Navalny: crítico, extremista, mártir, resistente, sobrevivente. Mais 19 anos de prisão

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// DR; Mitya Aleshkovsky / Flickr

Um tribunal russo condenou esta sexta-feira o opositor do regime Alexei Navalny a 19 anos de prisão por “extremismo”, a sua terceira e mais longa pena de prisão.

O principal opositor russo, Alexei Navalny, que sobreviveu a um envenenamento em 2020 pelo qual responsabilizou o Kremlin e que está detido desde 2021, foi esta sexta-feira condenado a mais 19 anos de prisão por “extremismo”.

Condenado em 2022 a nove anos de prisão por fraude num processo que classificou como vingança política, Navalny estava desde junho a ser julgado à porta fechada por “extremismo“, no estabelecimento penitenciário IK-6 de Melekhovo, situado a 250 quilómetros a leste de Moscovo, onde se encontra a cumprir pena.

O opositor russo era desta vez acusado de ter criado uma “organização extremista”. O grupo que fundou, o Fundo Anticorrupção (FBK), já tinha sido encerrado pelas autoridades russas em 2021 por “extremismo”.

A sentença hoje conhecida é a sua terceira e mais longa pena de prisão, na sequência de um novo processo no qual o opositor estava a ser julgado desde junho à porta fechada.

A pena deverá ser cumprida numa nova colónia prisional com condições particularmente difíceis. Na véspera da leitura da sentença, o opositor tinha afirmado esperar uma pena “longa, estaliniana”.

Numa mensagem divulgada na sua página da rede social Facebook pela sua equipa de defesa, Navalny exortou os russos a continuarem a “resistir” ao regime.

O irregular percurso político de Alexei Navalny, definido como o principal crítico do Kremlin e do Presidente Vladimir Putin, permitiu-lhe alcançar notoriedade quando se concentrou no combate à corrupção nos círculos do poder.

Ao contrário de muitos opositores, forçados ao exílio após as medidas repressivas da liderança do Kremlin após a designação de Vladimir Putin em 2000, Navalny, hoje com 47 anos, decidiu permanecer em Moscovo com a mulher e os dois filhos. A avalanche de processos, penas de prisão, residência fixa ou multas, também aplicadas a muitos colaboradores, não o dissuadiram.

Considerado um bom orador e com carisma, foi descrito como ambicioso e autoritário. Mas os anos de ativismo terão alterado a sua atitude.

Em 2003, o jovem advogado juntou-se ao partido Labloko, uma formação liberal da década de 1990 hoje quase extinta. Seria expulso em 2007, devido a fricções internas pelo poder e pelas suas posições consideradas nacionalistas e violentas.

Na década de 2000, e dirigente do pequeno grupo Narod (O Povo), participou na Marcha Russa, um desfile que juntou todos os movimentos ultranacionalistas. Nos seus discursos públicos, atacou os imigrantes, os caucasianos, apoiou a intervenção militar russa na Geórgia em 2008 e afirmou-se defensor dos interesses do “povo russo”.

Estas posições ostracizaram-no durante vários anos entre diversos dirigentes da oposição, incluindo em 2011 e 2021, quando se impõe durante as manifestações que denunciam fraudes eleitorais.

A viragem surge após uma passagem, em 2010, pela Universidade Yale de New Haven, nos Estados Unidos. Navalny muda de posição e impõe-se nos protestos, ao considerar a Rússia Unida de Putin um partido de “escroques e ladrões”, uma palavra de ordem que passa a dominar os protestos.

Este percurso permite-lhe afirmar-se como o líder da oposição, face a concorrentes com audiências muito reduzidas. Assim, prescinde de apresentar um programa político e centra-se em duas frentes: o combate à corrupção – uma prática já corrente na anterior Presidência de Boris Ieltsin – e a defesa de eleições livres e justas.

No início dos anos 2000, o jovem advogado e antigo conselheiro de um governador denuncia num blogue e depois num site designado Rospil (abreviatura que indica “pilhagem da Rússia”) evasões fiscais, desvios de dinheiro, irregularidades financeiras.

Esta atividade permite-lhe revelar diversos escândalos (empresa Transneft, banco público VTB, Aeroflot) e a “pilhagem dos recursos e da riqueza nacional”. Os inquéritos, bem documentados e que revelam corrupção massiva ao mais alto nível, inquietam o Kremlin.

Navalny decide elevar a fasquia ao fundar em 2011 o Fundo de Luta Contra a Corrupção (FBK), que se destaca de início numa investigação relacionada com Dmitri Medvedev, antigo Presidente e primeiro-ministro e um delfim de Putin.

Nesta fase, começa a ser designado de “Julian Assange russo”. Foi autorizado a apresentar-se às eleições municipais de Moscovo em 2013 (obtém uns significativos 27% dos votos), mas impedido de concorrer às presidenciais de 2018, apesar de a campanha mobilizar 200.000 ativistas em cerca de 100 delegações por todo o país.

É neste período que emite um apelo ao “voto inteligente”, ao pedir aos seus apoiantes para votarem nos candidatos da oposição parlamentar mais bem colocados para derrotarem o partido Rússia Unida de Putin.

O Partido Comunista da Federação da Rússia (KPRF) e os nacionalistas do Partido Liberal-Democrata da Rússia (LDPR) são os principais beneficiários desta estratégia.

Os vídeos do FBK totalizam mais de 140 milhões de visualizações no YouTube, com destaque para o filme-inquérito “O Palácio de Putin”, com considerável impacto – e emitido em 19 de janeiro passado já com Navanly detido – e com a sua conta de partilha de vídeos YouTube a garantir mais de quatro milhões de subscritores.

O líder do Kremlin foi forçado a desmentir pessoalmente as alegações de corrupção inseridas na película.

A situação precipitou-se após o opositor ter acusado o Presidente russo de ordenar o seu envenenamento com um agente neurotóxico do tipo Novitchok em agosto de 2020.

Após longa convalescença na Alemanha, regressou à Rússia em meados de janeiro passado, de imediato detido e condenado a dois anos e meio de prisão num caso de fraude ocorrido em 2014 e que denuncia como politicamente motivado.

Um processo que originou importantes protestos em várias cidades da Rússia, e novas sanções ocidentais.

Detido na colónia penal IK-2 na região de Vladimir, 85 quilómetros a leste da capital russa, o crítico do Kremlin anunciou em 31 de março de 2021 uma greve de fome em protesto contra as suas condições de detenção, acusando a administração penitenciária de lhe recusar cuidados de saúde e de “tortura” por privação do sono.

Seria então hospitalizado devido à deterioração do seu estado de saúde.

Em paralelo, o procurador russo pediu a um tribunal moscovita que diversas organizações do opositor – incluindo o FBK definido desde 2019 como um “agente estrangeiro” e as delegações regionais do opositor –, sejam declaradas “extremistas” e em consequência proibidas.

Na Rússia, o seu nome entra na lista de “terroristas e extremistas”.

Apesar de nunca ter constituído uma ameaça séria para o regime, pelo facto de a sua popularidade ainda ser limitada, Navalny permaneceu o último opositor de envergadura a Vladimir Putin.

No entanto, as manifestações de janeiro de 2021 organizadas pelos seus apoiantes acolheram 22% de opiniões favoráveis, enquanto o Centro Levada, reputado pela independência das sondagens, indicava que a sua popularidade estagnava nos 20%, longe dos 64% de opiniões favoráveis ao Presidente russo.

Em 20 de outubro de 2021, o opositor recebe o Prémio Sakharov para a Liberdade de Pensamento, atribuído pelo Parlamento Europeu.

“Alexei Navalny é o vencedor deste ano do Prémio Sakharov. Lutou incansavelmente contra a corrupção do regime de Vladimir Putin. Isso custou-lhe a sua liberdade e quase a vida. O prémio de hoje é um reconhecimento da sua imensa coragem e reiteramos o pedido da sua libertação imediata”, escreveu na altura no Twitter o presidente do Parlamento Europeu, David Sassoli.

Acusado e julgado por “fraude” e “desrespeito ao tribunal”, é condenado em 22 de março de 2022 a nove anos de prisão e transferido para um estabelecimento prisional a 250 quilómetros a leste de Moscovo, de onde continuou a denunciar e criticar a invasão russa da Ucrânia.

Até à nova sentença hoje pronunciada, e com mudança de centro penitenciário.

ZAP // Lusa

5 Comments

  1. Viva o regime democrático e de expressão livre de Putin. E por aqui há quem o defenda. Nomeadamente os comunistas. Pensem bem nisso antes de votar da próxima vez. Os comunistas portugueses defendem abertamente a Rússia de Putin e a sua agressão criminosa e bárbara à Ucrânia.

  2. Sinceramente , até me custa acreditar que este opositor Politico , ainda esteja en Vida ! ……. Ao ainda estar , este deve ser o Prisioneiro Politico de estimação de Putin . Na generalidade , não se ouve mais falar de opositores Políticos quando presos , evaporam-se !

  3. Ó atento, desatento,… Uma regra de ouro dos tiranos é não criar mártires. Se o matassem , criariam um mártir. Deixando-o preso, cairá no esquecimento. As pessoas vão vivendo as suas vidas e esquecem-se dele. Felizmente, a contestação a Putin é muito grande e mais tarde ou mais cedo será pendurado pelo pescoço.

  4. Tiago desatento : . …… se estive-se “atento” ao texto que escrevi e que não passa de uma interrogação pessoal e uma evidencia no que diz respeito ao rumo que é dado aos opositores Políticos ; e quando digo que Navalny pode ser o Prisioneiro Politico de estimação de Putin ; vem o Sr. Tiago com a mesma conclusão , dito de outra forma , certo , mas da mesma opinião , que Eu proprio ! . Bem haja !

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