A história da aldeia na Hungria onde dezenas de mulheres mataram os seus maridos

Béla Bodó / Wikipedia

Mulheres arguidas no caso de envenenamento por arsénio na área de Tiszazug a caminhar no pátio da prisão de Szolnok

Durante quase 20 anos, as mulheres de Nagyrev, instigadas pela parteiras da aldeia, envenenaram cerca de 50 homens. Só foram apanhadas porque de repente o cemitério começou a ficar cheio. Mas nem tudo foi mau…

A 14 de dezembro de 1929, o jornal americano The New York Times noticiava uma história que estava a causar espanto não nos EUA, mas num lugar muito mais distante, na Hungria.

Nessa data, tinha início o julgamento de cerca de 50 mulheres que tinham sido acusadas de envenenar a grande maioria dos homens que viviam numa remota aldeia no centro do país.

Embora a notícia fosse breve, o relato tinha muitos pormenores: entre 1911 e 1929, várias mulheres da localidade de Nagyrev, situada a cerca de 130 quilómetros a sul de Budapeste, teriam envenenado mais de 50 homens.

Segundo conta a BBC, as mulheres, por alguns chamadas “criadoras de anjos“, teriam assassinado os homens com uma solução de arsénico, no que foi considerado o maior assassínio em massa de homens por mulheres da história moderna.

As mulheres enfrentaram um julgamento público, durante o qual um nome se repetiu: Zsuzsanna Fazekas, a parteira da aldeia.

Numa época em que a aldeia ainda sob o domínio do Império Austro-Húngaro e não havia médicos locais, a parteira tinha o monopólio do atendimento médico na aldeia.

Em 2004, num documentário da BBC, Maria Gunya, residente na aldeia húngara, explicou por que motivo Zsuzsanna Fazekas foi apontada como a instigadora dos envenenamentos: todas as mulheres contavam à parteira os problemas que tinham.

“Zsuzsanna dizia às mulheres que se tivessem problemas com os seus homens, ela tinha uma solução simples“, conta Gunya.

E embora Fazekas tenha sido a principal responsável pelos assassínios, nos arquivos do processo, os depoimentos das mulheres da aldeia revelam histórias profundas e dolorosas de abusos, maus-tratos e violações por parte dos homens.

A história foi no entanto ocultada durante muitos anos. De acordo com os relatórios policiais, os primeiros assassínios foram registados em 1911, mas as investigações só começaram em 1929.

Qual foi a pista que permitiu chegar às culpadas? Um cemitério que, de repente, começou a ficar cheio.

Zsuzsanna Fazekas chegou à aldeia de Nagyrev em 1911. Desde logo chamou a atenção pela sua habilidade como parteira e por sera conhecedora de remédios medicinais, alguns até com produtos químicos, algo pouco comum na região.

“Nagyrev não tinha um padre, muito menos um médico. Portanto, os seus conhecimentos fizeram com que as pessoas se aproximassem dela e confiassem nela”, narrou Gunya.

“Zsuzsanna começou a ver muitas coisas que aconteciam no aconchego dos lares da aldeia: homens que batiam nas mulheres, que as violavam, muitos deles eram infiéis. Muitos maus-tratos“, acrescentou.

Então, Fazekas começou a fazer uma coisa proibida naqueles tempos: abortos de gravidezes indesejadas. PFoi levada a julgamento, mas nunca foi condenada.

O grande problema, segundo Gunya, é que muitos casamentos eram arranjados pelas famílias e mulheres muito jovens casavam-se com homens, nalguns casos, muito mais velhos. “Naquele tempo não existia o divórcio. Não te podias separar mesmo que fosses maltratada ou abusada”, disse.

Mas os relatórios da época também apontavam para outro dado: os casamentos arranjados vinham acompanhados de uma espécie de acordo contratual que incluía terrenos, heranças e obrigações legais.

“Fazekas começou a convencer as mulheres de que poderia solucionar os seus problemas”, explicou Gunya à BBC.

O primeiro envenenamento ocorreu em 1911. Nos anos seguintes, mais e mais homens continuaram a morrer, enquanto a I Guerra Mundial se desenrolava e o Império Austro-Húngaro desmoronava. Em 18 anos, ocorreram entre 45 e 50 mortes de maridos e pais que foram enterrados no cemitério da aldeia.

Muitos começaram a chamar Nagyrev “a freguesia dos assassinos“.

Estes pormenores chamaram a atenção da polícia. No início de 1929, começaram a exumar os cadáveres para os examinar, e encontraram um elemento incriminador: arsénico.

A 19 de julho de 1929, a parteira viu que os polícias estavam a chegar a sua casa para a levar. “Viu-os aproximarem-se, e compreendeu que tudo tinha terminado para ela. Quando os polícias chegaram à casa, ela já estava morta; tinha tomado um pouco do seu próprio veneno“.

Mas a parteira estava longe de ser a única culpada.

Em 1929, 26 mulheres foram levadas a julgamento, na vizinha capital do condado de Szolnok. Oito foram condenadas à morte e as restantes enviadas para a prisão, sete das quais com pena perpétua.

Poucas admitiram a sua culpa, e os seus motivos nunca ficaram totalmente claros.

Com base nos arquivos do tribunal, o médico e historiador Geza Cseh disse à BBC que ainda há muitos mistérios por resolver.  “Quanto aos motivos, há muitas teorias: a pobreza, a ganância e o tédio são algumas delas”.

“Segundo alguns relatórios, algumas das mulheres tinham amantes entre os prisioneiros de guerra russos recrutados para trabalhar nas quintas na ausência dos seus homens na frente de batalha”, explica o historiador.

Segundo essa teoria, quando os maridos regressaram, as mulheres lamentaram a perda súbita da sua liberdade — e, uma após outra, decidiram agir.

Na década de 1950, o historiador Ferenc Gyorgyev conheceu um idoso da aldeia durante o seu encarceramento sob o regime comunista, afirmou que as mulheres de Nagyrev “estavam a assassinar os seus homens desde tempos imemoriais“.

Além disso, talvez não tenham sido as únicas. Na cidade vizinha de Tiszakurt, outros corpos exumados também continham arsénico, mas ninguém foi condenado. Segundo algumas estimativas, o número de homens mortos na região pode ter chegado aos 300.

Mas nem tudo foi mau. Segundo Gunya, após os envenenamentos, o comportamento dos homens com as esposas “melhorou notavelmente”.

ZAP //

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