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Afinal, o luto gestacional acaba mesmo? É preciso “sobressalto cívico”?

As críticas à proposta de alteração ao Código do Trabalho apareceram rapidamente – mas convém ler tudo, esclarece o Governo.

O Governo quer fazer uma “reforma profunda” no trabalho em Portugal. Na quinta-feira, já foi aprovado em Conselho de Ministros a proposta de alteração à legislação laboral. Aliás, são muitas propostas de alterações.

A reforma chama-se “Trabalho XXI” e quer flexibilizar regimes laborais “que são muito rígidos” para aumentar a “competitividade da economia e promover a produtividade das empresas”, justificou Maria do Rosário Palma Ramalho, ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.

O Governo já entregou aos parceiros sociais esse documento. No meio dos 110 artigos, um começou a ser muito comentado e contestado nos últimos dias: o aparente fim do luto gestacional.

Em causa está o artigo 38.º-A do Código do Trabalho, onde se lê que “a trabalhadora pode faltar ao trabalho por motivo de luto gestacional até 3 dias consecutivos“. O pai tem direito uma pausa laboral igual, de 3 dias consecutivos.

Apesar de faltar, no máximo, 3 dias seguidos ao trabalho, não há qualquer perda no salário, a trabalhadora não é prejudicada em nada.

As Mulheres Socialistas não gostaram da novidade: falam de um “inequívoco retrocesso”.

Explicação do Governo

O Governo enviou um comunicado às redacções onde rejeitam qualquer retrocesso. Pelo contrário: “Na eventualidade de interrupção da gravidez, a trabalhadora terá sempre direito ao gozo da licença de 14 a 30 dias, nos termos dispostos no art. 38.º, n.º 1 (subsidiada a 100 %) (…) A revogação da norma resulta num regime mais favorável à gestante”.

Ou seja, a ideia do Governo é de facto acabar com o regime de falta por luto gestacional – mas acrescentar o regime de faltas para assistência à família à licença por interrupção de gravidez.

O luto gestacional deixa de ter essa designação mas a mãe/pai continuam a ter direito a faltar, mas através da licença por interrupção da gravidez – que agora passa a ter “faltas para assistência à família”.

O Governo garante que a nova lei até iria dar mais dias de pausa à mãe: de 14 a 30 dias, em vez de 3 dias. “Uniformiza o regime”, alega.

“Já o outro progenitor também terá direito de faltar ao trabalho até a um limite de até 15 dias, ao contrário dos actuais três dias”, explicou o Ministério do Trabalho Solidariedade e Segurança Social, em comunicado.

“Sobressalto cívico”

As Mulheres Socialistas não ficaram convencidas: o regime de 15 dias a que o executivo se refere “já existe e corresponde à licença por interrupção da gravidez, aplicável exclusivamente à grávida, mediante avaliação médica e em qualquer fase de gestação”.

“A licença cuja revogação está em curso é diferente: trata-se de uma licença laboral autónoma, remunerada e sem perda de direitos, aplicável a ambos os progenitores, nas situações de perda gestacional até às 24 semanas”, lê-se em comunicado do secretariado nacional das Mulheres Socialistas, Igualdade e Direitos.

Mas também aqui o Governo dá outra versão: a licença fica mais longa e é subsidiada a 100% – não há perda de direitos.

O Diário de Notícias que destaca que o alvo também é outro: desaparecer o conceito de “luto gestacional” também é perder direitos concretos e simbólicos – desaparece o reconhecimento da dor emocional de perdas precoces, e a mulher passa a estar ligada, condicionada, à lógica da doença ou da baixa médica.

Já neste domingo, novas críticas: Livre, BE e PAN acusaram o Governo de crueldade e de atacar as famílias. Fabian Figueiredo (BE) apelou aos portugueses: tem de haver um “sobressalto cívico” contra esta proposta.

Nuno Teixeira da Silva, ZAP //

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