Inflação, Brexit e Conservadores às turras. Truss chega a Downing Street com muitas dores de cabeça

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Tim Hammond / No 10 Downing Street

A nova primeira-ministra britânica assume um cargo num momento desafiante e que vai pôr à prova a sua capacidade de responder à crise económica e o seu talento para a negociação no plano internacional.

Liz Truss é agora oficialmente a sucessora de Boris Johnson e vai assumir o leme do Reino Unido até às eleições legislativas de 2024. A nova líder dos Conservadores também herda um cenário difícil, tanto no plano interno como externo, e tem agora de unir um partido fracturado e habituado ao regicídio.

Inflação a disparar e economia a derrapar

O problema mais gritante com o qual Truss terá de lidar é a enorme escalada de preços, especialmente na energia. A inflação ultrapassou os 10% em Julho pela primeira vez em 40 anos, as contas de energia já subiram em média 54% e espera-se que os aumentos possam chegar mesmo aos 80% até Outubro. A inflação também já obrigou um quarto dos britânicos a começar a saltar refeições.

Durante a campanha, a principal bandeira de Truss foi a redução da carga fiscal e a candidata com raízes tatcherianas partilha a mesma filosofia da ex-primeira-ministra  sobre o reforço do Estado social, mostrando-se reticente sobre a possibilidade de dar mais subsídios à população e às empresas.

Face a esta situação, a nova primeira-ministra tentou acalmar os eleitores na edição da última quinta-feira do The Sun, escrevendo que vai “prestar apoio imediato para garantir que as pessoas não enfrentam faturas de energia incomportáveis” no Inverno.

O Reino Unido caminha também a passos largos para uma recessão, de acordo com as previsões do Banco de Inglaterra. O PIB caiu 0,1% no segundo trimestre dese ano e estima-se que o país entre numa recessão técnica no terceiro trimestre.

Na segunda-feira, a libra também caiu 0,3% em relação ao dólar, chegando a um novo mínimo desde 1985.

Serviços públicos em decadência e greves

O Serviço Nacional de Saúde não está só em crise em Portugal. No Reino Unido, são também cada vez mais comuns os atrasos das ambulâncias, falta de camas e grandes listas de espera para cirurgias e exames que foram adiados devido à pandemia, relata o The Guardian.

Há também um problema com a rede de apoio social, já que muitas das camas estão a ser ocupadas por pacientes mais velhos e frágeis que não recebem alta porque não têm para onde ir. Boris Johnson prometeu resolver este problema com um investimento na segurança social, mas Truss opõe-se a esta ideia.

Para além da saúde, os transportes e os correios também têm sido palcos de uma crise devido à grande onda de greves dos trabalhadores. Aqui também se antecipa um grande braço de ferro entre os sindicatos e a primeira-ministra, que durante a campanha prometeu “medidas duras” para mitigar o efeito das greves.

Unir os Conservadores

O partido Conservador já começa a ganhar o hábito de se virar contra o próprio líder, tendo os três antecessores de Truss acabado por abandonar o cargo sob pressão dos deputados em rebelião.

A nova chefe do Governo tem agora que tentar sarar as feridas de um partido constantemente à guerra com si mesmo e tem também de limpar a imagem dos Conservadores — que tem sido manchada devido aos constantes escândalos, como o Partygate, o assédio sexual em Westminster ou a corrupção — antes das eleições legislativas de 2024.

Truss venceu a eleição com uma mensagem clássica de Margaret Thatcher — impostos baixos, Estado pequeno e com pouca intervenção na economia, defesa implacável dos interesses britânicos no plano internacional e uma postura dura sobre a imigração e as guerras culturais.

Caso a crise económica a obrigue a apostar na atribuição de subsídios e apoios, Truss arrisca alienar os deputados e membros do partido neoliberais que a elegeram. Caso não o faça, Truss arrisca agravar a crise e deixar os britânicos ao abandono em nome da união no seu partido, podendo acabar por ser castigada por isso na próxima ida às urnas.

Há ainda um outro problema interno, visto que um grande número de deputados Conservadores tem posições mais moderadas do que Truss. Durante a primeira fase da eleição e quando havia outras alternativas, menos de um terço dos deputados apoiou a nova líder.

Juntando-se a isto as dúvidas que muitos já têm sobre os seus planos económicos e que foram intensificadas durante os debates com Rishi Sunak, que atacou a política de redução de impostos de Truss, a nova primeira-ministra pode vir a ter dificuldades na aprovação das suas leis no Parlamento.

Cabe agora à chefe do Governo nomear um elenco de Ministros de várias alas do partido para tentar resolver os arrufos internos.

Relações com a União Europeia

Um dos maiores desafios é um com o qual a ex-Ministra dos Negócios Estrangeiros já está muito familiarizada — o Brexit e as relações com os parceiros europeus.

Foi com um aviso velado que a Presidente da Comissão Europeia deu os parabéns à nova chefe do Governo. “Enfrentamos muitos desafios juntos, desde as alterações climáticas à invasão da Rússia na Ucrânia. Espero que tenhamos uma relação construtiva, com respeito total pelos nossos acordos“, escreveu Ursula von der Leyen no Twitter.

Num tom semelhante, Olaf Scholz também estendeu a mão a Truss e mostrou que quer manter uma boa relação com a nova primeira-ministra. “Parabéns pelo novo cargo! Espero pela nossa cooperação nestes tempos desafiantes. O Reino Unido e a Alemanha vão continuar a trabalhar de perto — enquanto parceiros e amigos”, afirmou o chanceler alemão no Twitter.

Emmanuel Macron — com quem Truss já teve um bate-boca durante a campanha quando a candidata disse não ter a certeza se o Presidente francês é um amigo ou inimigo dos britânicos — aproveitou o momento para chutar este arrufo para canto e deixar bem clara a sua posição.

“Parabéns a Liz truss pela sua eleição. O povo britânico é nosso amigo, a nação britânica é nossa aliada. Vamos continuar a trabalhar juntos para defender os nossos interesses em comum”, lê-se no tweet do chefe de Estado francês.

Estas felicitações em tom de aviso são para menos. Apesar de se ter oposto ao Brexit na altura do referendo, enquanto Ministra dos Negócios, Truss não tem dado a mão à palmatória nas negociações com Bruxelas e é uma das responsáveis políticas que orquestrou o plano para a alteração unilateral do protocolo da Irlanda do Norte, o que ameaça colocar o Reino Unido e a União Europeia (UE) numa guerra comercial.

Os recentes comentários de Truss sobre Macron também não são um bom agoiro para as relações entre Londres e Paris, que nos últimos meses têm arrefecido devido às complicações para acordos de pesca pós-Brexit e também devido à crise migratória no Canal da Mancha que afecta ambos os países.

Apesar das mensagens optimistas dos líderes europeus, nos bastidores o cenário é outro. Um diplomata da UE revela ao The Guardian que as expectativas de uma melhoria nas relações são muito baixas.

“O desejo deste lado é que as coisas melhorem, para que haja uma relação mais construtiva, mas acho que ninguém está à espera sentado”, revela. O grande apoio que Truss tem da ala mais eurocéptica dos Conservadores também é um mau sinal.

“Olhando para de onde Liz Truss conseguiu o seu apoio, não espero que ela tenha muito espaço de manobra. Mas gostaria de que fosse provado que estou errado”, acrescenta.

Guerra na Ucrânia e tensão com a China

Boris Johnson foi um dos maiores aliados da Ucrânia desde o início da guerra, tanto que os responsáveis de Kiev até ficaram preocupados com o futuro incerto das relações com Londres após a sua demissão.

Dado ter integrado o Governo de Johnson e ter sido uma aliada sua, espera-se que Truss continue na sua veia e seja uma aliada de Kiev e não seria surpreendente ver a nova primeira-ministra a fazer uma visita à Ucrânia e a encontrar-se com Volodymyr Zelenskyy nas próximas semanas.

Mesmo assim, Truss terá de enfrentar as consequências de um conflito que não tem aparente resolução à vista. Para além da crise energética, a onda de refugiados também deverá trazer dores de cabeça à nova chefe do Governo, especialmente no meio das críticas de que o Reino Unido tem sido alvo no plano internacional, com denúncias de falhas no sistema de acolhimento que deixa os ucranianos expostos ao tráfico sexual e à exploração laboral.

Para além da situação na Ucrânia, a crescente tensão nos últimos meses entre os Estados Unidos e a China que foi agravada com a recente visita da Presidente da Câmara dos Representantes a Taiwan, é também um problema que Liz Truss terá de ter em mente.

 

Adriana Peixoto, ZAP //

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2 Comments

  1. Bem ….muitas “dores de cabeça” , sugiro a esta Ilustre Ministra um medicamento que a pode aliviar ; que tome Guilhotina uma só vez chega e fica livre de dores !

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