Ministra anunciou o início da privatização do SNS?

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António Cotrim / LUSA

A ministra da Saúde, Ana Paula Martins, e a secretária de Estado da Saúde, Ana Povo

20 centros de saúde passam a ser geridos pelos setores social e privado. Das 15 medidas urgentes na Saúde, metade foi concretizada.

O Ministério da Saúde apresentou nesta quarta-feira o balanço das 15 medidas urgentes que constam do Plano de Emergência e Transformação da Saúde, aprovado em Conselho de Ministros em 29 de maio.

A ministra da Saúde, Ana Paula Martins, anunciou que foram concretizadas 8 dessas 15 medidas, mas admitiu que “nem tudo o que estava previsto está concluído”.

Conseguimos mudar tudo em três meses? Não, não conseguimos. Devemos ser sérios: nunca ninguém prometeu isso. (…) Correu tudo bem nas urgências de obstetrícia ao longo destes três meses? Obviamente que não”, declarou Ana Paula Martins.

A governante explicou que estão seis medidas urgentes em curso e uma ainda não foi concretizada.

“Os cinco eixos deste plano de emergência são compostos por 15 medidas urgentes. Oito encontram-se totalmente concretizadas – das quais em duas estamos a ir mais além -, seis estão em curso e uma não conseguimos ainda implementar”, afirmou Ana Paula Martins.

Ao apresentar o balanço do plano, anunciado em maio, a ministra indicou também que duas medidas prioritárias foram concluídas antes do prazo previsto: o desenvolvimento de programas de vacinação contra o vírus da gripe e vírus sindical respiratório e o desenvolvimento do algoritmo do SNS24 para pré-triagem, encaminhamento, referenciação e agendamento de consultas do dia seguinte.

“O que ainda não foi feito é porque ainda está a ser feito como deve ser. Governamos dentro da legalidade e algumas medidas têm procedimentos e constrangimentos legais que – apesar de demorarem tempo – não vamos e não podemos prescindir. Um balanço é sempre uma prestação de contas. Mas estas não são as contas finais. É nosso compromisso continuar a prestar contas aos cidadãos”, realçou.

Recordando que o plano é “apenas o início da transformação” do Serviço Nacional de Saúde (SNS), Ana Paula Martins disse que o eixo quatro, dedicado à saúde próxima e familiar, foi aquele que mais dificuldades apresentou à tutela.

“Quando tomámos pose, encontrámos um país onde 1,7 milhões de portugueses não tinham médico de família. As quatro medidas deste eixo encontram-se em curso e não vamos desistir de nenhuma. Nada ficou parado. No dia em que o Governo desistir de reformar, desiste de governar”, indicou.

O número de pessoas sem médico de família atribuído aumentou cerca de um milhão nos últimos cinco anos, situando-se em mais de 1,6 milhões de utentes em agosto. São dados do portal da transparência do Serviço Nacional de Saúde consultados pela Lusa: eram 644 mil, passaram a ser quase 1,7 milhões.

Em relação ao eixo três, dedicado aos cuidados urgentes e emergentes, Ana Paula Martins adiantou que, em pouco mais de um mês, os Centros de Atendimento Clínico (CAC) de Sete Rios, em Lisboa, e da Prelada, no Porto, já “atenderam 2.043 utentes, os chamados pulseiras azuis e verdes, encaminhados dos hospitais de Santa Maria [Lisboa], São João e Santo António [Porto]”.

De acordo com a ministra, os tempos médios de espera destes utentes foi de 15 minutos, acrescentado que o Ministério está “a expandir a implementação da consulta do dia seguinte nos Cuidados de Saúde Primários para situações agudas de menor complexidade e urgência”.

Ana Paula Martins lembrou ainda que foram realizadas 25.800 cirurgias a doentes com cancro de 1 maio a 30 de agosto, registando um crescimento de 15,8% comparativamente com 2023, no âmbito do OncoStop2024, medida do primeiro eixo “Resposta a Tempo e Horas”.

“Com esta medida deixou de haver doentes com cancro à espera de marcação de cirurgia acima do tempo aceitável. Gostaria também de realçar que 99% destes doentes foram operados no SNS”, afirmou.

A governante salientou também que, “em apenas 3 meses, foram realizadas 51.589 chamadas aos doentes pelo SNS 24”, tendo sido agendadas 7.370 cirurgias.

Relativamente ao segundo eixo, “Bebés e mães em segurança”, o Governo registou 25.718 chamadas na Linha SNS 24 (SNS Grávida), das quais 3.666 mulheres foram aconselhadas a ficar em casa e 3.685 foram encaminhadas para cuidados de saúde primários.

“Isto significa que 28,6% das grávidas que ligaram para Linha SNS não tiveram necessidade de irem para uma urgência, dando lugar a 17.910 casos verdadeiramente urgentes”, acrescentou.

Centros de saúde no privado

O Governo vai aprovar hoje, quinta-feira, a criação de Unidades de Saúde Familiar (USF) geridas pelos setores social e privado.

20 unidades vão servir de “fase experimental”: 10 em Lisboa e Vale do Tejo, cinco em Leiria e cinco no Algarve – são todas zonas carenciadas de médicos de família.

A informação foi avançada também pela ministra da Saúde, que adiantou que a criação de USF modelo C, geridas pelos setores social e privado, está prevista no Estatuto do Serviço Nacional de Saúde, mas nunca foi implementada.

Estas USF modelo C estão dentro do sistema de cuidados de saúde primários, com uma estrutura mais autónoma e flexível. Vão ser atribuídas por concurso aos setores social e privado.

O Sindicato Independente dos Médicos (SIM) aprova esta medida: “Não temos qualquer constrangimento, está previsto na legislação”, reagiu à Lusa o secretário-geral do SIM, Nuno Rodrigues.

Mais ajuda nas ecografias

A ministra da Saúde anunciou também um aumento dos preços que o SNS paga pelas ecografias obstétricas, alegando dificuldades em reencaminhar grávidas para o privado devido aos valores baixos convencionados.

Ana Paula Martins justificou a “grande urgência” dessa medida com o acentuar das dificuldades, nos últimos meses, em encaminhar as mulheres para fazerem as suas ecografias durante a gravidez no setor privado.

O despacho aumentou a ecografia obstétrica do primeiro trimestre, que é realizada entre as 11 e as 13 semanas e seis dias de gestação, para 70 euros, mais 55,50 euros.

Já ecografia do segundo trimestre, também conhecida por morfológica e que deve ser realizada entre as 20 e as 22 semanas, aumenta em 81 euros e passa agora a ser paga a 120 euros.

Quanto à ecografia do terceiro trimestre, idealmente feita entre as 30 e as 32 semanas, passa a ter um valor de 70 euros, um aumento também de 55,50 euros.

Em alguns casos, de acordo com Ana Paula Martins, vai ser obrigatório que o médico que executa o exame tenha a competência em ecografia obstétrica diferenciada.

Esta medida tem um impacto de 3,6 milhões de euros por ano, referiu a ministra da Saúde.

“Início da privatização”

A oposição não ficou convencida com esta conferência de imprensa.

A deputada do PS, Marina Gonçalves, viu não um balanço, mas “sim um assumir de culpas daquela que foi uma expectativa” criada pelo Governo e que sabia que não podia concretizar.

“Como solução para futuro aquilo que nos foi apresentado foi um conjunto de medidas que, em vez de resolverem o problema, vêm canibalizar o SNS, vêm investir no privado sem que haja uma única referência aos profissionais de saúde, ao investimento no SNS”, criticou.

O líder parlamentar do BE, Fabian Figueiredo, considerou que o SNS e o acesso à saúde pioraram, e “a situação está caótica”, acusando o Governo de ter precisamente esse objetivo.

“O Governo não tem a mínima vontade de melhorar o acesso à saúde, a condição de acesso dos utentes ao SNS, porque a estratégia do Governo é aumentar a transferência do SNS para o privado e aumentar as convenções com o privado e foi isso que novamente a ministra anunciou”, argumentou.

Pelo PCP, o deputado António Filipe considerou que a conferência de imprensa da ministra da Saúde “representa uma confissão implícita da incapacidade do Governo” em resolver os problemas do SNS “num quadro de profundo agravamento do serviço”.

Na ótica dos comunistas, o executivo anunciou “transferências financeiras para o setor privado, quer por via do aumento da comparticipação do Estado em ecografias a fazer pelos grupos privados, quer por via da abertura ao setor privado e social da criação das unidades de saúde familiar”.

A ministra da Saúde disse que está a decorrer o “início da transformação” do SNS. Mas o deputado do Livre, Paulo Muacho, disse que está a decorrer o “início da privatização” do SNS; e considerou que é necessário perceber “qual o efetivo grau de concretização” de algumas medidas, como a realização de cirurgias.

“É verdade que ninguém esperava que em três meses o Governo resolvesse todos os problemas do SNS. Não se deveria estar à espera que o Governo os agravasse”, criticou o deputado, que também acusou a ministra de não ter vontade de negociar com os sindicatos.

Pelo PAN, a deputada única, Inês Sousa Real, defendeu que os anúncios do Governo são “mais uma mão cheia de nada” e considerou que, “mesmo as unidades de saúde familiar do tipo C, apesar de serem necessárias, não podem passar por uma privatização”, em vez de se investir no SNS.

ZAP // Lusa

11 Comments

  1. Esperemos que a gestão das Unidades de Saúde Familiar (USF) por parte dos sectores social e privado não seja feita com o dinheiro dos Portugueses, caso contrário estaremos diante de um crime/ilegalidade.
    O dinheiro dos Portugueses que financia o Orçamento do Estado (OE) não pode servir para subsidiar os esquemas, negócios, e empresas privas dos outros.

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  2. Isto é , e não é (Novidade) , quem tem poder Economico , trata-se e Vive ; Quanto aos restantes serão sujeitos a uma seleção Natural , para não dizer Eutanásia passiva !

  3. Não veja com maus olhos os privados estarem nos serviços de saúde.
    O que incomoda é ter de descontar MUITO para não ter ou ter um mau serviço de saúde público e depois ter que ir pagar ao privado para ter acesso a um serviço de saúde.
    Então… PARA QUE DESCONTAMOS?

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  4. Perguntei a vários médicos obstetras a razão de terem aparecido de repente estes problemas nas urgências das maternidades, e todos respondem da mesma forma: as horas extras são engolidas pela subida de escalão no IRS e trabalhar para aquecer toda gente sabe que mais vale morrer de frio.
    Não era mais fácil o governo alterar a legislação e assim promover o trabalho extra? Aumentar a produtividade em qualquer sector só seria benéfico para o país, mas infelizmente os políticos tendem a governar-se ao invés de governar o país.

  5. Caso ainda não saibam, já funciona assim, basta ir a uma unidade privada qualquer para perceber que trabalha em parceria com o publico, e muito bem, já chega de abutres no estado a comer o nosso dinheiro.

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  6. Mais do mesmo, em vez de resolver o problema já estão a pensar no futuro que assim que sairem da Politica já têm um lugar no Privado , mesmo á capitalista e burlões, ou seja já estão a preparar o lugar dos amigos no Privado caso percam as eleições

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  7. A D. Albertina deve ter alguma cunha, porque na saúde se não tem cunha não se safa. são horas a fio de espera, enquanto vê passar à frentre os iluminados com cunha. Há médicos com fartura mas só para alguns tanto no público como no privado; é triste mas verdade…

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  8. O SNS é uma estrurura enorme que treme por todo o lado. Só será viável um SNS de qualidade com a sua redução de 40 a 50 %. Portanto com uma parte pública e outra parte privada e com o setor social, poderá finalmente chegar-se a um SNS viável e funcional para todos. Teimar no modelo existente é manter um serviço que não corresponde às necessidades de toda a população portuguesa nem da classe médica e restante pessoal. É uma engrenagem que range por todo o lado e não há solução que lhe valha. Os complexos ideológicos é que nos levaram ao estado em que estamos. Aos portugueses interessa a resolução urgente e qualitativa dso seus problemas de sdaúde. Querem lá saber se é público ou privado.

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  9. Estou em pleno acordo com a Isabel nesta parte do seu comentário : “Há médicos com fartura mas só para alguns, tanto no público como no privado; é triste mas verdade”. Existe algo que o pessoal de saúde ou outros se esquecem muito – Todos nós precisamos uns dos outros, seja em matéria de saúde ou de quaisquer outras matérias, embora a saúde seja a mais importante para todos nós. Daí que quer seja no público ou no privado deve haver celeridade, honestidade e acima de tudo, respeito por todos os humanos incluídos nos diversos sistemas, porque se esses deixarem de contribuir financeiramente para os existentes sistemas de saúde, sejam esses público ou privados, quem os sustenta também terão dificuldades nas suas perspetivas. Pensem bem nisso e respeitem os necessitados acima de tudo e não tenham em conta apenas as mordomias e possibilidades financeiras.
    Disse..

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