Milhares de pessoas concentraram-se na noite desta quarta-feira na Praça da República, em Paris, com as ruas inundadas por um mar de gente a caminhar muito lentamente em direção à estátua monumental de uma figura de mulher a simbolizar a República Francesa.
Daí entoavam os slogans que ecoaram em toda a praça e eram repetidos pela multidão.
“O Charlie não morreu!” foi o principal grito que se ouviu e foi retomado por Sophie Cachera, uma estudante de 19 anos que explicou à Lusa que “não mataram o jornal porque as caricaturas vão continuar vivas”.
O discurso da estudante é interrompido por novos slogans como “juntos, unidos pela democracia”, que ela volta a repetir porque, – explica – “foi um atentado contra a democracia e tentaram calar a liberdade de imprensa”, acrescentando ter vindo à manifestação para “mostrar que não tem medo” e que “há que lutar contra este ataque”.
Perto dela, uma mulher exibe a tampa de uma caixa de sapatos em que escreveu “O Charlie vai sobreviver apesar de todos os sacanas”, uma mensagem que escreveu antes de sair de casa para se juntar à manifestação.
“Vim testemunhar a minha solidariedade com o jornal Charlie Hebdo e a minha ligação umbilical à liberdade de expressão e de imprensa”, conta à Lusa Dominique Debize, de 63 anos, uma geração que diz “muito ligada ao jornal”.
Praticamente as mesmas palavras saem da boca de Michelle Simon, de 70 anos, que trouxe com ela uma edição do jornal satírico em que se lê “É preciso pôr um véu no Charlie Hebdo”.
“Vim porque as vítimas eram meus amigos, não os conheci mas eles envelheceram comigo. Conheço-os desde adolescente, desde os tempos em que foram censurados pelo general De Gaulle”, explica.
Os mais jovens também afluíram em massa à Praça da República, como Adrien Brunetti, de 31 anos, que também trouxe uma capa de uma antiga edição onde “se pode ver o profeta Maomé que diz que é difícil ser amado por idiotas”.
“Vim para fazer o luto pelos jornalistas que morreram. São pessoas militantes e que sempre lutaram pela liberdade de expressão que é a base da nossa democracia. Estou triste porque foram mortos por causa da sua profissão”, testemunha.
Samuel Petit também furou por entre a multidão e entrou numa espação do metropolitano apinhada de gente, com a mulher e a bebé, para poder vir à manifestação porque, diz, não quer que “a filha cresça em um país onde a liberdade de expressão não é possível”.
“Cresci a ouvir os meus pais a falar sobre estes cartoonistas, a minha família até conhece o desenhador Willem que trabalha no Charlie Hebdo. Este atentado é altamente simbólico e depois disto nunca mais nada será igual, é um ponto de ruptura”, considera.
A manifestação convocada por vários sindicatos, associações, meios de comunicação social e partidos políticos começou às 17:00 e continuava ao início da noite, sempre com a praça cheia de gente.
O atentado desta quarta-feira na sede do jornal satírico Charlie Hebdo matou as figuras históricas do cartoon francês Charb, Cabu, Tignous e Wolinski.
Luís Humberto Marcos, director do festival Porto Cartoon, diz que a morte de Georges Wolinski, membro do júri da competição desde 2004, deixa um “vazio enorme” e que é uma “perda insubstituível”.
“Wolinski fazia do humor uma valorização daquilo que era o próprio conceito da crónica jornalística”, afirmou o também diretor do Museu Nacional da Imprensa.
/Lusa