Kaua’i’o’o chamou por ela, mas em vão. A sua última canção de amor ditou o fim de uma família

Wikimedia Commons

Um dos poucos registos fotográficos do Kaua’i’o’o, o eterno cantor da ilha havaiana de Kauai.

Casava-se após uma melódica conversa e era para o resto da vida. Um dia, ninguém lhe respondeu. Eis como os humanos silenciaram um dos maiores cantores havaianos.

“Desde o nível do mar até às montanhas mais altas”, o Kaua’i’o’o prosperou um dia na mais velha ilha do Havai, Kauai.

“É conhecido por ser um dos melhores cantores das aves havaianas, com uma melodia variável que ecoa”, recorda o Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos EUA. Mas, tal como muitas infelizes espécies insulares, o querido pássaro estava condenado à extinção.

Adorava cantar. Os seus chamamentos “improvisados” para o namorico soavam como flautas entre as árvores. Tanto os machos como as fêmeas se cortejavam e o casamento que se seguia a um belo dueto, como uma conversa, era para a vida.

Quando o biólogo Jim Jacobi registou o som do pássaro, em 1986, nunca pensou que estaria a gravar o triste canto do último Kaua’i’o’o. Preservada e disponível na Internet, a desconcertante canção, que esperava infinitamente por um dueto, nunca teve resposta — já não havia mais fêmeas.

Para que todos ouvissem a desesperada chamada uma última vez, Jacobi terá rebobinado a fita ali, no meio da floresta, e reproduzido o assobio para toda a equipa. O último Kaua’i’o’o, que já tinha seguido o seu caminho, terá regressado, curioso, na esperança de ter finalmente encontrado a sua companheira, só para ser desiludido uma última vez. Foi visto pela última vez em 1987.

Rumores de um casal de Kaua’i’o’o a viver na ilha em 1981 ainda deram esperança à espécie, mas dois furacões quase seguidos fizeram desaparecer a fêmea que o pequeno pássaro chamou em vão.

Penas valiosas e um habitat esgotado

Só em 2023, quase 40 anos depois, é que a espécie foi oficialmente declarada como extinta, tendo sido finalmente retirada da Lista de Espécies Ameaçadas de Extinção pelo Serviço de Pesca e Vida Selvagem dos EUA. “Se a ave existe, está agora restrita a áreas muito remotas onde os humanos raramente entram”, explica o instituto.

A espécie já tinha sido dada como extinta nos anos 40, mas foi redescoberta pelo biólogo John l. Sincock, que registou, já na década de 1970, o único vídeo da ave havaiana com uma Super 8.

As espécies insulares são particularmente vulneráveis à extinção, uma vez que muitas vezes não existem em mais nenhum ponto do mundo. Mas os maiores problemas começaram com a chegada dos primeiros europeus no século XVIII.

Preto de penas e olhos amarelos, com pouco mais do que 20 centímetros de comprimento, o Kaua’i’o’o tinha estiras brancas na garganta e peito, notáveis nas fêmeas. Alguns tinham fascinantes penas douradas, proeminentes no seu primo do Maui, moloka’i’o’o, que podem ter sido usadas como valiosa moeda na América do Norte do século XVIII.

Foi sendo vítima do esgotamento do habitat, nomeadamente da exploração intensiva da cana-de-açúcar, e mais tarde de doenças como a gripe e malária das aves e predação de espécies invasoras introduzidas pelos humanos. Dentro do género o’o, o Kaua’i’o’o foi o último a desaparecer, refugiado nas zonas mais altas da ilha.

“A proteção chegou demasiado tarde para inverter o declínio destas espécies e é uma chamada de atenção para a importância de conservar as espécies ameaçadas antes que seja demasiado tarde”, afirmou a diretora do Serviço de Pesca e Vida Selvagem, Martha Williams, em comunicado citado pelo Mashable.

3,5 mil milhões de anos de evolução colocaram o último Kaua’i’o’o sozinho a cantar uma canção, silenciada por nós para todo o sempre.

Tomás Guimarães, ZAP //

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