa.

A descoberta da portuguesa pode ser determinante para o esforço do MoMA em reconstituir a tela, que retratava duas mulheres nuas, em termos de cores e tonalidades, pois a parte agora encontrada tem dá acesso direto à pintura original.

“O que é muito interessante é que o raio-x dá-nos uma imagem a preto e branco da composição que está por baixo, mas nesta margem é possível ver parte dessa composição a cores. Este quadro vai contribuir para essa reconstituição a cores porque é o único quadro da parte direita da composição maior. Podemos completar de forma mais exata a reconstituição a cores”, saudou Alice Tavares da Silva.

A portuguesa vive no Reino Unido desde 1993, onde veio estudar conservação de pintura após uma licenciatura em Química Aplicada na Universidade Nova de Lisboa.

Além do trabalho a tempo parcial na Universidade de Cambridge, é conservadora em regime de freelance para o Museu de Norwich, localizado perto da zona de residência, onde a sua descoberta foi recebida com entusiasmo.

“Parece que, por alguma razão, Magritte deve ter decidido cortar o quadro em bocados, e depois pintado quatro quadros completamente diferentes em cima. O nosso quadro “A Condição Humana” escondeu com sucesso parte de “A Pose Encantada” durante mais de 80 anos”, comentou a curadora do Museu, Giorgia Botticelli.

Alice Tavares da Silva admitiu à Lusa ter sido “super emocionante e interessante” fazer uma descoberta tão relevante num museu regional, cuja coleção tem apenas esta obra de René Magritte.

“Agora o quadro é ainda mais especial”, comentou.

/Lusa

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