O abrandamento potencialmente catastrófico da circulação meridional do Atlântico (uma corrente oceânica crítica), devido às alterações climáticas, pode ser a salvação da Amazónia, face ao aumento das temperaturas.
O enfraquecimento da circulação meridional do Atlântico pode estar a reforçar a precipitação na floresta amazónica, reduzindo o risco de que esta atinja um ponto de rutura. A conclusão é de um estudo publicado recentemente no Arxiv.
O colapso da circulação meridional do Atlântico – AMOC – e a transformação da floresta amazónica em savana são dois dos pontos de rutura mais graves que se preveem se o aquecimento global continuar.
Podem causar impactos globais e irreversíveis.
A AMOC transporta água quente do equador para os pólos à superfície do mar e água fria na direção oposta nas profundezas do oceano, pelo que as temperaturas da superfície do mar podem fornecer algumas indicações sobre a força da corrente. Se parar, poderá provocar uma rápida subida do nível do mar na América do Norte, uma descida súbita e acentuada das temperaturas no norte da Europa e graves perturbações nas monções em toda a Ásia.
Paralelamente, o aumento das temperaturas está a secar a floresta tropical amazónica, empurrando-a para um ponto de rutura em que a floresta passa de selva a savana.
Esta transição poria grande parte da biodiversidade global em perigo, prejudicaria a capacidade do planeta para absorver as emissões em curso e perturbaria o clima em toda a América do Sul.
Interação estabilizadora surpreendente
Surpreendentemente, o novo estudo constatou que o abrandamento da AMOC pode preservar a floresta amazónica, demonstrando uma interação estabilizadora entre dois elementos de rutura.
A equipa de investigação detetou uma ligação entre os dois fenómenos no período de 1982 a 2022. As temperaturas mais frias à superfície do mar no Oceano Atlântico Norte levariam ao fortalecimento de uma corrente de ar chamada jato de baixo nível das Caraíbas, aumentando a precipitação sobre a Amazónia durante a estação seca de maio-setembro da região.
“Descobrimos que um enfraquecimento da AMOC leva a um aumento da precipitação e do verde da vegetação no sul da floresta amazónica durante a estação seca”, disse à New Scientist, a líder da investigação Annika Högner, do Instituto Internacional de Análise de Sistemas Aplicados, na Áustria.
“A estação seca é um período crítico do ano em que o stress hídrico é mais elevado e podem ocorrer secas, e desempenha um papel importante na estabilidade da floresta tropical. É por isso que podemos interpretar esta interação que vemos como uma interação estabilizadora entre dois elementos de rutura“.
A equipa descobriu que este efeito compensou cerca de 17% da tendência de secagem observada na Amazónia desde 1982.
No entanto, o estudo salienta que, mesmo com o efeito estabilizador de um enfraquecimento da AMOC, a Amazónia já está a ficar mais seca.
“É preocupante cada vez que identificamos um mecanismo em que o sistema terrestre nos ajuda a amortecer os impactos adversos das alterações climáticas provocadas pelo homem .Não devemos esperar que o sistema terrestre faça isso por nós para sempre”, lamentou Annika Högner.
“É mera causalidade”
Mas a teoria apresentada pelo novo estudo parece não ser consensual. A contrariar a teoria do novo estudo está a cientista Maya Ben-Yami, do Instituto Potsdam para a Investigação do Impacto Climático, na Alemanha.
Em declarações à New Scientist, a especialista disse que os resultados não demonstram uma ligação entre a AMOC e a Amazónia: “Penso que os resultados são uma teleconexão [ou uma] causalidade entre as temperaturas da superfície do mar do Atlântico Norte e a precipitação na América do Sul. Mas não se trata de uma ligação entre a AMOC e a Amazónia”.
David Armstrong McKay, da Universidade de Sussex, no Reino Unido, receia igualmente que os indicadores utilizados para medir a AMOC e a Amazónia possam não refletir com exatidão o estado atual desses pontos de inflexão.
Isto porque outras variáveis importantes, como é o caso do impacto da desflorestação na Amazónia, foram deixadas de fora do estudo.
“Quer a AMOC esteja a abrandar ou não, o que sabemos é que irá abrandar e, potencialmente, colapsar com um maior aquecimento e que, no passado, isto tendeu a empurrar as monções tropicais para sul, perturbando os ecossistemas e o ciclo global do carbono”, afirma o investigador.
Quem pode mudar o rumo dos acontecimentos é o Homem – acrescenta McKay. Para isso, é preciso travar a desflorestação e as emissões de gases com efeito de estufa o mais rapidamente possível.