O incêndio na catedral de Notre-Dame de Paris, que começou cerca das 18:50 locais, atingiu toda a estrutura do edifício, segundo o porta-voz do monumento, André Finot. Cerca de uma hora depois de ter começado o incêndio, a torre de Notre-Dame desmoronou-se.
Segundo nota divulgada cerca das 23 horas locais pelo ministério do Interior francês, a estrutura principal da catedral de Notre-Dame está a salvo, bem como a fachada e as duas torres frontais, mas dois terços do telhado, o interior do edifício e o icónico pináculo central ficaram completamente destruídos.
Três das quatro rosáceas da Catedral explodiram com o calor, tendo apenas sobrevivido a rosácea da fachada norte. Dezasseis estátuas de bronze, que foram retiradas antes das obras de reabilitação terem tido início, bem como as principais relíquias e mais importantes obras de arte, foram salvas das chamas.
O incêndio “deixa marcas naquilo que é a identidade artística da civilização europeia”, disse à Lusa o historiador Marco Daniel Duarte, um dos coordenadores do projeto Rota das Catedrais, do Ministério da Cultura.
“O fogo na Catedral de Notre-Dame deixa marcas naquilo que é a identidade artística da civilização europeia. A Europa tem matrizes que vêm da Grécia e de Roma, mas sabemos que se constrói, fundamentalmente, a partir da Idade Média“, explica.
“Na Idade Média as catedrais são o edifício por excelência da identidade europeia, Notre-Dame simboliza tudo isto”, disse o diretor do Museu do Santuário de Fátima.
“Ao arderem aqueles pináculos é toda uma civilização que está a arder, e que se confronta com a sua própria identidade, que neste momento sofre”, disse Marco Daniel Duarte, membro da Sociedade Científica da Universidade Católica Portuguesa, que afirmou que lhe custa falar perante tanta “devastação”.
“Toda a cultura da catedral – que significa não apenas a parte religiosa, enquanto sede episcopal, mas também como centro da cidade que se desenvolve à sua volta, a catedral estava na Idade Média no centro da cidade -, é uma grande metáfora daquilo que é a civilização europeia”, afirmou.
“Para além dos pináculos que vêm abaixo, dos vitrais que se partem, das abóbadas desmoronadas, das gárgulas, há todo um património imaterial que está associado aquilo que estamos a assistir”.
O investigador referiu ainda que o incêndio põe em causa alguns objetos devocionais, nomeadamente relíquias da “Paixão de Cristo” que são veneradas pelos católicos nesta altura do calendário religioso, nomeadamente uma parte da coroa de espinhos de Jesus Cristo.
O Presidente francês, Emmanuel Macron, que tinha um discurso à nação agendado para esta noite, centrado em medidas de revitalização económica, adiou a comunicação em consequência do incêndio.
“Notre-Dame de Paris consumida pelas chamas. Emoção de uma nação inteira. Pensada para todos os católicos e para todos os franceses. Como todos os nossos compatriotas, estou triste esta noite por ver a arder uma parte de nós”, escreveu Macron no Twitter, antes de se dirigir para o local.
Entre as primeiras mensagens de pesar e de solidariedade contam-se as do secretári-geral da ONU, António Guterres, dos presidentes dos Estados Unidos, Donald Trump, de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, e da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, bem como dos chefes de Governo da Alemanha, Angela Merkel, e de Espanha, Pedro Sanchéz.
Em Paris, ouve-se o hino nacional, hasteiam-se bandeiras francesas, e os bombeiros são aplaudidos. Mas a tristeza é ainda demasiado grande para ser transformada em palavras.
Iniciada no século XII, alterada ao longo dos séculos
A Catedral de Notre-Dame foi edificada em 1163, iniciou a função religiosa em 1182, embora os trabalhos de construção tenham prosseguido até 1345.
Os primeiros arquitetos foram Pierre de Montreuil e Jean de Chelles, mas a catedral, construída na Île de la Cité, continuou a ser acrescentada e alterada, ao gosto das épocas, ao longo dos séculos, para lá de 1345.
Em finais do século XVII, no reinado de Luís XIV, o templo foi alvo de alterações substanciais, com a destruição de alguns vitrais e a introdução de elementos da gramática do barroco.
No contexto da Revolução Francesa (1789), outros elementos da Catedral foram destruídos e alvo de roubos, nomeadamente, os seus tesouros artísticos.
Em 1844 a Catedral foi restaurada ao gosto da gramática do romantismo, sob a égide dos arquitetos Eugéne Viollet-le-Duc e Jean-Baptiste Lassus, mas, passados poucos anos, em 1871, foi novamente palco de turbulência social, tendo supostamente sido alvo de um incêndio.
Em 1965, as escavações realizadas levaram à descoberta de catacumbas romanas, uma catedral merovíngia do século VI e um bairro medieval. Em 1991, foi iniciado um projeto de restauro e conservação, com um prazo de dez anos, mas que não tinha sido ainda dado como terminado.
A catedral inspirou vários artistas plásticos, como Henri Matisse, e também escritores. Em 1831, Victor Hugo publicou o romance “Notre-Dame de Paris”, em que surge, entre outras personagens, Quasímodo, o corcunda de Notre-Dame, e a cigana Esmeralda, ficção mais tarde adaptada várias vezes ao cinema.
A primeira adaptação cinematográfica foi em 1923, por Wallace Worslei, e entre outras, destacam-se a de 1939, de William Dieterle, com Charles Laughton, a de 1956, por Jean Delannoy, com Gina Lollobrigida e Anthonny Quinn, e a de 1996, um filme de animação dos Estúdios Disney, e, em 1997 por Peter Medak, com Salma Hayek.
Desde o início de fevereiro até ao final de março, deste ano, mais de 10 igrejas em França foram alvo de ataques ou de pequenos incêndios.
A Igreja de Saint Sulpice, a segunda maior de Paris, depois de Notre-Dame, foi alvo de um ataque, no passado dia 17 de março, depois de a porta principal, em madeira, ter sido incendiada.
ZAP // Lusa
O que é que teria originado um incêndio desta proporção? Mistério!