Incompatibilidades. Afinal, o que diz a lei sobre o que podem ou não fazer os políticos?

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José Sena Goulão / Lusa

No meio de vários casos de incompatibilidades no seio do Governo, há dúvidas sobre o que diz a lei e sobre o que foi definido no parecer da Procuradoria-Geral da República em 2019. Eis o que define a legislação.

Desde o caso do marido da ministra da Coesão Territorial, as ligações de dois secretários de Estado a empresas que assinaram contratos públicos, a polémica com a empresa detida pelo pai de Pedro Nuno Santos, o caso em torno da empresa de Manuel Pizarro ou os apoios públicos dados à firma do marido da Ministra da Ciência, as últimas semanas têm sido marcadas por vários casos que levantam dúvidas sobre possíveis incompatibilidades no Governo — tanto que até o Presidente da República já pediu aos deputados que repensem a lei.

Mas, afinal, o que é que diz a lei? A legislação não impede os governantes de deter quotas em empresas, mas impõe limites nos contratos que estas firmas podem celebrar com o Estado, lembra o Público.

Caso a participação do político seja superior a 10% ou a 50 mil euros, a empresa já não podem assinar contratos públicos. Esta restrição também se aplica a empresas detidas por alguns familiares ou parceiros dos governantes.

Nem todos os familiares são abrangidos pela lei, que se restringe até às relações em 2.º grau — as empresas detidas por ascendentes (pais e avós), descendentes (filhos e netos), irmãos, cônjuges e unidos de facto são limitadas na assinatura de contratos públicos, mas os tios, primos e sobrinhos dos governantes já não têm de obedecer a esta regra.

Os políticos ficam ainda limitados nas funções que podem exercer nas empresas, não podendo ser consultores ou mediadores quando está em causa um contrato público.

A lei até determina que os membros do Governo devem trabalhar num regime de exclusividade, o que significa que não podem ter quaisquer outras funções profissionais, mesmo que estas não sejam remuneradas.

No entanto, são abertas excepções caso a actividade em causa esteja relacionada com o seu trabalho enquanto governante. Quando saem do Governo, os ex-Ministro também não podem assumir um cargo numa empresa que tutelaram durante um período de três anos.

Em relação a outros titulares de cargos políticos que não estejam no Governo, como deputados ou autarcas, as regras já são mais relaxadas — podem participar em conferências e podem assumir cargos em empresas.

Os casos no Governo

Apesar da lei, há ainda um parecer da Procuradoria-Geral da República que os membros do Governo têm usado para se defender.

Em 2019, ainda antes da mudança da lei das incompatibilidades — que foi precisamente aprovada em 2019 — o parecer definiu que a limitação na realização de concursos públicos se aplica apenas a empresas quando o governante tiver tutela da área responsável pelo contrato com a empresa do familiar.

Esta foi a defesa usada por Pedro Nuno Santos, que afirma que caso a lei fosse levada à letra, seria inconstitucional por restringir a liberdade de iniciativa económica privada “de forma desproporcional”. Assim, este caso está numa zona cinzenta.

No caso das empresas do marido de Ana Abrunhosa, que é responsável pela gestão dos fundos comunitários enquanto Ministra da Coesão Territorial, apesar das dúvidas éticas, não há qualquer violação da lei, visto que esta determina limites apenas na contratação pública e não faz referência à atribuição de fundos europeus.

Já no caso de Manuel Pizarro, o novo Ministro da Saúde afirmou que já renunciou ao cargo de sócio-gerente da empresa de consultadoria com o seu nome, que operava precisamente na área da saúde.

Adriana Peixoto, ZAP //

4 Comments

  1. Quem quer ser governante deveria ser proibido (ele e qualquer dos seus familiares) de ter negócios com o Estado. A lei não deveria deixar quaisquer dúvidas. Quem não gosta não vai para essas funções.

  2. Se queremos governantes sem qualquer relação entre empresas e os politicos quase de certeza que só contratando politicos do Bloco de Esquerda ou do PCP.
    Fazem da politica a sua vida porque efetivamente dificilmente conseguiam manter uma empresa aberta. E mesmo na politica apregoam a manutenção dos postos de trabalho, dos aumentos salariais, etc… mas viu-se o caso do Bloco de Esquerda que após o ultimo desaire politico procedeu ao fecho de instalações e ao despedimento de trabalhadores. será caso para dizer olha para o que digo mas não olhes para o que faço.

    Os bons gestores estão no privado, ganham 4,5, 10 x mais que o presidente da républica e não necessitam de se expor em praça pública.
    Quanto a V/ não sei mas eu preferia ver um gestor profissional a liderar um instituto que um politico profissional.
    E depois parece que quase todos os politicos são advogados logo sabem como “manobrar” para …
    perdoem-me estar a ser “racista” quanto a uma classe profissional mas quando vemos advogados a criarem leis que podem ser interpretadas de 3 ou 4 formas diferentes está tudo dito…

  3. Por mim os familiares dos políticos até podem ter empresas e negócios com o estado. As regras de atribuição dos subsídios ou contratos públicos é que deveriam ser totalmente públicas e escrutináveis. Se nos concursos públicos isso até ocorre, dado que qualquer concorrente pode consultar as propostas dos demais, no caso dos programas de apoio é tudo opaco. Critérios subjetivos e impossibilidade de consultar os projetos aprovados fazem dos incentivos um terreno fértil para esquemas, promiscuidades e corrupção total.
    Tal como nos concursos públicos, também nos incentivos deveria ser possível consultar as candidaturas aprovadas. Ao proibir-se a consulta com base em “segredos da indústria” apenas se está a protelar a situação de total corrupção que reina em muitos dos apoios.

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