O leilão de uma pistola que teria sido usada pelo pintor Vincent Van Gogh para atirar em si mesmo reacendeu um debate sobre quem realmente puxou o gatilho: o artista cometeu suicídio ou foi baleado por outra pessoa?
Segundo noticiou o Live Science na segunda-feira, a arma será leiloada em Paris (França), na quarta-feira, devendo ser vendida por mais de 50 mil dólares (cerca de 45 mil euros).
Durante anos, a maioria dos especialistas aceitou a explicação de que o pintor se suicidou com um tiro no peito, em julho de 1890. A arma foi encontrada mais de 70 anos depois, num campo perto da vila agrícola francesa de Auvers-sur-Oise, onde Van Gogh morreu, tendo sido amplamente aceite como a arma que este usou para atirar em si mesmo.
Van Gogh viveu por 30 horas antes de morrer devido ao ferimento. As suas últimas palavras, segundo seu irmão Theo, foram “a tristeza durará para sempre”.
Nos anos que se seguiram à sua morte, o pintor expressionista holandês – que cortou a orelha esquerda numa disputa com o pintor Paul Gauguin – tornou-se no arquétipo de um artista suicida desesperado, dominado pela depressão.
Mas, em 2011, os biógrafos Gregory White Smith e Steven Naifeh argumentaram que Van Gogh não atirou em si mesmo, mas foi sim baleado acidentalmente por René Secrétan, de 16 anos, que passava o verão na aldeia.
De acordo com sua biografia “Van Gogh: The Life” (“Van Gogh: A Vida”, em tradução livre), René Secrétan e o seu irmão fizeram amizade com Van Gogh quando este ficou em Auvers. Segundo a obra, o primeiro detinha a arma envolvida no incidente.
Com base em vários mistérios sobre as últimas horas da vida de Van Gogh, os autores propuseram que o artista foi baleado durante uma discussão com René Secrétan, tendo depois dito que atirou em si mesmo para encobrir os dois rapazes, escreveram num artigo divulgado pela Vanity Fair.
Esta teoria é contestada por alguns especialistas. Contudo, Steven Naifeh disse ao Live Science que estava mais convencido do que nunca que René Secrétan atirou em Van Gogh.
Arma misteriosa
A arma que será leiloada em Paris é um revólver Lefaucheux de 7 milímetros, produzido na Bélgica – uma arma de pequeno calibre, popular na época. A mesma condiz com a descrição da bala retirada do corpo de Van Gogh. Alguns teóricos afirmam que o baixo poder da bala é o motivo pelo qual este não morreu imediatamente, mas cambaleou para o hotel com a bala ainda alojada no peito.
A pistola foi encontrada por um agricultor em 1965 – 75 anos após a morte de Van Gogh – num campo em Auvers, em elevado estado de degradação. Foi então entregue à família proprietária do hotel onde Van Gogh morreu.
Grégoire Veyrès, o leiloeiro da Auction Art que está a conduzir a venda, indicou à Live Science que uma investigação do escritor Alain Rohan determinou que a arma corroída esteve enterrada por pelo menos 50 anos.
O trabalho de investigação de Alain Rohan foi aceite como válido pelo Museu Van Gogh, em Amesterdão (Holanda), que exibiu a arma numa exposição sobre a doença mental do artista, em 2016, contou Grégoire Veyrès.
A investigação de Alain Rohan revelou que o local onde a arma foi encontrada coincidia com a descrição de um campo onde Van Gogh estava a pintar, e onde teria atirado em si mesmo. A arma também foi encontrada com o gatilho desbloqueado, o que poderia indicar que havia sido disparada antes de ser descartada.
Morte debatida
Para o especialista Martin Bailey, que escreve regularmente sobre o artista no Art Newspaper, de Londres, a arma é aceite entre muitos estudiosos de Van Gogh como a que este usou para tirar a própria vida.
“Acredito ser altamente provável, embora não esteja certo, que seja a arma real”, disse Martin Bailey ao Live Science, acrescentando que o Museu Van Gogh também afirmou que havia uma “forte possibilidade” de que essa arma fosse usada pelo artista.
Embora a biografia de 2011 de Gregory White Smith e Steven Naifeh seja “excelente”, muitos especialistas sobre a vida do pintor não aceitaram a teoria, acrescentou.
“Estou convencido de que foi suicídio e não assassinato ou homicídio culposo”, afirmou Martin Bailey. “A família de Van Gogh e os amigos próximos acreditavam que foi suicídio”.
Steven Naifeh , que em conjunto com Gregory White Smith ganhou um Prémio Pulitzer em 1991 por uma biografia do pintor americano Jackson Pollock, referiu ao Live Science que as suas discussões com especialistas forenses reforçaram a sua crença de que René Secrétan atirou no artista.
“Que evidência forense liga Vincent Van Gogh a esta arma? E, mesmo se houvesse provas forenses vinculando Vincent a esta arma, o que isso diz sobre quem puxou o gatilho?”, questionou. “Essas são as duas grandes questões, e eu não vejo nenhuma resposta”.
Embora Van Gogh seja um dos artistas mais famosos do mundo – uma das suas pinturas de um campo de cultivo, concluído um ano antes da sua morte, foi vendida por 81 milhões de dólares (aproximadamente 71 milhões de euros) em 2017 -, vendeu apenas uma pintura enquanto estava vivo, por 400 francos.
A pintura mais cara de Van Gogh é o “Retrato do Dr. Gachet”, de 1890, vendida por 82 milhões de dólares (à volta de 73 milhões de euros) em 1990. Gachet foi o médico que acabou por assistir à sua morte no final daquele ano.