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Não é só Cuomo. Já há anos que se proclama “Me Too” pelos corredores políticos dos EUA

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Andrew Cuomo, governador de Nova Iorque

O caso do governador de Nova Iorque colocou novamente o problema do assédio em discussão. Mas Cuomo não está sozinho – entre juízes, ex-presidentes ou congressistas, já vários políticos dos EUA foram acusados de má conduta sexual.

O inquérito foi conhecido na terça-feira e Andrew Cuomo não ficou bem na fotografia. Segundo o relatório da investigação de cinco meses, o governador de Nova Iorque assediou sexualmente várias mulheres no local de trabalho com beijos, apalpões e abraços sem consentimento e com comentários impróprios.

“Estas 11 mulheres estavam num ambiente de trabalho tóxico e hostil. Devíamos acreditar nestas mulheres. O que esta investigação revelou foi um padrão perturbador de comportamentos do governador do grande estado de Nova Iorque”, afirmou a procuradora-geral de Nova Iorque, Letitia James, que pertence ao Partido Democrata, tal como Cuomo.

O relatório de 69 páginas foi concluído após cinco meses de investigação com “entrevistas a 179 pessoas e a obtenção de 74.000 provas”, e tem descrições detalhadas dos alegados comportamentos “perturbadores, humilhantes, incómodos e inapropriados” de Cuomo.

Uma das alegadas vítimas, identificada como “Assistente Executiva 1”, revelou que Cuomo lhe apalpou o rabo enquanto a abraçava e tirava uma foto, pode ler-se na CNN. O relatório também detalha uma acusação de que o governador lhe terá apalpado o peito por baixo da blusa sem consentimento.

O relatório vem corroborar as acusações dos comportamentos apropriados de Cuomo que já são conhecidas desde Março. Na altura, uma assessora chamada Alyssa McGrath afirmou que o governador fez comentários sobre a sua roupa, tentou namoriscar com ela em italiano e fez-lhe perguntas sobre o estado do seu divórcio.

Em Março, já várias figuras políticas de Nova Iorque apelaram à demissão de Cuomo. Os Democratas Chuck Schumer e Kirsten Gillibrand, os dois senadores do estado, fizeram um comunicado onde referem que Cuomo “perdeu a confiança dos parceiros de governação e das pessoas de Nova Iorque” depois das “múltiplas alegações credíveis”, cita a ABC.

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O líder da maioria Democrata do Senado, Chuck Schumer, é uma figura de peso no Partido Democrata que retirou o apoio a Cuomo

Os representantes Alexandria Ocasio-Cortez e Jamaal Bowman apelidaram as acusações de “preocupantes” e juntaram também o caso do encobrimento de dados sobre as mortes por covid-19 nos lares de Nova Iorque à lista das razões para a demissão de Cuomo.

Outros membros da política nova-iorquina como Grace Meng, Mondaire Jones, Jerry Nadler, Adriano Espaillat, Nydia Velazquez, Carolyn Maloney, Yvette Clark, Antonio Delgado e Kathleen Rice também pediram logo que o governador fosse afastado do poder.

Depois da divulgação do relatório, até o presidente defendeu publicamente a demissão de Cuomo. “Penso que deveria renunciar [ao cargo]”, afirmou Joe Biden durante uma conferência de imprensa na Casa Branca. Quando as primeiras alegações foram conhecidas em Março, Biden já tinha defendido o afastamento de Cuomo caso a investigação o considerasse culpado.

Questionado sobre se deve ser aberto um processo de destituição caso o governador se recuse a demitir-se – algo que parece provável -, Biden respondeu: “Sei de certeza que a legislatura estadual pode avançar com o processo de destituição”.

E vai mesmo. Pouco tempo depois da reacção de Biden, o presidente da Assembleia de Nova Iorque, o também Democrata Carl Heastie, anunciou que a câmara quer concluir rapidamente um inquérito de destituição ao governador. Segundo uma contagem da AP, a maioria dos membros da Assembleia apoia a destituição de Cuomo.

Este anúncio vem depois de Charlotte Bennett, uma ex-assessora cujas acusações foram provadas, ter apelado a que a Assembleia destitua Cuomo o mais rápido possível. “Temos um relatório. Temos os factos. E se ele não está disposto a demitir-se então temos a responsabilidade de agir e destituí-lo”, afirmou à CBS.

Andrew Cuomo reiterou a sua inocência numa resposta ao relatório e mostrou-se especialmente incomodado com a queixa de Bennett. “Nunca toquei em ninguém de forma inapropriada ou fiz avanços sexuais inapropriados. Tenho 63 anos. Vivi toda a minha vida adulta de forma pública. Esse não sou eu, nunca fui eu. Os factos são muito diferentes daquilo que está a ser retratado.”

Estas acusações devem ditar o fim da carreira política de Cuomo, depois de ser abandonado pelo próprio partido e perdido a confiança de figuras importantes como Joe Biden ou Nancy Pelosi. Uma sondagem apurou que 59% dos nova-iorquinos, incluindo 52% dos Democratas, acham que o governador deve demitir-se.

Mas a verdade é que este caso não é único, e já há muitos anos que são feitas acusações de assédio sexual a políticos norte-americanos.

Bill Clinton

Já vários presidentes norte-americanos foram acusados de comportamentos inapropriados com mulheres. O escândalo sexual com Monica Lewinsky quase ditou o fim da carreira de Bill Clinton, mas o ex-presidente foi acusado quatro vezes de assédio ou violação.

Juanita Broaddrick afirmou em 1999 que Bill Clinton a violou em 1978, enquanto era procurador-geral do Arkansas. Na altura, Broaddrick tinha 35 anos e trabalhava num lar que Clinton visitou durante a campanha. O então procurador convidou-a a participar numa viagem até Little Rock e os dois combinaram encontrarem-se num café.

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O ex-presidente dos EUA, Bill Clinton

Clinton terá ido ao hotel onde Juanita Broaddrick estava e pedido para ir ao quarto dela, onde alegadamente a violou com violência. “Ele não tinha remorso nenhum e agiu como se fosse uma coisa normal”, acusou, em declarações ao Buzzfeed.

Katheleen Willey é outra acusadora, que revelou em 1998 que Clinton a beijou, apalpou o peito e a obrigou a tocar nas suas virilhas durante uma reunião na Casa Branca em 1993, onde era uma voluntária. O presidente negou as acusações.

Uma ex-funcionária estadual do Arkansas alega que em 1991 um polícia a levou até ao quarto de hotel de Clinton em Little Rock e que o ex-presidente lhe mostrou os seus genitais e propôs fazer sexo com ela. Paula Jones acabou por processar Clinton por assédio sexual, que lhe pagou 850 mil dólares num acordo extra-judicial.

Leslie Millwee, uma antiga apresentadora de televisão, acusou Bill Clinton de assédio em 2016. Os incidentes terão ocorrido em 1980, quando Millwee trabalhava numa televisão local no Arkansas, e Clinton alegadamente apalpou-a e fez comentários degradantes.

Al Franken

Em 2017, a comediante Leeann Tweeden acusou o então Senador Democrata do Minnesota de a beijar sem consentimento durante um ensaio e de tirar uma foto a apalpá-la enquanto esta dormia durante uma tour de comédia em 2006 em que ambos participaram.

Franken pediu desculpa. “Não sei o que me passou pela cabeça quando tirei aquela foto e isso não interessa. Não há desculpa. Olho para aquilo agora e tenho nojo de mim próprio. Não tem piada. É completamente inapropriado”, afirmou num comunicado. O Senador acabou por se demitir algumas semanas depois do escândalo.

Donald Trump

Donald Trump conta também com 26 acusações de má conduta sexual. Jessica Leeds revelou ao New York Times em 2016 que Trump teria colocado a mão debaixo da sua saia e apalpado enquanto estava sentado ao lado dela numa viagem de avião nos anos 70.

Na deposição do divórcio em 1990, a primeira mulher de Trump, Ivana, acusou-o de a violar em 1989. Kristin Anderson, uma fotógrafa e antiga modelo, alega que Trump tocou na sua vagina através da sua roupa interior numa discoteca em Nova Iorque nos anos 90.

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Donald Trump, ex-Presidente dos Estados Unidos

A empresária Jill Harth, que trabalhou com Donald Trump nos anos 90, também revelou ao The Guardian em 2016 que ele a terá empurrado contra uma parede, colocado a mão por baixo da sua saia e tentado beijá-la num jantar.

Durante a campanha eleitoral de 2016, o candidato republicano foi negando as acusações. O advogado de Trump, Michael Cohen, afirmou também em 2015 que Trump não violou Ivana porque “não é possível violar a sua esposa“.

Roy Moore

Nos finais de 2017, Roy Moore, o então candidato Republicano para um lugar no Senado no Alabama, foi acusado por cinco mulheres de ter feito avanços sexuais quando estas eram adolescentes e Moore estava na casa dos trinta anos. Uma das mulheres chegou mesmo a acusá-lo de ter tido contactos sexuais quando ela tinha 14 anos.

Vários Republicanos, incluindo Mitch McConnell – o líder da maioria Republicana no Senado na altura – queriam que Moore abandonasse a corrida, mas o candidato negou as alegações e disse serem parte de uma conspiração. Trump apoiou a candidatura de Moore, mas Doug Jones levou a melhor e tornou-se o primeiro Democrata a ser Senador pelo Alabama desde 1992.

Joe Biden

Segundo a Business Insider, Joe Biden já foi acusado 10 vezes de comportamentos inapropriados, alguns incluindo crianças. A acusação mais grave foi feita por Tara Reade, uma ex-trabalhadora do escritório do então Senador do Delaware, que alegou em 2020 que Biden a penetrou com os dedos em 1993. O actual presidente negou as acusações.

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O novo Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden

Lucy Flores, uma Democrata do Nevada, escreveu um texto para o The Cut em 2019 onde descreve um incidente em 2014 em que Biden terá aparecido nas suas costas, colocado as mãos nos seus ombros, cheirado o seu cabelo e beijado a sua cabeça.

A activista progressista Sofie Karasek revelou ao Washington Post em 2019 que uma interacção em que Biden lhe deu a mão e tocou na testa três anos antes a tinha deixado desconfortável e que sentiu que o seu espaço pessoal foi violado.

Biden respondeu de forma geral às acusações de violar o espaço das mulheres e as deixar desconfortáveis num vídeo publicado no Twitter em 2019.

Eric Schneiderman

O caso de Cuomo não é o primeiro a abalar a política local de Nova Iorque. Em 2018, o então procurador-geral do estado demitiu-se depois de uma peça da The New Yorker ter revelado as alegações de quatro mulheres de que Eric Schneiderman tinha sido fisicamente violento com elas, incluindo tentativas de as sufocar.

Schneiderman negou as acusações, mas várias figuras do seu partido, os Democratas, apelaram à sua demissão, incluindo Andrew Cuomo.

“A minha opinião é que, dado o padrão condenatório dos factos e a corroboração feita neste artigo, não acredito que é possível para o Eric Schneiderman continuar no cargo de procurador-geral”, disse Cuomo na altura.

Brett Kavanaugh

Um dos casos mais mediáticos foi o de Brett Kavanaugh. O magistrado Republicano foi escolhido por Trump para o Supremo Tribunal em 2018, e pouco tempo depois foi acusado por três mulheres de má conduta sexual.

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O magistrado conservador Brett Kavanaugh

A acusação mais falada foi de Christine Blasey Ford, que alega que Kavanaugh a agrediu sexualmente quando ela tinha 15 anos numa festa nos subúrbios nos anos 80 e que temeu que ele a violasse. Ford foi depois ouvida pelo Senado antes da confirmação de Kavanaugh como juiz.

Brett Kavanaugh negou categoricamente as acusações e acabou por ser confirmado como o novo membro do Supremo Tribunal por uma das margens mais pequenas de sempre.

Adriana Peixoto, ZAP //

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