A Assembleia Municipal de Setúbal chumbou, esta terça-feira, duas moções de censura ao executivo camarário apresentadas pelo PS e pelo PSD, em protesto contra a receção de refugiados ucranianos por cidadãos russos com alegadas ligações ao Kremlin.
A moção do PSD pedia a demissão do presidente da Câmara de Setúbal, André Martins (CDU), enquanto a moção do PS visava apenas a censura da gestão autárquica e não apenas na questão da receção aos refugiados ucranianos, mas foram ambas rejeitadas.
Mesmo que tivessem sido aprovadas, as moções de censura aprovadas em Assembleia Municipal não têm caráter vinculativo, funcionam apenas como um ato de censura política ao executivo camarário.
Uma outra proposta anunciada previamente pelo PS, para a criação de uma Comissão de Fiscalização da Conduta da Câmara Municipal, também não foi viabilizada na reunião desta terça-feira, mas os socialistas já asseguraram o apoio do PSD, IL e Chega para a realização de uma Assembleia Municipal Extraordinária, para discussão e votação da referida comissão.
“Houve um consenso alargado em toda a oposição para fazer a tal comissão eventual, que o PS propôs, e vai haver uma assembleia para criar uma comissão eventual para acompanhamento e fiscalização de todo este processo”, disse à agência Lusa o deputado municipal e presidente da concelhia do PS de Setúbal, Paulo Lopes.
Também em declarações à Lusa, o deputado social-democrata Nuno Carvalho, e eleito da Assembleia Municipal, salientou que a moção de censura do PSD “era a única que, verdadeiramente, pedia a demissão do presidente do município”.
“Percebemos, com clareza, que há partidos que não acompanham esse mesmo pedido de demissão. Da parte da CDU não surpreende; da parte do Partido Socialista surpreende”, disse Nuno Carvalho.
“A única ilação, e talvez aquela mais clara que se pode tirar, é que o governo do Partido Socialista também tem responsabilidade neste processo. Tem responsabilidade porque já conseguimos entender que há instituições na dependência do Governo, como é o caso do IEFP, que também utilizaram a mesma associação, em condições muito semelhantes, já depois de 24 de fevereiro, data em que começou a invasão da Ucrânia pela Rússia”, acrescentou Nuno Carvalho.
Para João Afonso, que lidera a bancada da CDU na Assembleia Municipal de Setúbal, as duas moções de censura “não tinham condições para serem aprovadas”, uma vez que “não existe nada a condenar no trabalho do executivo camarário”.
João Afonso admite, no entanto, que a CDU poderá viabilizar a criação da comissão de fiscalização que o PS propõe criar numa próxima Assembleia Municipal Extraordinária.
“É diferente [o presidente da Câmara Municipal] prestar declarações sobre matérias que estão num quadro de investigação, a pedido da Câmara, num órgão público com a dimensão e expressão de uma Assembleia Municipal, do que numa comissão, onde, pelo caráter mais reservado das próprias reuniões, podem ser dadas algumas explicações, até com um pedido de reserva, de forma a não importunar o funcionamento das investigações”, justificou João Afonso.
A Câmara de Setúbal e a Linha de Apoio Municipal aos Refugiados (LIMAR), bem como a Associação dos Emigrantes de Leste (Edinstvo) foram alvo de buscas da Polícia Judiciaria, no âmbito de um inquérito dirigido pelo DIAP (Departamento de Investigação e Ação Penal) da Comarca de Setúbal.
A investigação pretende apurar se houve a prática de crimes de “utilização de dados de forma incompatível com a finalidade da recolha, acesso indevido e desvio de dados, previstos na Lei de Proteção de Dados Pessoais”.
De acordo com o Expresso, o cidadão russo Igor Khashin, membro da Associação dos Emigrantes de Leste (Edinstvo) e do Conselho de Coordenação dos Compatriotas Russos, e a mulher, Yulia Khashina, também da Edinstvo e funcionária do município, terão fotocopiado documentos e questionado os refugiados sobre o paradeiro de familiares na Ucrânia.
Setúbal é “caso isolado”
O presidente da Associação Centro Social e Cultural Luso-Ucraniano afirmou, esta terça-feira, durante uma audição parlamentar, que o que se passou em Setúbal com refugiados é “um caso isolado“, mas revela “falta de bom senso e respeito”.
Abraão Veloso, presidente da Ucrânia-Portugal-Europa-Associação Centro Social e Cultural Luso-Ucraniano, esteve presente numa audição na comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias a propósito do caso do acolhimento de refugiados, alegadamente, por apoiantes do regime russo.
O dirigente explicou que, desde que a associação foi criada em 2014, “foram alertados para pessoas infiltradas que, sendo ucranianas, pertenciam aos separatistas” e eram seguidores do regime de Putin.
“Para mim, era absolutamente impensável uma situação destas“, sublinhou, acrescentando, contudo, que “não é uma situação que vai desgastar o acolhimento de ucranianos” em Portugal.
Para Abraão Veloso, organizações a favor do regime de Putin “têm todo o direito de existir, mas se têm uma influência russa muito forte não podem ser reconhecidas como interlocutoras” da comunidade ucraniana em Portugal.
Questionado pelos deputados, o presidente do Associação Centro Social e Cultural Luso-Ucraniano disse que a comunidade ucraniana “está bem integrada” no distrito de Braga, a ponto de várias entidades lhes pedirem colaboradores no atual contexto de acolhimento de refugiados do conflito entre a Ucrânia e a Rússia.
“Temos falantes da língua ucraniana e isso é uma mais-valia, porque uma das principais barreiras para quem chega é a língua”, explicou.
Em Braga, a associação trabalha em parceria com a sociedade civil e com os municípios, dos quais o de Braga dispõe de mediadores interculturais para facilitar o acolhimento de cidadãos ucranianos.
ZAP // Lusa
Toda a gente fala em alegadas ligações mas ainda não provaram nada. Não deviam começar por aí?