Miguel A. Lopes / Lusa

Programa do governo abria porta a mudanças laborais, mas nunca referiu a “reforma profunda” que é agora proposta. Dois meses passaram, e a aposta na família parece desviar-se do que foi prometido.
Há apenas dois meses, a Aliança Democrática (AD) prometia fortalecer os regimes de igualdade, parentalidade e conciliação entre trabalho e família; prometia flexibilização laboral, com horários adaptáveis e incentivos para empresas que contratassem pais com filhos pequenos ou grávidas.
Durante a campanha para as eleições legislativas, a aliança tinha a família como prioridade no programa — comprometia-se a “apostar na família como a célula base da sociedade e em políticas de apoio à família, de valorização da maternidade e da paternidade, enfrentando a grave crise da natalidade e incentivando as famílias a crescer”.
Dois meses passaram, e o Governo liderado por Luís Montenegro está a propor, com muita polémica, uma “reforma profunda” no trabalho que nunca apresentou com clareza no seu programa eleitoral, além de referências mínimas que em nada faziam antever tudo o que quer mudar na lei do trabalho.
Entre as medidas mais polémicas está a limitação do horário para amamentação até aos dois anos de idade da criança. A ministra Maria do Rosário Palma Ramalho “acha difícil de conceber que, depois dos dois anos, uma criança tenha que ser alimentada ao peito durante o horário de trabalho. Isso quer dizer que se calhar não come mais nada, o que é estranho. Ela deve comer sopa, deve comer outras coisas”.
O Governo quer também que os pais com filhos menores de 12 anos percam o direito de recusar horários ao fim-de-semana ou à noite. Na prática, em alguns setores, trabalhadores veem-se impedidos de ter um horário fixo — de segunda a sexta-feira e com fim de semana livre — caso esse horário seja incompatível com as exigências da empresa.
A proposta de eliminar os três dias de falta remunerada por luto gestacional também tem sido alvo de muitas críticas. Até dentro do PSD já se admite: este anteprojeto “falha em colocar as famílias no centro da política laboral”, escreveu no Público o deputado do PSD João Pedro Louro.
A aliança que se manteve no Governo também nunca disse que ia mexer na violência obstétrica, lei aprovada três meses antes que promove os direitos no parto e que Montenegro quer agora revogar. Aliás, não há qualquer referência no programa ao conceito que o Governo quer eliminar.
A AD também nunca prometeu tirar a sexualidade da disciplina de Cidadania, nem o referiu no programa eleitoral — confessou apenas “rever as aprendizagens essenciais” da mesma.
Olhando para o programa, a única referência a estas mudanças são termos genéricos e abrangentes. Aliás, nota o Público, só na 200.ª página do programa é que se encontra a primeira referência à intenção de “proceder à revisão da legislação laboral, desejavelmente no contexto da Concertação Social”.
No programa a AD fala em “equilibrar a proteção dos trabalhadores com uma maior flexibilidade dos regimes laborais”; a mesma referência a um “equilíbrio”, entre trabalhador e empregador, surge no tema do regime da parentalidade que agora é alvo de polémica.
“Revisitar o regime das licenças de parentalidade e demais medidas de apoio à parentalidade e à conciliação entre a vida profissional e familiar, de modo equilibrado entre mães e pais.”, lê-se; “simplificação do código do trabalho através da racionalização do articulado, focada em reduzir custos de contexto, assim garantindo a maior implementação e compreensão das regras pelas partes”; “revisitar o enquadramento legal e privilegiar a concertação social na definição das regras da relação laboral, ajustadas à realidade de cada sector, ao invés do código do trabalho e demais enquadramentos genéricos legislativos associados”.
“Equacionar a criação de benefícios fiscais (…) para empresas que criem programas de apoio à parentalidade, como creches no local de trabalho para filhos de colaboradores, que contratem grávidas, mães/pais com filhos até aos três anos, horários flexíveis e outros benefícios que facilitem a vida familiar dos funcionários, contribuindo para mudar a cultura de ‘penalização’ de progenitores pelos empregadores”, lê-se ainda no programa.
A reforma significativa que agora é proposta só ganhou tração quando Montenegro admitiu mudar a lei na altura em que a greve histórica da CP assustou o país. Mesmo assim, nunca foi mencionada uma reforma profunda na generalidade da lei laboral.
A reforma, “Trabalho XXI”, não parece ter o consenso dos restantes partidos e deverá enfrentar obstáculos no parlamento.
Está a fazer o que nunca prometeu? Mas, não é isso o que todos fazem? Prometer uma coisa e fazer outra … `Quem ainda acredita merece o prémio Darwin!!
Eu não prometi nada!
Nem posso prometer porque também obedeço ordens. Aqui sou apenas um cacique.
Obrigado pela vossa atenção para este assunto!