Talões de compra, garrafas de plástico, latas de alimentos, brinquedos infantis. O BPA, ou bisfenol A, está presente em produtos que fazem parte do quotidiano de quase toda a gente.
Este composto químico é utilizado principalmente na produção de plásticos e resinas, mas também aparece no revestimento interno de embalagens e em utensílios domésticos.
O que preocupa investigadores e autoridades de saúde é que, apesar de tão amplamente utilizado, o BPA é classificado como um desregulador endócrino — ou seja, uma substância capaz de interferir na produção e ação das hormonas do nosso organismo, especialmente das hormonas sexuais.
“A principal preocupação é o plástico, porque o seu uso é massivo em todo o mundo — estamos a falar de toneladas por ano”, explica Elaine Costa, coordenadora da comissão de endocrinologia ambiental da SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia).
“O bisfenol A é essencial na produção de muitos destes materiais. É como construir uma parede: o BPA seria o tijolo, e as ligações químicas, o cimento que mantém tudo unido. Quando se aquece um recipiente de plástico com alimentos, essas ligações podem romper-se, libertando o bisfenol para o alimento. Esta é a principal forma de contaminação. E o problema não acaba aí: esse plástico descartado acaba nos rios e contamina também a água.”
No caso do papel térmico, como os talões de compra, o BPA pode ser absorvido pela pele — especialmente por quem lida frequentemente com este tipo de material, como os trabalhadores do comércio.
Embora a absorção seja considerada reduzida, estudos indicam que a exposição constante, mesmo em pequenas doses, pode representar riscos a longo prazo — e não apenas para quem tem contacto direto com a substância.
“Há indícios de que estas alterações podem ocorrer ainda durante a vida intrauterina, influenciando a saúde metabólica das gerações futuras. Por isso, é essencial que se divulguem amplamente medidas preventivas — como reduzir o contacto de alimentos com plásticos, evitar aquecer recipientes de plástico no micro-ondas e optar por materiais inertes, como vidro ou inox —, pois pequenas mudanças de hábitos podem reduzir consideravelmente a exposição ao longo da vida”, afirma Carlos Minanni, endocrinologista do Hospital Israelita Einstein.
O que diz a ciência
Não há dúvidas de que o bisfenol A não é completamente inócuo — mas a ciência ainda não consegue determinar com precisão qual o nível de exposição que representa um risco concreto para a saúde humana.
“Nos seres humanos, não conseguimos comprovar diretamente os riscos. Não é possível fazer um estudo dividindo as pessoas entre expostas e não expostas — seria antiético”, explica a endocrinologista.
“O que temos são estudos epidemiológicos que mostram que populações mais expostas desenvolvem determinadas patologias. Nos animais, os efeitos já estão comprovados: alterações na fertilidade, obesidade, diabetes.”
Estes efeitos explicam-se, em parte, pela estrutura química do BPA, muito semelhante à do estradiol — a principal hormona sexual feminina. Por isso, consegue ligar-se aos mesmos recetores no organismo, interferindo na ação das hormonas naturais.
“É como se fosse uma chave falsa que entra na fechadura errada, impedindo que a verdadeira funcione”, compara Costa.
Para além das hormonas sexuais, o bisfenol afeta outros mecanismos celulares, com impacto potencial na tiróide, no metabolismo e em todo o sistema reprodutor.
A professora Márcia Mendonça, titular de ginecologia da UFMG, salienta que compostos como o BPA podem ter ação estrogénica ou antiestrogénica, interferindo no delicado equilíbrio do sistema hormonal. Estudos com animais já apontam efeitos desses, e evidências reunidas em diversos países indicam que a exposição a estes compostos está associada à redução da qualidade do esperma, maior incidência de anomalias genitais em homens, alterações do ciclo menstrual, síndrome dos ovários poliquísticos, endometriose e até alguns tipos de cancro.
A OMS (Organização Mundial da Saúde) reconhece cerca de 800 compostos químicos suspeitos de interferirem com o sistema hormonal — entre eles, o BPA. No entanto, sublinha que apenas uma pequena parte foi efetivamente estudada em profundidade e que a escassez de dados gera “incertezas quanto à dimensão dos riscos”.
A própria Anvisa reconhece este cenário de incerteza. De acordo com a agência, estudos toxicológicos convencionais apenas identificam efeitos em doses elevadas. No entanto, alguns poucos estudos sugerem que doses mais baixas de BPA também podem estar associadas a efeitos emergentes, como alterações no desenvolvimento neurológico, modificações nas glândulas mamárias e próstata de ratos, além de prejuízos na qualidade do esperma.
Como ainda existem dúvidas quanto à validade e relevância destes achados, os especialistas alertam que, embora os dados não sejam conclusivos, devem orientar novas investigações — e políticas de precaução.
“Costumo dizer que a ausência de evidência não é evidência de ausência. Portanto, se sabemos que pode provocar efeitos, temos de prevenir”, defende Elaine Costa.
-“Os recibos fazem muito mal à saúde …” Até parece a anedota do aquário…!