Afinal, jantou ou não com Ricardo Salgado? Sócrates desmente-se a si mesmo em tribunal

Rodrigo Antunes / LUSA

José Sócrates à saída do Campus de Justiça

O antigo primeiro-ministro garante que nunca chegou a jantar com Ricardo Salgado em 2014, apesar de as suas próprias escutas indicarem o contrário. Sócrates garante ainda que não beneficiou o Grupo Lena no caso do TGV.

O Ministério Público (MP) confrontou José Sócrates, em tribunal, com escutas em que este combinou um jantar, em 2014, em casa do ex-banqueiro Ricardo Salgado, tendo o antigo primeiro-ministro insistido que essa refeição nunca aconteceu.

Nas interceções telefónicas datadas de abril de 2014 e reproduzidas no julgamento da Operação Marquês, o antigo primeiro-ministro (2005-2011) aceita, através da sua secretária, jantar em casa de Ricardo Salgado, em Cascais, num encontro para o qual terá também sido convidado o então presidente executivo da Portugal Telecom (PT), Henrique Granadeiro.

Questionado pelo procurador Rómulo Mateus, o ex-governante rejeitou ter permanecido várias horas na residência de Salgado, em Cascais, na noite em que admite ter-lhe oferecido um livro. O MP apresentou registos de geolocalização do telemóvel que o colocariam na zona durante quatro horas, mas Sócrates insistiu que esteve apenas meia hora na casa do banqueiro e depois seguiu para outra habitação próxima, cujo destino não quis revelar por considerar tratar-se de “vida privada”. Irritado com a insistência sobre este ponto, defendeu que Salgado mantinha ligações políticas à direita, nomeadamente ao financiamento da campanha de Cavaco Silva, e não ao PS.

“Fui convidado para jantar, mas o jantar não aconteceu, e estou convicto de que não aconteceu justamente porque o dr. Henrique Granadeiro não apareceu“, reiterou José Sócrates, desvalorizando o facto de, no dia seguinte à data marcada, ter sido escutado a dizer que a refeição em casa do à data presidente do Banco Espírito Santo (BES) ocorrera.

Grupo Lena “não ganhou nada” com o TGV

O tema do TGV também foi abordado, em particular pelo contrato assinado em 2010 para o troço Poceirão-Caia. O MP sustenta que a reformulação do acordo beneficiou o consórcio Elos, que incluía o Grupo Lena, próximo de Sócrates. O arguido reconheceu ter introduzido uma cláusula relativa a swaps, mas garantiu que tal não implicou qualquer vantagem indevida.

Pelo contrário, Sócrates acusou o Governo de Passos Coelho de ter deliberadamente retirado a verba do projeto do Orçamento do Estado, o que impossibilitou o visto do Tribunal de Contas em 2012. “Foi um embuste vendido aos portugueses”, afirmou, defendendo que o executivo tentou transferir responsabilidades para a instituição.

Sócrates sublinhou ainda que o consórcio apresentava financiamento bancário assegurado de 600 milhões de euros, associado a quatro swaps que acabaram por gerar perdas de mais de 300 milhões, pagas em grande parte pelos bancos e não pelo Estado. “O Grupo Lena não ganhou nada”, insistiu, lembrando que em 2018 a empresa registava resultados negativos.

O ex-primeiro-ministro omitiu, porém, que o consórcio Elos chegou a reclamar quase 300 milhões de euros de indemnização, valor que foi reduzido em tribunal arbitral para 149,6 milhões em 2016. Esta indemnização nunca chegou a ser paga, dado que o Estado contestou a decisão judicial.

Desdobrando-se em números, Sócrates frisou que a maioria do montante atribuído correspondia a custos pagos a terceiros, sendo apenas oito milhões referentes a custos internos. “A única coisa rejeitada foi compensar o consórcio pelas despesas normais de candidatura”, declarou.

José Sócrates, de 67 anos, está pronunciado (acusado após instrução) de 22 crimes, incluindo três de corrupção, por ter, alegadamente, recebido dinheiro para beneficiar em dossiês distintos o grupo Lena, o Grupo Espírito Santo (GES) – ligado ao BES, à data acionista da PT – e o empreendimento Vale do Lobo, no Algarve.

Ricardo Salgado, de 81 anos e doente de Alzheimer, e Henrique Granadeiro, da mesma idade, são outros dos 21 arguidos no processo.

Os 21 arguidos – que respondem globalmente por 117 crimes económico-financeiros – têm negado, em geral, a prática de qualquer ilícito.

O julgamento começou a 3 de julho no Tribunal Central Criminal de Lisboa e prossegue esta quarta-feira, com mais pedidos de esclarecimentos do MP, nomeadamente sobre a relação de José Sócrates com o grupo Lena.

ZAP // Lusa

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