Pivô de canal estatal chinês detida. Nem os propagandistas de Xi Jinping estão seguros

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Web Summit / Flickr

A jornalista Cheng Lei

A australiana Cheng Lei, repórter do canal televisivo estatal chinês CGTN, foi detida pelo Governo daquele país, segundo fontes oficiais da Austrália. A detenção da repórter pode ser uma das jogadas da China no âmbito das atuais divergências entre os dois países.

Segundo noticiou na terça-feira a CNN, na sua última publicação na rede social WeChat, a 12 de agosto, a jornalista aparecia em frente à uma filial recém-inaugurada da cadeia norte-americana de restaurantes Shake Shack, em Pequim. Desde então está desaparecida. Na segunda-feira, o Governo australiano disse havia recebido uma “notificação formal” da sua detenção, que ocorreu dois dias depois da publicação.

De acordo com a CNN, os motivos da detenção não foram avançados e a CGTN apagou todas as referências sobre a jornalista do seu site e das suas redes sociais. A CGTN é o braço internacional da CCTV, um dos veículos de propaganda da China, na qual são transmitidos eventos e anúncios do Governo e do Partido Comunista Chinês (PCC).

Na terça-feira, em declarações à estação de rádio 2GB, de Sydney, a ministra das Relações Externas australiana, Marise Payne, não soube avançar as razões da detenção, dando a entender, contudo, que a jornalista pode estar a ser usada pela China, num momento em que tem aumentado a deterioração da relação entre os dois países.

Há algumas semanas, as autoridades de Camberra pediram uma investigação sobre as origens do novo coronavírus na China. No seguimento dessa decisão, ambos os países aplicaram restrições comerciais entre si.

Este cenário levou alguns órgãos de comunicação australianos a especular sobre a detenção de Cheng, comparando-a à detenção dos canadianos Michael Kovrig e Michael Spavor, em dezembro de 2018, depois de a Austrália ter detido o executivo chinês Meng Wanzhou, a pedido dos Estados Unidos (EUA).

Kovrig e Spavor foram acusados ​​de espionagem em junho de 2020, mais de um ano depois de terem sido detidos. Durante meses não puderam contactar com as suas famílias, advogados ou funcionários do consulado.

Durante uma conferência de imprensa, na terça-feira, a porta-voz do Ministério das Relações Externas chinês, Hua Chunying, afirmou não ter “informações específicas” sobre o caso, sublinhando, porém, que “a China é um país sob o estado de direito” e que agirá “de acordo com a lei”.

Chris / Flickr

De acordo com a ABC, Cheng está a ser mantida sob “vigilância residencial num local designado” (RSDL), um sistema pelo qual as pessoas podem ser detidas sem acusação, pelo período de até seis meses. Essa informação corrobora os comentários feitos por Marise Payne. Uma fonte próxima ao processo disse que a repórter está num centro de detenção.

A RSDL, adicionada à lei chinesa em 2012, legalizou a detenção, sem acusação, de dissidentes e ativistas, que chegam a ficar durante meses nos centros, numa tentativa do Governo de obter informações específicas ou benefícios políticos. Ex-detentos contaram que foram ameaçados de tortura e obrigados a fazer falsas confissões.

Desde que a sua legalização, a RSDL tem sido amplamente usada contra dissidentes, funcionários do Governo e cidadãos estrangeiros, sendo um dos vários meios que as autoridades chinesas usam para perseguir aqueles que desafiam a política interna do país.

Durante anos, membros do PCC enfrentaram ameaça de detenção e tortura, num sistema conhecido como Shuanggui, criado para perseguir quadros supostamente corruptos. Depois de estarem desaparecidos durante longos períodos, reapareciam e acabavam por confessar uma série de crimes, antes de serem julgados. Desde 2018, esse sistema foi estendido à Comissão Nacional de Supervisão.

Cheng não é a primeira funcionária da media estatal chinesa a entrar em conflito com as autoridades. Em 2014, Rui Chenggang, um dos rostos mais conhecidos da CCTV, foi detido sob acusação de corrupção. Alguns relatos sugerem que foi condenado a seis anos de prisão. Fora do sistema de media estatal, outros jornalistas foram também perseguidos.

A liberdade de imprensa, já limitada, diminuiu ainda mais nos últimos meses, com a expulsão de vários repórteres estrangeiros e restrições adicionais aos jornalistas chineses.

Embora as reportagens de Cheng para a CGTN se concentrassem na área financeira, ocasionalmente a jornalista escrevia no Facebook sobre tópicos mais sensíveis, incluindo algumas críticas à resposta da China ao coronavírus. Antes de ingressar na emissora chinesa, foi jornalista da CNBC.

ZAP //

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