Áudios associam Karina Milei, irmã e braço direito do presidente da Argentina, a esquema de suborno na compra de medicamentos destinados a pessoas com deficiência. Casa Rosada ainda não se pronunciou sobre o caso.
A dois meses das eleições legislativas na Argentina, o governo de Javier Milei vê-se ameaçado por um novo escândalo, com o círculo de colaboradores mais próximos do presidente implicados num alegado esquema de corrupção.
O caso veio a público na semana passada, quando jornais argentinos divulgaram áudios atribuídos ao então diretor da Agência Nacional para a Deficiência (Andis), Diego Spagnuolo, amigo e advogado pessoal de Milei.
Nos áudios, Spagnuolo aponta a irmã e braço direito do presidente, Karina Milei, como uma das principais beneficiárias de um esquema de cobrança de subornos em aquisições de medicamentos para pessoas com deficiência, e acusa o próprio Milei de ter conhecimento do esquema de corrupção.
“Estão a defraudar a minha agência”, ouve-se. “Estão a roubar. Podes fingir que não sabes, mas não me passem esse problema, tenho todas as mensagens do WhatsApp da Karina.”
Segundo os áudios – cuja autenticidade ainda não foi confirmada pela Justiça –, Karina, que é secretária-geral da Presidência argentina e, na prática, divide o cargo com o irmão e intervém nas decisões da Casa Rosada, e o subsecretário de gestão institucional do governo, Eduardo “Lule” Menem, receberiam subornos da indústria farmacêutica em troca de contratos superfaturados para fornecimento de medicamentos à rede pública.
Esquema renderia até 800 mil dólares em subornos
A percentagem exigida por Karina e Menem seria de 8% sobre os contratos com o Estado, e o negócio renderia entre 500 mil e 800 mil dólares por mês, cabendo a maior fatia do dinheiro a Karina – entre 3% e 4%.
Menem – primo do presidente da Câmara dos Deputados, Martín Menem – foi apontado como o principal operador do esquema, com o apoio de empresários ligados à distribuidora Suizo Argentina, que intermedeia a venda de medicamentos ao Estado.
Noutro áudio, Spagnuolo queixa-se de que Karina e Milei não terão agido para travar os desvios de dinheiro público. “Eles não resolveram nada”, diz a gravação.
O caso foi noticiado pela imprensa argentina a 20 de Agosto, desencadeando uma crise inesperada no governo. Poucas horas depois, o advogado Gregorio Dalbón, que representa a ex-presidente Cristina Kirchner – rival de Milei –, denunciou Spagnuolo à Justiça.
No dia seguinte, Milei demitiu o colaborador e anunciou uma intervenção na Andis por parte do Ministério da Saúde. Outro nome afastado da agência foi o do diretor Daniel Garbellini, apontado como elo entre a Andis e os empresários. Na sexta-feira, 22 de Agosto, autoridades argentinas realizaram buscas nas sedes da Andis e da Suizo Argentina.
Na operação, foram apreendidos 266 mil dólares em numerário com um dos representantes da Suizo Argentina, Emmanuel Kovalivker. O irmão dele, Jonathan, considerado foragido, apresentou-se esta segunda-feira às autoridades. Foram ainda apreendidos quatro telemóveis, incluindo o de Spagnuolo. Os aparelhos estão a ser analisados por peritos para confirmar ou refutar as acusações de corrupção.
Milei e Karina em silêncio
O presidente Javier Milei ainda não se pronunciou sobre o caso, mas apareceu sorridente ao lado da irmã esta segunda-feira, na primeira presença pública desde as denúncias, durante um encontro com empresários.
Chegou mesmo a discursar na ocasião, sem comentar diretamente as acusações. Limitou-se a atacar jornalistas, chamando-os de “mentirosos”, e acusou a oposição parlamentar de querer “afundar o país”.
Karina também se mantém em silêncio. Já Eduardo Menem, que se pronunciou esta segunda-feira, questionou a autenticidade dos áudios e negou qualquer conhecimento ou envolvimento em irregularidades.
“Conheço o trabalho deste governo contra a corrupção e não duvido da integridade de nenhum dos funcionários mencionados”, declarou Menem, atribuindo as denúncias a adversários kirchneristas. A mensagem, publicada no X, foi partilhada por Karina e Milei.
Também esta segunda-feira, o presidente da Câmara, Martín Menem, saiu em defesa da dupla e sugeriu que o caso é uma montagem. “Ponho as mãos no fogo por eles”, afirmou a uma televisão argentina.
Escândalo em momento delicado para o governo
A denúncia contra o círculo próximo de Milei surge num momento delicado para o governo, que viu a sua popularidade cair nas últimas semanas – atualmente em 41% – e sofreu uma série de derrotas no Congresso, com a reversão de cortes na despesa pública.
O escândalo pode também ter impacto nas eleições legislativas de 26 de Outubro – encaradas como um referendo à agenda de austeridade de Milei – e na disputa pelo governo de Buenos Aires, dentro de duas semanas.
Além dos alegados desvios na Andis, o governo já tinha sido abalado pelo seu envolvimento com a criptomoeda \$Libra – promovida pessoalmente por Milei e que causou prejuízos a milhares de investidores – e por permitir a entrada de empresários no país com bagagens não sujeitas a controlo aduaneiro.
ZAP // DW