Zhao & Smalyukh / Nature Materials

Cristal de tempo desenvolvido na CU Boulder, visto ao microscópio.
“Tudo nasce do nada. Basta acender a luz”. Não é a primeira vez que se cria um cristal do tempo, mas esta é a primeira versão que pode ser observada diretamente, o que abre caminho a diversas aplicações tecnológicas.
Imagine um relógio sem eletricidade, cujos ponteiros e engrenagens giram sozinhos por toda a eternidade.
Num estudo recente, físicos da Universidade do Colorado, em Boulder (CU Boulder), usaram cristais líquidos, os mesmos materiais presentes nos ecrãs dos telemóveis, para criar algo muito próximo desse conceito.
O resultado do estudo, publicado na quinta-feira na Nature Materials, é um novo exemplo de “cristal temporal”, uma fase curiosa da matéria em que os seus constituintes, como átomos ou partículas, permanecem em movimento constante.
Não é a primeira vez que se cria um cristal do tempo, mas esta é a primeira versão que pode ser observada diretamente, o que abre caminho a diversas aplicações tecnológicas.
“Podem ser vistos ao microscópio e até, em condições especiais, a olho nu”, explicou Hanqing Zhao, investigador do Departamento de Física da CU Boulder e primeiro autor do estudo, em comunicado da universidade.
Na experiência, os investigadores criaram células de vidro cheias de cristais líquidos — moléculas em forma de bastão que se comportam parcialmente como sólidos e parcialmente como líquidos.
Em determinadas circunstâncias, quando iluminados, estes cristais começam a rodopiar e a mover-se segundo padrões que se repetem no tempo.
Ao microscópio, estes cristais líquidos lembram listas psicadélicas de tigre e conseguem manter o movimento durante horas, como um relógio em rotação eterna.
“Tudo nasce do nada. Basta acender a luz e surge este mundo de cristais temporais”, diz o professor de Física Ivan Smalyukh, investigador do Renewable and Sustainable Energy Institute (RASEI) e autor principal do estudo.
Cristais no espaço e no tempo
A ideia de cristais do tempo, proposta em 2012 pelo Nobel da Física Frank Wilczek, podem soar a ficção científica, mas inspiram-se nos cristais que existem na natureza, como o diamante ou o sal.
Os cristais tradicionais podem ser entendidos como “cristais espaciais”: os átomos de carbono num diamante, por exemplo, organizam-se numa grelha sólida difícil de quebrar.
Wilczek questionou-se se seria possível criar uma estrutura semelhante, mas organizada no tempo em vez do espaço. Nesse estado, mesmo em repouso, os átomos não ficariam estáticos; mover-se-iam ciclicamente, como uma imagem animada que se repete infinitamente.
Embora o conceito original se tenha revelado impossível de concretizar, nos últimos anos os cientistas conseguiram aproximar-se bastante.
Em 2021, uma equipa recorreu ao computador quântico Sycamore, da Google, para criar uma rede especial de átomos que, ao serem estimulados com laser, apresentaram flutuações repetidas vezes sem conta.
No novo estudo, Zhao e Smalyukh tentaram alcançar o mesmo efeito com cristais líquidos. Segundo Smalyukh, ao aplicar pressão nestas moléculas, estas juntam-se tão fortemente que criam dobras ou “torções”, que podem mover-se e comportar-se como partículas atómicas.
“Estas torções não desaparecem facilmente. Agem como partículas e começam a interagir entre si”, explica o investigador.
A equipa colocou a solução de cristais líquidos entre duas lâminas de vidro revestidas com moléculas corantes. Sem estímulo, o sistema permanecia quase imóvel. Mas quando iluminado com um certo tipo de luz, os corantes mudavam de orientação e comprimiam os cristais líquidos.
Nesse processo, formavam-se milhares de novas torções, que interagiam em padrões complexos, lembrando pares de dançarinos num baile de um romance de Jane Austen: juntam-se, separam-se, giram e voltam a começar.
Estes padrões temporais revelaram-se difíceis de destruir, mesmo após fazer variar a temperatura, o movimento persistia. “É essa a beleza deste cristal temporal”, sublinhau Smalyukh. “Criam-se condições relativamente simples, acende-se a luz e o fenómeno acontece.”
Estes cristais temporais podem ter várias aplicações práticas. Poderiam, por exemplo, ser usados em notas de banco para dificultar falsificações:bastaria iluminar a “marca temporal” para revelar o padrão.
Ao sobrepor diferentes cristais temporais, seria possível gerar padrões ainda mais complexos e até armazenar enormes quantidades de informação digital.
“Não queremos pôr limites às aplicações neste momento. Há oportunidades para levar esta tecnologia em múltiplas direções“, conclui Smalyukh.