Mandado de captura e com viagem marcada: até onde vai a imunidade de Putin?

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EPA/MIKHAEL KLIMENTYEV / SPUTNIK / KREMLIN

Vladimir Putin

A África do Sul convidou Putin para a cimeira dos BRICS, em agosto. E é suposto que ele compareça – apesar de existir um mandado de captura internacional contra ele. Como são possíveis ambas as coisas?

Ele já tem o convite. Para a cimeira dos cinco membros do BRICS, todos os chefes de Estado dos países participantes – China, Índia, Brasil, África do Sul e Rússia – receberam um. A informação foi avançada pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros sul-africano, Naledi Pandor. A cimeira deverá acontecer em agosto.

O que será apenas um registo na agenda de quatro chefes de Estado é altamente explosivo para o Presidente russo Vladimir Putin. É que ele teria de ser detido e extraditado se pusesse os pés em solo sul-africano. Em março, o Tribunal Penal Internacional (TPI) emitiu um mandado de captura contra Putin. E a África do Sul aderiu aos Estatutos de Roma, a base do tratado do TPI.

Isto significa que o país teria de extraditar Putin. No entanto, em declarações anteriores, os membros do governo invocaram a imunidade: todos os membros das conferências internacionais gozam de imunidade na África do Sul.

Imunidade restrita

Mas “as imunidades existem para tornar o direito internacional, para tornar as relações internacionais possíveis em primeiro lugar”, diz Christoph Safferling, director da Academia Internacional dos Princípios de Nuremberga e professor de Direito Penal e Internacional na Universidade de Erlangen-Nuremberga, na Alemanha. Afinal, os chefes de governo devem poder reunir-se sem receio de serem acusados pelos tribunais nacionais.

Mas a imunidade tem limites. Em várias decisões judiciais, o Tribunal Penal Internacional declarou que a imunidade, mesmo dos chefes de Estado em exercício, termina perante os tribunais internacionais. “Esta é a regra legal de acordo com o Estatuto, e não há exceção”, diz Safferling. Por outras palavras, mesmo as imunidades em conferências contra um presidente procurado por um mandado criminal internacional não seriam legalmente válidas.

E, isso, mesmo ao abrigo da lei sul-africana, porque já existe um precedente. Vladimir Putin é o segundo chefe de Estado em exercício contra o qual o TPI emitiu um mandado de captura. O primeiro foi o então presidente sudanês Omar al-Bashir. E este deslocou-se à África do Sul em 2015 para uma conferência.

Já nessa altura, a África do Sul deveria ter extraditado o ditador – em vez disso, ele conseguiu voar sem ser molestado numa operação noturna e no meio de um nevoeiro. “Depois disso, o Tribunal Constitucional da África do Sul decidiu que esse país devia tê-lo detido, que, em princípio, o governo tinha violado a sua própria lei, e esse princípio jurídico ainda se aplica atualmente. Ou seja, a não extradição de Putin violaria o direito internacional e o direito sul-africano”, afirma Kristoffer Burck, investigador do Instituto Leibniz, da Fundação Hessiana para a Investigação da Paz e Conflitos (HSFK), na Alemanha.

Putin é bem-vindo como convidado?

O que é que vai acontecer? É possível que Putin ainda possa estar presente na África do Sul? Teoricamente, sim, porque o TPI tem poucos poderes sancionatórios. “Poderiam emitir uma reprimenda e salientar que este mandado existe e tem de ser executado e, em seguida, apontar claramente a falha da África do Sul. Mas, no final do dia, é só isso”, diz Safferling. Porque, ao contrário dos países, o TPI não tem uma força policial que aplique a lei existente.

Por isso, o tribunal penal depende dos Estados que subscreveram o estatuto para o respeitarem. “Quem não o fizer e não ajudar na implementação enfraquece o Tribunal. Isso é muito claro, porque nesse caso o mandado não valeria sequer o pedaço de papel em que está escrito. Isso seria um enfraquecimento do Tribunal“, afirma Safferling.

Inicialmente, o mandado de detenção contra Putin foi concebido como um sinal forte. Mesmo um político tão poderoso como Putin não deve sentir-se livre de ser processado em caso de dúvida, diz. O Tribunal Penal Internacional também fez isso para ser ouvido: “Estou aqui, posso fazer e quero fazer-me cumprir“, diz Safferling. E, para ele, o direito internacional também ganhou importância em termos globais.

Ao contrário do que aconteceu em 2015, quando al-Bashir viajou para a África do Sul, agora fala-se com antecedência, o mandado de captura é visto como algo sério. “Já não é fácil contornar a situação, agora existe mesmo um mandado de captura no caso. Atualmente, é sempre necessário incluir isso nas negociações diplomáticas. Já não é possível passar sem ele, o que é de facto uma boa notícia”.

Mas a avaliação de Burck não é tão otimista, pois teme que o mandado de captura contra um presidente em exercício tão proeminente possa tornar-se num boomerang negativo para o Tribunal Penal Internacional.

“O perigo é extremamente elevado: cria-se um caso em que uma pessoa é acusada, mas essa pessoa não é apanhada durante anos. De facto, se Putin não cometer nenhum erro, não será preso. Isto significa que haverá um caso em aberto durante anos e décadas. Para a verdadeira função de um tribunal, que é fazer justiça através de julgamentos, isto é muito perigoso”.

Ainda não há muitos casos. Putin é apenas o segundo chefe de Estado em funções a ser procurado por um mandado de captura. O sucesso do TPI depende em grande medida dos seus Estados membros. “Tudo isto ainda precisa de tempo para assentar. O caso vai provavelmente manter-nos ocupados durante algum tempo”, diz Safferling.

ZAP // DW

6 Comments

  1. Somente uma questão, pouco ou muito pertinente:
    Afinal o TPI existe?
    Existiu um caso de um chefe de estado no passado, e o Tribunal Penal Internacional o que aconteceu ao país da África do Sul em termos práticos e mais este caso agora.
    Não ouve qualquer sansão? então estamos numa linha de fronteira em que assistimos impavidamente a terroristas sentados à mesma mesa de nogociações. Sem mais comentários.

  2. Qual a respeitabilidade que um país merece se aceita receber um criminoso de guerra com mandato internacional e não o aplica?

  3. “Os Estados Unidos usarão todos os meios necessários para proteger os seus cidadãos e os dos nossos aliados contra as acusações injustas desse tribunal ilegítimo(TPI)”, advertiu John Bolton, em 2018, quando estavam em causa alegados crimes de guerra cometidos no Afeganistão. Ou seja, a “respeitabilidade da justiça só vale conforme o interesse da cada um. Está respondida a sua questão?

    • O melhor mesmo é não te meteres nestes temas dado que não os consegues compreender. Uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Não mistures, dado que não percebes as evidentes (embora não para ti) diferenças.

    • Uma coisa é certa. Não sai do kremlin. Não vai a lado nenhum com medo. E até ontem, quando discursou no Kremlin, fez questão de deixar os convidados a uns bons 20 metros… não fosse algum ter ideias. O homem anda todo borrado de medo. Em compensação o Zelesnky vai a todo o lado, quando podia estar muito bem sossegadinho em Inglaterra ou nos EUA. É nestas coisas é que vê quem os tem no sítio.

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