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Médicos mais jovens menos disponíveis para fazerem interrupções de gravidez

Doze anos após a entrada em vigor da lei que despenalizou a interrupção voluntária de gravidez (IVG) por opção da mulher, os médicos que asseguram as consultas e os procedimentos estão cada vez mais velhos e os mais jovens não parecem estar muito motivados para colaborar nesta tarefa.

“É difícil motivar os profissionais mais jovens” para esta área, lamentou Teresa Bombas, ex-presidente da Sociedade Portuguesa de Contracepção e especialista em ginecologista e obstetrícia, citada esta sexta-feira pelo Público.

No início – foi em 2007 que entrou em vigor a lei que despenalizou a IVG por opção das mulheres até às 10 semanas de gestação – era bem mais fácil organizar este trabalho.

“Vínhamos de um período em que os médicos viam quotidianamente pessoas em dificuldades e complicações” na sequência de abortos clandestinos, recordou Teresa Bombas, nomeada no início deste ano responsável por um grupo de trabalho que está a avaliar a organização dos serviços e a articulação entre os centros de saúde e os hospitais.

A especialista frisou, porém, que “o que se passa atualmente na IVG é transversal a outras áreas”, em que a falta de recursos humanos torna o trabalho mais complicado.

“Os médicos mais jovens não têm a mesma disponibilidade de uma maneira geral”, nesta área e noutras, corroborou Ana Campos, que ocupou vários cargos na Maternidade Alfredo da Costa, onde foi diretora clínica adjunta. Um dos problemas, enfatizou, é que não há valorização curricular para os internos (médicos que estão a fazer a especialidade) que ajudam as mulheres a interromper a gravidez.

A lei estipula que as mulheres devem passar, primeiro, por uma consulta, para se perceber se a decisão de interromper a gravidez é tomada de forma consciente e para esclarecer dúvidas. Segue-se um breve período de reflexão.

No Serviço Nacional de Saúde (SNS), o processo é quase sempre medicamentoso, mas, por falta de capacidade de resposta, há muitos casos que são enviados para o setor privado – basicamente para a Clínica dos Arcos, em Lisboa – e aqui quase todas as interrupções de gravidez são feitas de forma cirúrgica, com anestesia.

Não foi possível apurar quantos médicos se declaram atualmente objetores de consciência, uma vez que não existe uma base de dados oficial com este número. A Ordem dos Médicos (OM) diz que não sabe quantos são e que isso implicaria consultar os registos de todos os profissionais com intervenção nesta área (sobretudo especialistas em ginecologia e obstetrícia, mas também médicos de família). A OM estimou, porém, que em 2011 seriam cerca de 1300, num universo que rondava os cinco mil.

Já a Ordem dos Enfermeiros (estes colaboram, assegurando as consultas posteriores à IVG) adiantou que são 285 os profissionais objetores de consciência.

Mulher andou às voltas no Alentejo

No início deste mês, a Entidade Reguladora da Saúde deu razão a uma mulher que andou de um lado para o outro no Alentejo para acabar por optar abortar em Badajoz, pagando pela intervenção. A lei obriga a que as unidades de saúde assegurem o encaminhamento das mulheres, quando não têm capacidade de fazer a IVG, seja porque todos os médicos são objetores de consciência, seja porque não têm recursos para dar resposta.

A queixa da mulher, no Alentejo, seguiu-se a outras do mesmo género divulgadas pela ERS e que levaram a que, em setembro do ano passado, o Bloco de Esquerda (BE) decidisse fazer um levantamento exaustivo para perceber o que estava a acontecer no terreno.

As conclusões revelaram que 33 dos 55 agrupamentos dos centros de saúde assumiram que não faziam consultas prévias e dez hospitais indicaram que não faziam ou as consultas prévias ou as IVG propriamente ditas. Entre estes estavam, então (a situação pode ter mudado, entretanto), quatro hospitais de Lisboa.

No seguimento, o BE apresentou um projeto de resolução em que reclamava que fossem asseguradas consultas de acesso à IVG em todo os agrupamentos de centros de saúde. Agora que foi divulgada esta nova queixa, prepara-se para enviar um pedido de informação ao Ministério da Saúde para perceber o que foi feito desde então.

Há um ano, o BE detetou vários problemas de referenciação (encaminhamento), que, em alguns casos, levavam a que as mulheres tivessem de fazer “uma espécie de via sacra, ir a dois, três, quatro sítios diferentes”, como descreveu Moisés Ferreira.

O deputado bloquista defendeu que o Governo deveria instruir a Direcção-Geral da Saúde para que promovesse a publicação atualizada e permanente dos dados e dos locais onde se fazem as consultas prévias.

“Há uma rede de referenciação que por vezes não funciona”, admitiu Teresa Bombas, que adianta estar a fazer o mapeamento das consultas disponíveis por região e a estudar a “otimização” desta rede.

“O mapeamento é instável, aquilo que é verdade hoje pode deixar de ser verdade amanhã”, notou. Basta que num local passe a haver profissionais disponíveis para assegurar esta tarefa ou, ao invés, que os que o estão a fazer, se reformem. O trabalho está a ser feito e deverá ser apresentado no início do próximo ano. “O mapeamento vai permitir optimizar os recursos locais e criar um plano de trabalho adaptado a cada região”.

O Alentejo é a região onde os problemas são maiores. Aqui, atualmente, só o Hospital de Beja continua a assegurar as consultas prévias e as IVG’s. Nos hospitais de Évora e de Portalegre os médicos são todos objetores de consciência. Mas isto não obsta a que as mulheres sejam encaminhadas para unidades onde este direito é assegurado, precisou José Robalo, presidente da Administração Regional de Saúde do Alentejo.

O responsável garantiu que, numa reunião em abril, ficou decidido que “todas as senhoras que tenham necessidade serão referenciadas pelos centros de saúde para a direção clínica” e depois encaminhadas para hospitais em função da proximidade do seu local de residência.

Portalegre (Norte Alentejano), por exemplo, encaminha as utentes para Abrantes, enquanto o Litoral Alentejano – que não tem profissionais em número suficiente para assegurar a resposta – encaminha as residentes na parte Norte para Setúbal e as da região de Odemira para Portimão. “Ninguém pode descartar-se da responsabilidade de encaminhamento”, enfatizou.

As IVG por opção da mulher estão a diminuir em Portugal desde 2012 e atingiram o número mais baixo em 2017, segundo últimos dados disponíveis. Nesse ano, foram feitas 14 889 interrupções a pedido da mulher, um número que coloca Portugal abaixo da média europeia.

TP, ZAP //

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