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A febre em torno do precioso combustível de “ouro branco” enterrado na Terra

Beavis729 / Wikimedia

Os “círculos de fada”, como estes na Namíbia, podem formar-se quando o hidrogénio faz com que a terra suba e depois afunde

O “hidrogénio branco” natural jaz em vastos reservatórios debaixo dos nossos pés – agora está a começar a corrida ao ouro da era da energia limpa.

Os investidores tinham perdido a fé na busca obsessiva de Edwin Drake por petróleo quando o empreendedor americano finalmente encontrou ouro negro num reservatório subterrâneo em Titusville, Pensilvânia, em 1859. A descoberta desencadeou um frenesim de exploração que deu início à era moderna do petróleo.

Agora, uma nova geração de exploradores está a correr para replicar aquele momento de Titusville, na esperança de trazer à tona o surgimento de uma nova e importante fonte de energia. No entanto, não são combustíveis fósseis que procuram, mas sim uma fonte comercialmente viável de hidrogénio natural – e de baixo carbono.

O hidrogénio, a molécula mais pequena, simples e mais leve da Terra, é atualmente utilizado principalmente nas indústrias de refinação e química, como na produção de amoníaco para fertilizantes. A grande maioria deste hidrogénio é produzida a partir do poluente gás metano ou da gaseificação do carvão.

Mas já existem outras formas de produzir hidrogénio com menor emissão de carbono. E a capacidade do hidrogénio de armazenar três vezes mais energia do que o petróleo, produzindo apenas água quando queimado, fez com que alguns o vissem como uma opção atrativa de combustível limpo, especialmente para indústrias difíceis de descarbonizar por electrificação, como a aviação, o transporte marítimo ou a produção de aço.

O hidrogénio “verde”, por exemplo, é uma alternativa mais limpa, produzida pela divisão da água entre moléculas de hidrogénio e oxigénio num processo alimentado por energia renovável. O hidrogénio “azul”, feito a partir de combustíveis fósseis, utilizando a captura e armazenamento de carbono para reduzir as emissões, é outra alternativa.

É mais ou menos uma corrida“, diz. Gaucher deixou o seu emprego na gigante petrolífera Total há quatro anos e dirige agora uma consultora independente que aconselha empresas “que querem ganhar a corrida ao hidrogénio natural”. As perfurações exploratórias, observa, já ocorreram na Austrália e nos EUA.

Prospetores como Gaucher defendem que a descoberta de um reservatório de hidrogénio comercialmente viável pode inaugurar uma nova era de exploração. “A esperança é fazer uma grande descoberta nos próximos três ou quatro anos”, diz. “O meu sonho é que este hidrogénio natural possa desempenhar um papel, talvez como o petróleo desempenhou no passado.”

Ainda assim, Gaucher admite que os mineiros devem manter-se “modestos” quanto ao potencial papel do hidrogénio branco na transição energética. Até porque ainda existem enormes incertezas sobre quanto dele poderá ser realmente recuperável do manto terrestre.

“Atualmente, não fazemos ideia”, diz Ellis, do USGS. “Essa é a grande questão. Pelo que sabemos hoje, há muita incerteza para realmente fazer qualquer previsão sobre o impacto que [o hidrogénio natural] pode ter.”

O único local onde o hidrogénio branco extraído da Terra é atualmente utilizado é na aldeia de Bourakebougou, no oeste do Mali. O destino da comunidade local mudou em 1987, quando o cigarro de um trabalhador que estava a cavar um poço de água provocou uma pequena explosão quando se inclinou sobre a borda. O hidrogénio quase puro foi encontrado posteriormente no fundo do poço. Atualmente, é utilizado para produzir eletricidade para a aldeia.

Inodoro, incolor e insípido, o hidrogénio é difícil de detetar sem o procurar especificamente. Mas, no início de 2025, uma equipa de geólogos anunciou ter encontrado uma pista sobre onde começar a procurar.

Usando simulações de processos tectónicos de placas, mostraram que as rochas que foram empurradas para mais perto da superfície durante a formação de montanhas poderiam ser pontos críticos para o hidrogénio branco. Os investigadores identificaram cadeias montanhosas que se estendem dos Alpes aos Himalaias como possíveis alvos para exploração.

Outros investigadores no Reino Unido e no Canadá publicaram recentemente uma lista de ingredientes-chave necessários para encontrar sistemas subterrâneos produtores de hidrogénio. “Sabemos, por exemplo, que os micróbios subterrâneos se alimentam facilmente de hidrogénio”, disse a coautora do estudo, Barbara Sherwood Lollar, professora de geologia na Universidade de Toronto, em comunicado. “Evitar ambientes que os coloquem em contacto com o hidrogénio é importante para preservar o hidrogénio em acumulações económicas.”

Embora a exploração de hidrogénio branco esteja a ganhar força, ainda não foram encontrados poços comercialmente viáveis. Na sua revisão global do hidrogénio de 2024, a AIE descreveu a tecnologia de produção de hidrogénio branco como tendo uma pontuação de cinco em nove na sua escala de prontidão tecnológica.

Também ainda há evidências insuficientes para provar que o hidrogénio branco seja um recurso renovável para uso em larga escala, afirma Laurent Truche, professor de geoquímica na Universidade Grenoble Alpes, em França, que investiga o hidrogénio natural. Isto porque não é claro se o hidrogénio é gerado com a rapidez suficiente para substituir o que pode ser extraído dos reservatórios. Truche afirma que a taxa de geração de hidrogénio é “várias ordens de grandeza demasiado lenta em comparação com o que esperaríamos produzir”.

Preocupa-se com o exagero, referindo que “a produção de hidrogénio natural é atualmente ínfima, o hidrogénio encontrado raramente é puro e muitas descobertas são de gás dissolvido, o que é difícil de produzir”.

Mas a extração de hidrogénio branco também pode ter consequências não intencionais, incluindo impactos no clima que podem anular alguns dos benefícios da substituição dos combustíveis fósseis.

Os reservatórios de hidrogénio podem conter metano, o que poderia anular os benefícios do hidrogénio branco, a menos que fosse capturado. Além disso, uma vez na atmosfera, o hidrogénio compete com o metano pela hidroxila, um composto que decompõe as moléculas de metano. Isto significa que qualquer hidrogénio que escape durante a extração também faria com que o metano na atmosfera durasse mais tempo e causasse ainda mais aquecimento.

Estas emissões de metano, juntamente com as emissões incorporadas na infra-estrutura de perfuração, significam que a produção de hidrogénio branco não seria totalmente isenta de carbono.

Os defensores do hidrogénio branco afirmam à BBC que as emissões de metano podem ser filtradas, enquanto a extracção e a queima de hidrogénio como combustível reduziriam a quantidade que se escapa naturalmente para a superfície e atinge a atmosfera.

Mas Truche discorda. A produção de hidrogénio branco em grande escala levaria a uma maior fuga de hidrogénio para a atmosfera, afirma. Poderá também impactar os ecossistemas subterrâneos e a vida microbiana que depende do hidrogénio como fonte de energia, acrescenta. Estes micróbios desempenham um papel importante no ciclo dos elementos e compostos químicos da Terra – embora se saiba relativamente pouco sobre o subsolo terrestre profundo, de acordo com uma revisão científica de Rachel Beaver e Josh Neufeld, da Universidade de Waterloo, no Canadá.

Zgonnik está otimista de que o hidrogénio branco pode fornecer “o elo que faltava” para descarbonizar setores difíceis de reduzir, começando pela indústria dos fertilizantes. Ainda assim, mesmo no melhor cenário, estima que o hidrogénio branco poderá substituir “apenas alguns por cento” da utilização global de combustíveis fósseis até 2050.

Mas outros, como Truche, defendem que é demasiado cedo para determinar qual o papel, se algum, que o hidrogénio branco poderá desempenhar na transição energética. Se a reposição de reservatórios de hidrogénio extraível existe no subsolo “é uma questão genuinamente científica”, diz. “Mas ainda precisa de ser comprovado.”

ZAP // BBC

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