“Hoje vão ter de matar pessoas”. 62 crianças ficaram sem teto em Loures

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Manuel de Almeida / Lusa

Câmara Municipal de Loures faz demolições de mais de 60 habitações no bairro do Talude

Decorreram, esta segunda-feira, demolições de casas autoconstruídas no Bairro do Talude Militar, em Loures. A autarquia tinha dado aos moradores 48 horas para as desocupações. Esta segunda-feira, cerca de 60 crianças ficaram desalojadas.

A execução de demolições de casas autoconstruídas no Bairro do Talude Militar, em Loures, ordenadas pelo município, arrancou cerca das 12h, depois de a polícia ter afastado à força moradores concentrados no local para tentar impedir a operação.

No final de junho, já tinha havido demolições, no bairro. Desta vez, a autarquia afixou, na sexta-feira, editais anunciando 64 novas demolições e deu aos moradores 48 horas para as desocupações.

A Câmara Municipal de Loures adianta que 51 habitações foram demolidas esta segunda-feira.

Os trabalhos para a demolição das restantes 13 habitações precárias irão retomar na terça-feira, segundo indicou fonte da autarquia à Lusa.

O movimento Vida Justa fala em 62 crianças desalojadas, esta segunda-feira.

Para o terreno, foram duas retroescavadoras, uma utilizada para demolir as casas e outra para recolher o entulho.

Vários moradores indignados deitaram-se à frente das máquinas, para impedir os trabalhos. “Para passar, vão ter de matar as pessoas”, ouviu-se no som da reportagem do Primeiro Jornal da SIC.

Durante o avanço da máquina mobilizada para as operações, e depois de um reforço policial no local, agentes da Equipa de Intervenção Rápida da PSP intervieram com bastões para afastar os residentes e uma pessoa foi arrastada pelo chão, constatou a Lusa no local.

Só depois é que se deu o início da demolição da casa com o número 1.062, na entrada do bairro.

Na parte da manhã, a vereadora da Câmara Municipal de Loures responsável pela Polícia Municipal, Paula Magalhães, esteve à entrada do Talude Militar, mas recusou-se a falar com os jornalistas no interior do bairro.

Já esta terça-feira, as demolições de casas no Bairro do Talude Militar estão “suspensas enquanto se analisa” um despacho judicial, indicou fonte da Câmara de Loures, referindo que de manhã algumas casas “foram abaixo”.

A informação foi dada à agência Lusa pelas 10h50 e a suspensão das demolições foi confirmada pelo movimento Vida Justa, que tem estado a acompanhar os moradores.

“Hoje vão ter de matar pessoas”

Dezenas de moradores do Bairro do Talude Militar, em Loures, tentaram impedir a execução de demolições de casas autoconstruídas ordenadas pelo município, num clima crescente de tensão com a polícia.

“Não vamos sair daqui, hoje vão ter de matar pessoas”, disse um dos moradores, à porta de uma habitação autoconstruída, após uma tentativa dos serviços municipais, acompanhados pela Polícia Municipal, de retirada de pessoas das casas.

À chegada ao bairro, uma advogada que tem acompanhado estes processos no movimento Vida Justa apelou às pessoas para não saírem de dentro de casa, relatando que “não há mandado judicial” para estas operações de demolição.

As pessoas têm o direito de ficar nas suas casas e, se quiserem executar a operação, terão de as retirar à força”, disse a advogada, dirigindo-se aos residentes.

Em declarações à Lusa, Gonçalo Filipe, do movimento Vida Justa, sublinhou haver trâmites judiciais em curso que impedem a execução das demolições, criticando a Câmara de Loures por esta “abordagem agressiva”.

Carga policial

Mas, depois, mais de uma dezena de elementos da Equipa de Intervenção Rápida da PSP acabou mesmo por afastar à força moradores do bairro.

O movimento Visa Justa e advogados no local repetiram que esta operação foi executada sem mandado judicial.

Várias dezenas de moradores, entre homens, mulheres e crianças, que gritam por “outra solução” e pedem uma reunião com o presidente da Câmara de Loures, Ricardo Leão.

Pela tarde, as operações de demolição continuam num clima menos tenso, com os moradores a retirar os bens das suas casas.

Vários moradores estão a antecipar-se à operação, desmontando eles próprios a chapa e a madeira, com as quais dizem ter gastado milhares de euros, para as poderem reutilizar noutro lugar.

O cenário no bairro é de colchões empilhados, sofás, cadeiras, vários tipos de eletrodomésticos e tudo aquilo que se encontrava dentro das casas.

Entretanto, ainda fora do bairro, Paula Magalhães confirmou à Lusa que as demolições vão prosseguir neste e noutros bairros de autoconstrução, sem especificar quais.

Contactada pela Lusa, no fim de semana, a Câmara de Loures disse que as suas atuações são “sempre dentro da legalidade e em respeito absoluto pelas decisões judiciais e com prioridade à segurança, à saúde pública e à dignidade humana”.

O município considerou que o movimento Vida Justa continua “a instrumentalizar pessoas em situação de vulnerabilidade”, mas não apresenta “qualquer solução concreta para o problema grave da proliferação descontrolada de construções ilegais”.

“A Câmara Municipal de Loures continuará a agir com responsabilidade, apoiando quem demonstra vontade de cumprir e rejeitando liminarmente a edificação desordenada de barracas no concelho”, lê-se na resposta da autarquia.

Demolições também na Amadora

Também no concelho da Amadora, ocorreram durante tarde demolições de casas autoconstruídas na Estrada Militar (Mina de Água).

Segundo fonte da Câmara Municipal da Amadora, durante o dia de hoje foram demolidas oito das 22 habitações precárias previstas.

Também aí fora, dadas às famílias dois dias para sair. E, segundo a Vida Justa, há mais cerca de 10 crianças que ficarão desalojadas.

A Câmara da Amadora, presidida por Vítor Ferreira (PS), disse que “não permitirá a proliferação de construções ilegais” e que foram identificadas novas construções ilegais na Estrada Militar da Mina (antigo Bairro de Santa Filomena).

Serão demolidas, porque “representam um retrocesso nos esforços que o município tem vindo a desenvolver”.

Ali moram “cerca de 30 adultos e 14 crianças/jovens”, adiantou Vítor Ferreira.

Segundo a autarquia, as famílias tiveram acompanhamento para encontrar “soluções legais e de emergência” que garantam “a saúde pública e a dignidade humana”.

Violação da lei?

Para o movimento Vida Justa, estas demolições violam a lei (nomeadamente o regime jurídico da urbanização e da edificação e a Lei de Bases da Habitação e respetiva regulamentação) e também os compromissos do Estado português em matéria de direitos humanos.

Noite passada em tendas e na Igreja

As famílias desalojadas em Loures, após a demolição de 51 habitações precárias no Bairro do Talude, vão pernoitar esta noite em tendas e numa igreja local, disse à agência Lusa fonte do Vida Justa.

“São 62 crianças que vão hoje parar à rua. O apoio da Câmara de Loures a estas pessoas volta a não ser nenhum”, afirmou à Lusa Miguel Dores, do movimento.

Segundo o ativista, as famílias que ficaram desalojadas não tiveram nenhuma solução “viável” por parte da Câmara de Loures e algumas vão pernoitar esta noite em tendas e outras na igreja do Talude.

A autarquia aconselhou as famílias a deslocarem-se aos serviços sociais na Casa da Cultura, em Sacavém, e solicitar apoios.

“Foram disponibilizadas alternativas habitacionais no mercado de arrendamento, com possibilidade de apoio financeiro à caução e à primeira renda”, refere fonte da autarquia.

No entanto, para o movimento Vida Justa trata-se de um “não apoio”, uma vez que os moradores não irão conseguir aceder ao mercado da habitação.

“Apresentaram as mesmas soluções de sempre. Já sabem que as pessoas não conseguem aceder a um arrendamento. Amanhã [terça-feira] voltaremos a estar no bairro”, afirmou.

Sobre a situação na Amadora, Miguel Dores, da Vida Justa, referiu que “à semelhança do que aconteceu em Loures não foi dada nenhuma alternativa viável às famílias desalojadas”.

Miguel Esteves, ZAP // Lusa

1 Comment

  1. se essas pessoas construíram de forma ilegal e se não são cidadãos portugueses, é mandar embora… será então ridículo se tiverem autorização de residência em bairro ilegal…

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