Nova ferramenta apanha as bactérias na conversa (e diz quem é quem em segundos)

ZAP // Dall-E-2

Uma colaboração entre cientistas de todo o mundo desenvolveu uma ferramenta que permite ajudar os investigadores a compreender melhor o metabolismo dos microrganismos. Este novo reportório, designado por microbeMASST, promete revolucionar as ciências da vida.

Os microrganismos estão presentes em todos os sistemas biológicos e ambientais e desempenham um papel fulcral nos ecossistemas em que habitam.

O estudo do seu metabolismo é essencial para perceber as interações que estes microrganismos desempenham com os restantes sistemas vivos. No entanto, as limitações técnicas atuais tornam difícil a descodificação destas interações.

Com o objetivo de responder a este problema, um grupo de investigadores da Universidade da Califórnia estabeleceu uma parceria com cientistas de todo o mundo, para desenvolver uma ferramenta inovadora que permite compreender melhor o metabolismo destes microrganismos.

O ser humano é colonizado por milhares de bactérias que têm um papel essencial na manutenção da sua homeostasia. Na verdade, temos mais bactérias do que células no corpo humano. Mas sabemos muito pouco sobre de que forma é que estes interagem com as nossas células.

“Os seres humanos são ecossistemas ambulantes nos quais os microrganismos os superam em número. No entanto, sabemos muito pouco sobre os metabolitos que estes produzem”, explica Pieter Dorrestein, autor principal do estudo, que foi publicado no início deste mês na Nature Microbiology.

Os microrganismos que colonizam o nosso corpo produzem moléculas essenciais para a nossa saúde, designados por metabolitos.

Diferentes classes de bactérias produzem diferentes tipos de metabolitos e, por isso, diz-se que a produção de um determinado metabolito pode ser uma assinatura metabólica de um grupo de bactérias específico.

Por outras palavras, pode dizer-se que um determinado metabolito, ou a via metabólica que leva à sua produção, podem facilmente identificar a classe de bactérias que o produziu.

“Esta tecnologia permite-nos combinar os diferentes microrganismos com as respetivas assinaturas metabólicas, sem qualquer conhecimento prévio, o que representa um grande avanço na nossa capacidade de estudar estes seres vivos e as suas relações com os seres humanos”, afirma Dorrestein.

Esta ferramenta inovadora, chamada microbeMASST, foi desenvolvida por cientistas do Collaborative Microbial Metabolite Center, em San Diego, e visa construir um reportório de dados metabolómicos com curadoria internacional.

“Este repositório vai ajudar-nos a perceber o papel do microbioma em condições de saúde muito específicas, como nas doenças hepáticas, inflamatórias, diabetes, ateroscleroe, entre outras”, explica o autor.

Bactérias apanhadas a conversar

Os microrganismos desempenham um papel importante em vários processos ambientais, como nos ciclos de carbono e nitrogénio.

Quando as comunidades microbianas são afetadas de alguma forma, o equilíbrio do ecossistema é posto em causa já que não consegue reciclar os seus nutrientes. Este cenário leva, por sua vez, a um desequilíbrio ecológico altamente destrutivo.

Devido ao seu papel crucial no meio ambiente e às suas interações com organismos maiores, o metabolismo dos microrganismos são uma força motriz em todos os aspetos da biologia. No entanto, infelizmente, o potencial metabólico das comunidades microbianas é frequentemente ignorado.

“Um dos principais desafios no estudo de comunidades de microrganismos é que é difícil identificar que bactérias é que estão a produzir determinado metabolito, a menos que saibamos o que estamos a procurar”, explica Simone Zuffa, primeira autora do estudo.

“Se compararmos as colónias de bactérias a uma festa com várias pessoas a falar, percebemos quão difícil é isolar as várias conversas que estão a ocorrer. As técnicas atuais permitem-nos apenas gravar o som como um todo. Com esta ferramenta, podemos descobrir quem é que está a dizer o quê”, acrescenta.

Para construir este reportório, os investigadores recolheram mais de 100 milhões de dados provenientes de 60 000 amostras microbianas distintas, provenientes de cientistas de todo o mundo.

Os dados deste banco de dados foi meticulosamente seleccionado a partir de metadados e incluem comunidades de microrganismos de plantas, peixes, animais terrestres, humanos, solos, oceanos e lagos.

Com esta nova ferramenta, é possível cruzar uma amostra experimental com uma enorme biblioteca de microrganismos individuais, e identificar os microrganismos presentes numa amostra, através do microbeMASST.  “Até aghora, não existia nenhuma ferramenta capaz de fazer isto em segundos”, diz Simone Zuffa.

Uma vez que o microbeMASST consegue identificar microrganismos presentes numa amostra sem qualquer conhecimento prévio, os investigadores estão confiantes quanto à sua aplicação em vários campos da tecnologia, biologia, agricultura, aquicultura e biotecnologia.

“Acreditamos que o microbeMASST possa ser um recurso transformador nas ciências da vida”, afirma Dorrestein. “Além disso, à medida que mais dados vão sendo recolhidos, mais referências temos para oferecer mais e melhores resultados”, acrescenta o autor.

Entretanto… e se as bactérias fossem de facto capazes de emitir sons?

Patrícia Carvalho, ZAP //

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