O livro mais roubado na Rússia em 2023 é um clássico anti-totalitarismo

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Romance mais roubado do ano descreve uma sociedade censurada por um governo autoritário que manipula a verdade. Soa familiar.

Foi roubado 460 vezes das prateleiras das lojas Chitai-Gorod, na Rússia, e ao mesmo tempo também marcou presença entre os 10 livros mais comprados em 2023 da maior cadeia de livrarias do país, de acordo com o The Moscow Times.

Apesar da queda de 10% nos roubos de obras na cadeia em relação a 2022, foram ainda roubados 300 mil livros, mas uma crítica ao totalitarismo e repressão — com especial enfoque no Estalinismo, que assombrou a União Soviética — destacou-se como o mais roubado do ano.

O clássico distópico “1984”, de George Orwell, em que um governo totalitário recorre à vigilância, propaganda e slogans paradoxais para controlar a população, é o recordista de 2023.

Em tempos de invasão russa — chamemos-lhe o que é — os cidadãos russos parecem estar especialmente interessados em recordar o romance publicado em 1949, agora que estão expressamente proibidos de usar a palavra “guerra” ou “invasão” para descrever a “operação militar especial” levada a cabo pelo Kremlin na Ucrânia.

O mundo rigidamente controlado pelo líder supremo e omnipresente Big Brother (Grande Irmão), que Orwell imaginou num futuro corrido em 1984, tem sido um dos favoritos no país já há vários anos, mas as vendas aumentaram desde a invasão de fevereiro de 2022.

No romance reconhecido mundialmente — que explora temas como a manipulação da verdade, a constante vigilância, a repressão da individualidade e a corrupção do poder — o Estado utiliza a “Novilíngua”, uma língua desenhada para limitar a liberdade de pensamento, e impõe um regime de constante vigilância, onde a privacidade é praticamente inexistente.

Os receios de Orwell têm sido partilhados por muitos ao longo dos anos, com a obra a registar um enorme impacto cultural em várias nações.

Sem qualquer espanto, o regime de Vladimir Putin não é fã da popularidade da alegoria, cujos elementos podem ser encontrados no passado e no presente da Rússia.

Duas pessoas que distribuíram cópias gratuitas da obra em Moscovo, em março de 2022, foram detidas e acusadas de desacreditar o exército russo.

Putin: o Irmão contemporâneo

Robert Ghement / EPA

Vladimir Putin em forma de crânio, arte urbana de protesto de artistas da Ucrânia e Roménia, em Bucareste, na Roménia.

Tal como Estaline e Putin, o Big Brother é retratado como um líder quase divino cuja imagem procura inspirar o medo e lealdade. Desde que assumiu a presidência em 2000, Putin tem fortalecido progressivamente o seu controlo sobre o país ao limitar as liberdades civis e a oposição política.

O seu Kremlin consolidou o controlo sobre as instituições estatais, incluindo o sistema judicial e os meios de comunicação, e a guerra na Ucrânia veio evidenciar ainda mais o regime já visto como autoritário e, por muitos, totalitário.

Evidente desde que Putin lidera o Kremlin, a supressão da oposição política tem sido ainda mais clara nos últimos meses, a pouco tempo das eleições presidenciais russas.

Quando chegar o dia 15 de março, em 2024, Vladimir Putin estará confortável a nível interno: “sabe” que vai ganhar novamente.

Aliás, o Kremlin até já elaborou a lista de “espantalhos” — como os classificou o portal russo Meduza — que serão autorizados a concorrer contra o líder. Todos candidatos que não têm hipótese de vencer.

Só quem está controlado pelo Governo de Moscovo deverá ser candidato. Entre os “espantalhos” estão apenas representantes do Partido Comunista, do Partido Democrata-Liberal e do Novo Povo. Não deverá haver espaço para independentes – e, sobretudo, para pessoas que criticam o Governo.

Putin é hoje o “Irmão” que recorre à censura, propaganda e reescrita da história para se manter no poder.

Tomás Guimarães, ZAP //

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