Loucura, revoluções ou amor. As razões que levaram estes 10 monarcas a abdicar do trono

Carole Raddato / Wikimedia

Traições familiares, exaustão ou amor estão entre as muitas razões que levaram vários monarcas ao longo da História a desafiar o seu destino e a abdicar do trono.

Nem todos nascemos para ser líderes. Mas o que acontece quando um monarca herdeiro do trono acha que a política não é a sua vocação? Ou se ficam doentes ou são coagidos a sair, ou são impedidos de reinar por razões pessoais? Apesar de supostamente ser um cargo para a vida, a resposta a estes problemas é muitas vezes a abdicação. Ficam aqui 10 exemplos de reis ou rainhas que desistiram da coroa.

Diocleciano

O imperador romano Diocleciano teve um percurso digno de filme. Reza a história de que era filho de um escravo, tendo ingressado numa carreira militar e ascendido até ao cargo de imperador em 248.

Devido ao enorme tamanho do império, que já estava a dar os primeiros sinais de que iria cair, o líder decidiu dividi-lo em dois e, mais tarde, em quatro, para que a sua gestão fosse mais fácil e para garantir a estabilidade.

Em 303, Diocleciano ficou muito doente durante uma visita a Roma, havendo até suspeitas de que sofreu um AVC. Assustado com o seu problema de saúde, o imperador decidiu dar ouvidos aos avisos que o seu corpo lhe estava a dar e decidiu abdicar para passar um final da sua vida tranquilo na sua terra natal, na Croácia.

Justino II

Diocleciano não foi o único a acusar a pressão que a liderança impõe. O imperador bizantino Justino II também acabou por abandonar o trono em 574 devido ao impacto na sua saúde mental, alegando que o poder o estava a deixar “perturbado” e à beira da loucura, relata o Ancient Origins.

Nos meses antes de abdicar, há relatos de que Justino II atacava aleatoriamente os seus criados, fazia sons a imitar um animal do nada e que até tinha começado a auto-mutilar-se. Nos seus poucos momentos de lucidez, o imperador percebeu que não tinha condições para continuar no cargo e decidiu abandonar o trono.

Murade II

Ser monarca não é só vida boa e poder absoluto e às vezes o dever para com os súbditos prevalece sobre os caprichos do rei. Prova disso é o sultão Murade II do Império Otomano, que estava farto do poder e abdicou, mas acabou por ser arrastado de volta ao posto.

O sultão abdicou em 1444, passando a batata quente pacificamente para o seu filho e herdeiro, Mehmed II na esperança de evitar uma guerra pela sua sucessão. Uma das suas últimas decisões enquanto líder foi assinar um tratado de paz com o rei Ladislau, da Polónia e da Hungria. Mas o sultão cometeu um erro ao confiar nele.

Menos de uma ano depois da sua abdicação, Ladislau quebrou a sua promessa e invadiu o Império Otomano, num território que pertence agora à Bulgária, com o objectivo de expulsar totalmente os Otomanos da Europa. Ladislau aproveitou-se da inexperiência de Mehmed II e decidiu atacar com Murade já fora de cena.

No entanto, o filho reconheceu as suas limitações e pediu ao pai que voltasse ao poder para liderar os exércitos Otomanos. O plano resultou e Murade II derrotou as tropas de Ladislau, tendo continuado no poder até à sua morte, em 1451. Mehmed II ascendeu depois novamente ao trono, já com mais experiência, e foi até durante o seu reinado que se deu a conquista de Constantinopla, em 1453.

Carlos V

Carlos V foi, a certa altura, um dos homens mais poderosos na Europa. O Imperador do Sacro Império Romano-Germânico foi também rei de Espanha e casou com Isabel de Portugal, filha do rei Manuel I, governou desde 1519 até 1556.

O fim do seu reinado foi também ditado por uma abdicação e a grande culpada foi a gota. Carlos V tinha uma reputação por comer muita carne e abusar no vinho e na cerveja, dois hábitos que aumentam a produção do ácido úrico e estão associados a esta dolorosa condição conhecida como a “doença dos reis“.

A sua gota acabou por ser tão grave que o deixou aleijado e o impossibilitou de liderar o exército. Quando a França conquistou Metz em 1552, Carlos atrasou o seu contra-ataque devido a uma crise de gota, o que lhe custou uma pesada derrota. O imperador acabou por abdicar depois da humilhação até chorou no seu discurso, culpando a gota pelos seus fracassos.

Pedro IV

Com uma história monárquica tão rica como a nossa, seria de estranhar se Portugal também não tivesse casos de reis que rejeitaram a coroa. Um famoso exemplo que marcou a história portuguesa e brasileira foi o de Pedro IV.

A sua relação com o Brasil começou quando a família real fugiu para a antiga colónia na sequência das invasões francesas de Napoleão a Portugal, tendo passado a sua infâncil e juventude nas terras de Vera Cruz.

O rei D. João VI ordenou o seu regresso a Portugal após a revolta liberal de 1820 no Porto. A decisão foi mal recebida do outro lado do Atlântico, tendo o monarca depois voltado atrás e deixado D. Pedro como regente do Brasil.

Os liberais não se conformaram e queriam obrigar o príncipe D. Pedro a voltar às terras lusas. Mas nada o convenceu e o filho não teve qualquer pudor em voltar-se contra o próprio e pai e tornou-se o líder do movimento independentista do Brasil.

A 7 de Setembro de 1822, D. Pedro recebeu uma das muitas cartas que ordenavam o seu regresso, numa viagem entre São Paulo e Santos, ao largo do rio Ipiranga.

Após ler a carta, o príncipe rebelde desobedeceu em alto e bom som, afirmando que a partir daquele momento, o Brasil era independente. “Independência ou morte!“, disse D. Pedro, no famoso grito do Ipiranga, tornando-se o primeiro Imperador do Brasil.

Com a morte de D. João VI em 1826, abriu-se uma disputa na sucessão: os liberais queriam seguir a tradição e coroar o filho mais velho, o liberal D. Pedro; os absolutistas acusavam D. Pedro de ser um traidor e queriam que o seu irmão mais novo, D. Miguel, ascendesse ao trono.

Foi arranjado um casamento por procuração entre D. Miguel e a sobrinha D. Maria, filha de D. Pedro, como solução para este problema. No entanto, a união foi anulada após a traição de D. Miguel, que era absolutista e chegou a usurpar o trono, anulando a Constituição liberal e perseguindo e matando os seus opositores.

Quando soube do que se passava, D. Pedro abdicou do cargo de Imperador do Brasil a favor do seu filho, que também se chamava Pedro, e rumou à Europa para reunir um exército.

Os liberais acabaram por sair vitoriosos na guerra civil e D. Miguel exilou-se na Áustria. D. Pedro ficou a governar como Regente e eventualmente a sua filha subiu ao trono quando se tornou adulta, como D. Maria II.

Ivan IV

Tal como Murade II, a abdicação de Ivan IV, também conhecido como Ivan, o Terrível, não durou muito tempo. O czar russo abandonou o trono em 1594 e anunciou aos boiardos (nobres que compunham o Governo) que sair de Moscovo por estar farto das suas constantes intrigas e traições.

Os boiardos temeram que a população se revoltasse com a abdicação de Ivan IV e pediram-lhe que voltasse, prometendo mudarem a sua postura se o monarca assumisse novamente o trono.

O czar concordou, com a condição de que poderia executar qualquer boiardo que suspeitasse estar a conspirar contra si, mesmo sem provas. E isto não foi só uma ameaça — Ivan purgou todas as família que acreditassem que eram desleais, sem dó nem piedade.

Os historiadores continuam divididos sobre o que terá verdadeiramente motivado a abdicação; alguns acreditam que o plano do czar era precisamente pressionar os boiardos e voltar ao poder, outros acham que a decisão foi um impulso motivado por uma possível doença mental que nunca foi diagnosticada.

Nicolau II

A impopularidade de Nicolau II era tanta que até motivou uma enorme revolução na Rússia. A participação do país na Primeira Guerra Mundial motivou imensos protestos e greves na população, que já estava sedenta por uma revolução socialista.

A 15 de Março de 1917, a situação no país era insustentável e o czar acabou por abdicar e ir viver exilado com a família. No entanto, nem a sua abdicação o poupou da ira dos bolcheviques, que mais tarde o encontraram e o executaram, assim como a toda a família real, sob receios que a sua mera existência pudesse inspirar um movimento contra-revolucionário.

Gustavo IV Adolfo

O reinado de Gustavo IV Adolfo, na Suécia, continua a dividir opiniões até hoje, com uns a considerar que foi azarado e outros a acusá-lo de ter sido incompetente. O monarca chefiou o país nórdico desde 1792 até 1809, quando foi convidado — e forçado — a sair.

No início, tudo estava a correr bem, mas o seu estado de graça começou a desaparecer em 1798, quando a crise financeira que o país atravessava foi agravada com as colheitas fracas. Em 1805, a situação ficou ainda pior, quando o rei decidiu entrar na guerra contra Napoleão Bonaparte e foi prontamente derrotado.

Em 1808, chegou mais um golpe, com a Rússia a invadir a Finlândia, que na altura era um território sueco. Pouco tempo depois, a Dinamarca também declarou guerra à Suécia. A Finlândia acabou por cair quase totalmente para as forças russas em pouco tempo e em 1809, o rei rendeu-se e entregou o restante território a Moscovo.

Esta submissão à Rússia foi muito mal recebida pela população e motivou um golpe em 1809. O rei decidiu abdicar voluntariamente, sugerindo que o seu filho assumisse o trono, mas os revolucionários recusaram e coroaram antes o seu tio.

Eduardo VIII

Esta é a história de um membro da família real britânica que se apaixonou por uma  norte-americana divorciada e que acabou por abandonar os deveres reais. Não, esta não é a história do Príncipe Harry e de Meghan Markle, mas antes do rei Eduardo VIII e de Wallis Simpson. Qualquer semelhança entre os dois casos é pura coincidência.

Quando o rei George V morreu em 1936, estava tudo a postos para que o seu filho mais velho assumisse o trono. No entanto, o amor meteu-se no caminho. Enquanto rei, Eduardo VIII seria também o líder da igreja Anglicana e isto traz consigo muitas expectativas sobre a vida pessoal do monarca. Uma dessas regras é que o chefe de Estado não pode casar com alguém que seja divorciado.

Nesta altura, o rei estava já numa relação com a socialite norte-americana Wallis Simpson, que já se tinha divorciado duas vezes. Inicialmente, Eduardo VIII tentou negociar com o Parlamento uma mudança às regras que o deixasse casar com Wallis e ficar no trono da mesma forma. Mas os deputados recusaram.

Entre o dever e o amor, o rei escolheu o amor e avançou com uma das abdicações mais famosas de toda a história em 1936, passando a coroa para o seu irmão mais novo — George VI, o pai da rainha Isabel II.

Mas se fosse pela vontade de Eduardo VIII, a sua passagem pelo trono não teria ficado por aqui. Vários documentos secretos indicam que o monarca tinha um aliança secreta com as forças nazis para que regressasse ao trono caso o Reino Unido fosse derrotado na Segunda Guerra Mundial.

Akihito

A abdicação mais recente ao momento foi a do Imperador Akihito, do Japão. Já desde 2016 que se sabia da sua intenção de abandonar o trono devido aos seus problemas de saúde, mas havia um problema: a lei japonesa.

Para o Imperador poder abdicar, a lei teria de ser emendada — e assim foi, em Maio de 2017. O monarca acabou por abandonar os deveres reais a 30 de Abril de 2019, tornando-se o primeiro Imperador japonês a abdicar desde 1817.

Adriana Peixoto, ZAP //

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