A junta militar no poder em Myanmar está a preparar novas acusações por corrupção a Aung San Suu Kyi, afirmando que a antiga líder aceitou subornos de 550 mil dólares (459 mil euros), segundo a televisão estatal.
Na última noite, a emissora pública MRTV, controlada pelos militares, transmitiu um vídeo de um promotor imobiliário a confessar ter pago aquela quantia à líder do país, em várias parcelas, entre 2018 e 2020.
“Com base neste testemunho, as autoridades detetaram que Aung San Suu Kyi se tornou culpada de corrupção e estão a preparar-se para a acusar”, disse a MRTV.
O advogado da antiga líder do país, que continua detida pelos militares, considerou as novas alegações “sem fundamento e absurdas”, em declarações à agência de notícias France-Presse (AFP). “A minha cliente pode ter falhas, mas corromper as pessoas não está na sua natureza. A maioria dos birmaneses não acreditará” nestas novas acusações, disse.
Presa no golpe de estado de 1 de fevereiro e isolada desde então, a antiga líder, de 75 anos, já foi acusada de importar ilegalmente walkie-talkies, de não cumprir as restrições ligadas à pandemia, de violar uma lei de telecomunicações e de incitar à perturbação pública.
Na semana passada, o exército anunciou que estava a abrir uma investigação por corrupção, acusando-a inicialmente de receber ilegalmente 600 mil dólares (cerca de 501 mil euros) e mais de 11 quilos de ouro.
Se a laureada com o Prémio Nobel da Paz de 1991 for considerada culpada das acusações, enfrenta longas penas de prisão e pode ser impedida de participar na política. O seu partido, a Liga Nacional para a Democracia, ganhou as eleições parlamentares de novembro passado por larga maioria.
Polícia tinha ordens para “disparar sobre multidão”
Em entrevista à CNN, sob condição de anonimato, um polícia birmanês que fugiu de Myanmar para a Índia na sequência do golpe de estado levado a cabo pelo exército, disse que “quando mais de cinco manifestantes se juntam e não conseguimos fazer dispersar a multidão, temos ordens para disparar“.
O agente da polícia explicou ainda que lhe foram entregues centenas de cartuchos para armas de vários calibres e contou que tomou a decisão de fugir do país depois de receber essas ordens, porque não queria “o sangue dos seus concidadãos nas suas mãos”.
Para trás, em Myanmar, deixou os seus pais e irmãos.
Cerca de 100 cidadãos de Myanmar, a maioria agentes da polícia e as suas famílias, cruzaram a fronteira para a Índia desde o início dos protestos.
“Também eu me ajoelho”, disse o Papa
O Papa Francisco apelou esta quarta-feira ao fim da violência em Myanmar, afirmando que também se ajoelha simbolicamente para alcançar tal propósito, numa referência à freira que se ajoelhou em oração em frente às forças de segurança birmanesas.
“Mais uma vez e com tanta tristeza, sinto a urgência de falar da situação dramática em Myanmar, onde tantas pessoas, especialmente jovens, estão a perder as suas vidas para oferecer esperança ao seu país”, declarou o pontífice, no final da tradicional audiência geral de quarta-feira.
“Também eu me ajoelho nas ruas de Myanmar e digo que a violência tem de acabar. Também eu estendo os braços e digo que o diálogo deve prevalecer. O sangue não resolve nada. Que prevaleça o diálogo”, prosseguiu Francisco, que já abordou várias vezes a situação vivida em Myanmar.
No início de março, as imagens de uma freira católica, identificada como Ana Rosa Nu Tawng, de braços estendidos e ajoelhada no meio de uma estrada em frente às forças de segurança birmanesas a implorar para que estas não disparassem contra um grupo de manifestantes percorreram o mundo.
As imagens foram registadas na cidade de Mytkyna, no norte do país, a 28 de fevereiro.
“Não disparem sobre as crianças”, implorou a freira católica naquela estrada em Myitkyina, localidade que tem sido cenário de manifestações quase diárias desde o golpe militar. Nesse mesmo dia, três manifestantes pró-democracia seriam mortos.
No dia 1 de fevereiro, os generais birmaneses tomaram o poder, alegando fraude eleitoral nas legislativas e contestando a vitória de Aung San Suu Kyi. Desde o golpe de Estado repetem-se as manifestações de protesto, marcadas pela violência policial e do exército.
De acordo com a Associação de Ajuda aos Prisioneiros Políticos, a repressão policial e militar já fez mais de 180 mortos civis desde o início de fevereiro.
Maria Campos, ZAP // Lusa