As memórias de quem já cobriu 7 tiroteios

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São muitas recordações que assombram Jenny Deam, que já deixou de acreditar no “nunca mais”.

O massacre na Robb Elementary School, escola primária no Texas, nos Estados Unidos da América, actualizou um debate que tem anos: a facilidade de ter uma arma naquele país e, por consequência, a facilidade de surgimento de tiroteios.

A propósito, Jenny Deam, jornalista no ProPublica, partilhou as memórias que a “assombram” após ter relatado de perto sete tiroteios em massa, até agora.

Quase todos em escolas: Escola Secundária Columbine, Escola Secundária Platte Canyon, prédio em Virgínia, Escola Secundária Deer Creek, Cinema Aurora, Colégio Arapahoe e Colégio Santa Fé.

A primeira tragédia aconteceu há pouco mais de 23 anos. Em Abril de 1999, quando 12 alunos e um professor foram assassinados por dois adolescentes, na escola em Columbine, Colorado. A polícia também preferiu esperar no exterior, tal como aconteceu 23 anos depois. Nem uma placa (ignorada) fez mudar a postura dos agentes. A placa indicava: “A sangrar até à morte“. Ficou também na memória um jovem de 17 anos que, depois de ter sido baleado três vezes (duas na cabeça), arrastou-se em cima de vidros partidos durante 15 metros. Depois atirou-se da janela, do segundo andar.

Na altura surgiram as garantias de diferentes abordagens da polícia a situações semelhantes, de uma população mais atenta a estes casos e repetiu-se a expressão “nunca mais“.

“Um mito americano”, lamenta a jornalista, mais de duas décadas depois.

O desabafo prossegue: “Ao longo destes anos escrevi milhares de palavras sobre os tiroteios, tentando transmitir o enorme dano a um público que pensa que isso nunca poderia acontecer na sua comunidade. Nenhuma das minhas palavras chegou perto, sequer”.

“Carrego comigo os rostos e vozes angustiados, uma espécie de estilhaço pessoal que nunca pode ser retirado. Suspeito que todos os repórteres neste contexto sabem o que é isso”, lamenta.

Lembra-se do caso no Cinema Aurora (2012), onde atirador entrou e começou a disparar, perante uma sala de cinema cheia: “A esperança que eu tinha antes foi substituída por pavor”.

Deer Creek, local de novo tiroteio em escola (2010), foi o estabelecimento de ensino frequentado pelos três filhos de Jenny. Não naquele ano, mas no ano lectivo anterior e nos seguintes.

Arapahoe, 2013. O nome que lhe aparece logo na sua memória é o de Whitney, jovem de 15 anos que passou por dois tiroteios em três anos – Whitney estava em Deer Creek, em 2010.

Em Virginia Tech, um dos alunos baleados foi Colin. O seu pai, Andrew Goddard, enquanto estava ao lado do filho num quarto do hospital, via o atirador a brilhar na televisão montada acima da cama. Andrew fez um pacto silencioso com o universo naquele momento. O acordo foi: se Colin sobrevivesse, ele faria tudo o que pudesse para garantir que nenhum outro pai sentisse o que ele estava a sentir.

A jornalista enaltece o facto de a comunicação social ter dado menos atenção aos atiradores ao longo dos últimos anos. Admite que se tem centrado mais nas vítimas e, assim, os criminosos deixaram de ser tão “celebridades” – após uma campanha precisamente contra essa cobertura, no Cinema Aurora.

Mas também não defende que a cobertura das vítimas deva ser mais cruel, mais “visual”. “A realidade de mostrar os cadáveres tal como ficaram, para mostrar o que fazem as armas, seria horrível“.

Por fim: “Duas décadas depois, já deixei de ser ingénua. Já não acredito no “nunca mais“.

Nuno Teixeira da Silva, ZAP //

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