Portugal favorece “quem não quer ser julgado no prazo”. Noutros países não tinham hipótese

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Pedro Nunes / Lusa

O ex-primeiro-ministro José Sócrates

O Tribunal da Relação de Lisboa acusou José Sócrates de sucessivos atos dilatórios para adiar julgamento. No entanto, em muitos casos, é o próprio sistema, que favorece “quem não quer ser julgado num prazo razoável”.

José Sócrates foi detido há precisamente 10 anos no aeroporto de Lisboa, quando chegava de Paris.

Uma década depois ainda não começou o julgamento da Operação Marquês, processo marcado por sucessivos recursos do antigo primeiro-ministro.

Em declarações ao jornal Público, o antigo procurador-geral da República José Cunha Rodrigues diz que a culpa deste cenário de sucessivos adiamentos é do sistema que “dá garantias a quem não quer ser julgado num prazo razoável”.

Ao mesmo jornal, Paulo Dá Mesquita diz que noutros países isto não acontece.

O jurista explica que, nos países anglo-saxónicos, por exemplo, o abuso de recursos, requerimentos e outras manobras semelhantes por parte de advogados ou de procuradores pode dar direito a sanções disciplinares, incluindo o afastamento dos processos onde pratiquem o chamado “abuso do direito”.

José Cunha Rodrigues sublinha essa ideia lamentando que, “ao contrário da generalidade dos países europeus”, o sistema português desconfie do juiz, burocratizando o processo e limitando a sua margem de apreciação: “É uma das razões para que os recursos sejam utilizados como expedientes dilatórios e levem a que um número significativo de processos complexos termine por prescrição”.

Na opinião do antigo PGR, “o juiz deveria ter competência para dissuadir o mau uso e o abuso do processo, o que incluiria a possibilidade de decidir não conhecer do recurso”.

Como refere o Público, o Governo prometeu medidas destinadas a reduzir os expedientes processuais que atrasam os processos.

No entanto, ainda não são conhecidos detalhes sobre o assunto.

TRL a mudar o paradigma?

Esta quarta-feira, José Sócrates viu mais uma reclamação para o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) rejeitada, num acórdão em que o coletivo de desembargadores acusa o ex-primeiro-ministro de tentar “protelar de forma manifestamente abusiva e ostensiva” a ida a julgamento.

A “válvula de escape” a que o TRL recorreu, para se recusar, a apreciar mais uma reclamação do ex-primeiro-ministro é um mecanismo legal que, no entender de um antigo conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça ouvido pelo Público, devia ser usado com muito maior frequência.

Os desembargadores da Relação rejeitaram a nova reclamação de José Sócrates, tendo o coletivo criticado no acórdão o que classificaram como “um ato manifestamente dilatório”, sublinhando que “não é legalmente admissível a apresentação de sucessivas reclamações”, acrescentando que esse “tem sido o comportamento processual” de José Sócrates.

“O reclamante/recorrente encontra-se a protelar de forma manifestamente abusiva e ostensiva o trânsito do despacho de pronúncia e, consequentemente, da sua submissão a julgamento. Os tribunais não podem aceitar a adoção de tal comportamento processual”, lê-se no acórdão do TRL.

O coletivo enfatiza que “existe um momento processual em que o direito a discordar das decisões jurisdicionais não é mais admissível” e que para lá desse momento “a discordância deixa de constituir o exercício de direitos de defesa e passa a constituir um exercício ilegítimo desse direito”.

“Este comportamento processual não deriva de um desconhecimento ou errada interpretação das normas processuais penais, mas constitui um comportamento doloso e ‘contra legem’ (contra a lei) e visa, somente, retardar artificialmente o trânsito em julgado da decisão”, argumentam ainda os desembargadores, que citam acórdãos anteriores do TRL para defender que “não é processualmente admissível a transformação de um processo judicial, com decisão final, num interminável carrossel de requerimentos/decisões/recursos em que, sucessivamente, em todos os patamares de decisão judicial, são suscitadas, circularmente, sem qualquer fundamento real, sucessivas questões (…) até, enfim, à prescrição do procedimento criminal”.

O tribunal insiste que o comportamento do antigo primeiro-ministro “não é justificável” e sublinha que “a lei impõe ao arguido o dever de litigar de forma justa e equitativa”, e que lhe cumpre “aceitar que as decisões proferidas pelos tribunais se mostram de cumprimento obrigatório”.

O TRL decidiu ainda, na sequência da rejeição desta reclamação, “todos os requerimentos que, a partir desta data, se relacionem com questões já definitivamente decididas no âmbito do acórdão deste Tribunal, das quais se pretenda interpor recurso/aclaração/reclamação/nulidade ou incidente afim, serão processados em separado, extraindo-se traslado”.

O coletivo decidiu ainda que até que sejam pagas todas as custas e multas pendentes no âmbito do processo “não serão admitidas novas iniciativas processuais” de José Sócrates “que visem pôr em causa o trânsito em julgado” da decisão da Relação de Lisboa.

Sócrates, 10 anos

No processo Operação Marquês, Sócrates foi acusado pelo MP, em 2017, de 31 crimes, designadamente corrupção passiva, branqueamento de capitais, falsificação de documentos e fraude fiscal, mas na decisão instrutória, a 9 de abril de 2021, o juiz Ivo Rosa decidiu ilibar o ex-governante de 25 dos 31 crimes, pronunciando-o para julgamento apenas por três crimes de branqueamento e três de falsificação.

Uma decisão posterior do Tribunal da Relação de Lisboa viria a dar razão a um recurso do MP, e em janeiro determinou a ida a julgamento de um total de 22 arguidos por 118 crimes económico-financeiros, revogando a decisão instrutória, que remeteu para julgamento apenas José Sócrates, Carlos Santos Silva, o ex-ministro Armando Vara, Ricardo Salgado e o antigo motorista de Sócrates, João Perna.

ZAP // Lusa

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3 Comments

  1. Querem citar quais os países em que o dinheiro não funcione para safar da justiça? Até parece que é um mal exclusivo de Portugal….

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  2. Os ditos crimes de “Colarinho Branco” , são um paradigma generalizado a nível Mundial . Exemplos não faltam , e poucos cumprem pena de prisão efetiva , gozando de arrogante Liberdade de Luxo en detrimento dos Cidadãos Comuns . Mas enfim , Portugal distingue-se com nota alta , com um sistema de Justiça feito a medida para estes “Artistas” !

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