Barragem gigante para salvar as correntes que mantêm a Europa aquecida: plano louco e perigoso

NASA/GSFC/JPL/MISR-Team

No Estreito de Bering, apenas 80 quilómetros separam a Rússia do Alasca

O ambicioso plano de geoengenharia que propõe a construção de uma barragem gigante para bloquear o estreito de Bering pode destruir a circulação oceânica que pretende proteger, alertam investigadores.

Entre as controversas propostas de “geoengenharia” para travar o aquecimento global de que recentemente tivemos conhecimento, constam ideias como dispersar aerossóis para bloquear a luz solar, escurecer o Sol, clarear as nuvens sobre os oceanos ou capturar CO₂ e guardá-lo em depósitos subterrâneos.

Agora, dois investigadores sugerem um plano radical que não se aplicaria ao céu, mas ao mar: construir uma barragem gigante no estreito de Bering para salvar as correntes que mantêm a Europa aquecida.

O objetivo não é arrefecer o planeta, mas evitar uma consequência paradoxal, e até agora apenas hipotética, do aquecimento global, explica a Science.

Para responder ao receio de que a “correia transportadora” de correntes do Oceano Atlântico, responsável pelo clima ameno da Europa Ocidental, possa colapsar de forma repentina, os investigadores propõem a construção de uma barragem na passagem de 80km que separa a Sibéria do Alasca.

Evidências paleoclimáticas sugerem que a Circulação Meridional do Atlântico (AMOC), que segundo um estudo de 2024 está em colapso iminente, era mais forte durante uma era glacial passada, quando o nível do mar era mais baixo e existia uma ponte terrestre no estreito de Bering, que isolava o Oceano Ártico do Pacífico.

National Parke Service

Mapa da chamada Ponte Terrestre de Bering, que terá ligado o lesta da Rússia com o Alasca

Uma experiência de modelação simples, apresentada recentemente em pré-publicação no arXiv, sugere que recriar artificialmente essa barreira poderia reforçar a AMOC.

“O risco de colapso não é de todo negligenciável. Dada a vulnerabilidade potencial da AMOC, a ideia merece ser considerada”, considera o geofísico Jelle Soons, investigador da Universidade de Utrecht, que liderou o estudo com o oceanógrafo físico Henk Dijkstra.

Outros cientistas pedem, no entanto, análises mais profundas antes de considerar a proposta seriamente.

“Os efeitos em cadeia e as consequências são enormes e, em grande parte, desconhecidas”, alerta Susan Lozier, oceanógrafa no Georgia Institute of Technology.

Uma barreira desta escala entre oceanos poderia afetar outras correntes, ecossistemas marinhos e até sociedades humanas. Mais preocupante ainda: estudos de modelação climática feitos há mais de uma década mostram que fechar o estreito de Bering poderia condenar a AMOC em vez de a salvar.

Não existe consenso sobre a dimensão da ameaça que o aquecimento global representa para a AMOC e, até agora, não há sinais claros de enfraquecimento, diz Lozier. “Os modelos climáticos que preveem pontos de rutura não têm validação.”

Mas a ciência aponta dois mecanismos através dos quais o aquecimento global poderia fazer colapsar a AMOC: o aumento da temperatura do Atlântico Norte, que dificultaria o arrefecimento e afundamento das águas salgadas da região, e a fusão das camadas de gelo, que acrescenta água doce menos densa à mistura.

O estudo de Soons simulou esse acréscimo de água doce, mas deu mais ênfase ao aquecimento rápido das águas. Nesse cenário, a entrada de águas relativamente frescas do Pacífico Norte através do estreito de Bering acrescentaria pressão sobre a AMOC, acabando por a paralisar.

Fechar o estreito com uma barragem permitiria à circulação sobreviver, sustentam os autores do estudo.

Mas um estudo bastante detalhado, conduzido por Aixue Hu, oceanógrafo do National Center for Atmospheric Research, e publicado em 2011 na revista PNAS, aponta no sentido contrário.

Segundo Hu, parte da água doce do Atlântico Norte flui para o Ártico e escapa depois para o Pacífico através do estreito, funcionando como válvula de escape que ajuda a manter a AMOC suficientemente salgada.

Fechar o estreito faria essa água acumular-se no Ártico até regressar ao Atlântico, causando um colapso súbito da circulação.

Outros estudos chegaram a conclusões semelhantes. “É uma ideia interessante”, reconhece Hu sobre a proposta de Soons. “Mas, na prática, fechar o Estreito de Bering pode gerar exatamente o problema que tenta evitar”.

Quanto à viabilidade técnica, Soons sublinha que a obra é menos irrealista do que parece. No ponto mais estreito, Rússia e Alasca estão mais próximos do que Filadélfia e Nova Iorque. A profundidade máxima do estreito é de 59 metros e há duas ilhas no centro.

A maior estrutura comparável existente, o dique de Saemangeum, na Coreia do Sul, tem 33 quilómetros de extensão e até 54 metros de profundidade. Custou cerca de 3 mil milhões de dólares e foi concluído em 2010 — menos do que uma extensão de metro em Nova Iorque.

A diferença é que o dique sul-coreano foi construído em águas costeiras calmas, não em mares remotos e agrestes, cobertos de gelo marinho durante grande parte do ano e entre dois rivais geopolíticos.

Uma barragem no estreito de Bering traria ainda múltiplos impactos colaterais. Mamíferos marinhos e várias espécies de peixes atravessam-no sazonalmente, e a região serve de refúgio para espécies subárticas em expansão.

Alterar este ecossistema afetaria inevitavelmente comunidades indígenas que dependem dele para alimentação e comércio. Além disso, poderia dificultar o tráfego marítimo, cada vez mais intenso naquela rota, assinala Soons.

O investigador está a testar os mesmos cenários num modelo climático mais avançado. Por agora, estes resultados devem ser encarados com cautela, avisa Hu.

“Este trabalho, por si só, não é suficiente para justificar uma intervenção destas.” Se pudesse imaginar um plano de geoengenharia para salvar a AMOC, acrescenta, talvez preferisse salgar diretamente o Atlântico Norte para manter a sua densidade.

De qualquer forma, conclui Soons, a melhor solução continua a ser travar o aquecimento global reduzindo a queima de combustíveis fósseis.

ZAP //

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