O governo angolano garantiu que “não existe qualquer irritante” nas relações entre Angola e Portugal, salientando que o “Caso Jamaica”, com críticas à atuação da polícia, está ultrapassado, depois de uma atuação “discreta” das duas partes.
Em conferência de imprensa realizada em Luanda, destinada a fazer o “lançamento” da visita a Angola do Presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa, que começa oficialmente quarta-feira, o ministro das Relações Exteriores, Manuel Augusto, lembrou que as autoridades angolanas acompanharam, em conjunto com as congéneres portuguesas, o assunto desde o primeiro momento.
Em causa o incidente entre moradores angolanos daquele bairro, no concelho do Seixal, e a polícia, ocorrido em janeiro e que deu origem depois a uma manifestação realizada em Lisboa, em que se registaram incidentes entre manifestantes e polícias.
Manuel Augusto escusou-se a comentar o tratamento que as autoridades e a imprensa de Portugal deram ao assunto, considerando uma “matéria interna” portuguesa, apesar das críticas, nos dois países, à atuação da polícia.
“O que talvez seja aqui de sublinhar é que as autoridades angolanas não se fizeram acompanhar da imprensa, nem a chamaram para se fazer acompanhar. A nossa embaixada e o nosso consulado, sob nossa orientação, acompanhou a família afetada até ao tribunal que julgou o jovem que foi indiciado. O resultado desse julgamento foi aceitável e o jovem está em liberdade. Angola fez o que tinha de fazer”, disse.
“Quero aqui assegurar que o Governo angolano, através dos seus representantes em Portugal, assumiu as suas responsabilidades, estabeleceu pontes de diálogo com as autoridades portuguesas, condenou o uso excessivo da força, tal como também o fez tem relação ao respeito às autoridades. Tivemos uma atitude permanente, sem muito barulho, mas eficaz”, salientou.
Por outro lado, Manuel Augusto salientou ter estado em contacto com o homólogo português, Augusto Santos Silva. “Teve a hombridade de me ligar, não só para apresentar desculpas, mas também para sublinhar a forma, com sentido de Estado, como as autoridades angolanas reagiram“, sublinhou.
MNE não confirma pedido de desculpas
O Ministério dos Negócios Estrangeiros português esclareceu os contornos da posição assumida junto das autoridades angolanas sobre os incidentes no bairro Jamaica sem nunca referir um pedido de desculpas, como foi divulgado pelo governo de Luanda.
Num esclarecimento enviado à Lusa, o gabinete de Augusto Santos Silva nada reconhece sobre o alegado pedido de desculpas de Portugal, confirmando apenas que os chefes da diplomacia dos dois países “falaram por telefone”, por iniciativa de Augusto Santos Silva, “logo após os incidentes do bairro da Jamaica”, a 20 de janeiro.
Acrescenta que os dois ministros abordaram depois o mesmo tema em 15 de fevereiro, em Luanda, “quer na reunião bilateral, quer na conferência de imprensa conjunta”, mas sublinhando que “em ambas as ocasiões”, a mensagem do Ministério dos Negócios Estrangeiros português “foi sempre a mesma”.
Passou por “lamentar a ocorrência daquele incidente”, por “agradecer a forma como as autoridades angolanas — quer a embaixada em Lisboa, quer o Ministério do Interior — reagiram” e ainda por “comunicar que Portugal manteria Angola informada dos desenvolvimentos e conclusões dos inquéritos em curso”.
Os presidentes de dois dos sindicatos da PSP, Paulo Rodrigues e Peixoto Rodrigues, tinham criticado o suposto pedido de desculpa. Agora, dizem que os membros da unidade policial se sentem “agradados” pelo facto de Santos Silva ter negado o pedido de desculpas de Portugal a Luanda.
Ao Expresso disseram que era positivo que o desmentido tivesse sido feito de forma rápida e assertiva. “Saudamos o ministro. As palavras vindas de Angola estavam a causar revolta interna no seio da PSP”, afirmou Paulo Rodrigues. É por este motivo que Peixoto Rodrigues confessa: “Ficamos agradados com estes últimos desenvolvimentos”.
Várias fontes da PSP consideraram o pedido de desculpas “extemporâneo”, dado que a investigação sobre a atuação da PSP no Bairro da Jamaica ainda está a decorrer.
Marcelo já aterrou em Angola
A visita de Marcelo Rebelo de Sousa a Angola, que arranca esta terça-feira, foi planeada para servir como consolidação à ideia de um novo ciclo entre os dois países, um período de boas relações e a confirmação do sarar de feridas diplomáticas. No entanto, Marcelo começará já com um potencial problema entre mãos, com o Governo português a desmentir declarações do Executivo angolano sobre o caso do bairro da Jamaica.
A sua chegada acontece num clima de boa vontade entre os dois países, meses depois de, também em visita ao país, António Costa ter assegurado que o “irritante” diplomático do caso Fizz – que envolvia o ex-vice presidente angolano, Manuel Vicente – estava resolvido.
O presidente português assegurou ao Expresso que “esta é a consolidação de um novo ciclo iniciado com a posse do presidente João Lourenço”, isto já depois de fonte do Governo angolano ter antecipado que Marcelo receberá nesta visita “um banho de carinho”.
Um dos pontos mais relevantes da visita será o facto de esta acelerar o pagamento de dívidas de Angola a empresas portuguesas, honrando um compromisso que tinha sido assumido por João Lourenço no final do ano passado.
A visita que durará quatro dias e que começará, de forma não oficial, pela sua presença no 65º aniversário de João Lourenço. A começar por Luanda, a viagem estender-se-á ainda pelas províncias de Benguela e Huíla.
O programa da visita de Estado arranca na quarta-feira de manhã, com a deposição de uma coroa de flores no Memorial Agostinho Neto e um encontro com João Lourenço no Palácio Presidencial, onde haverá igualmente conversações ministeriais, seguido de uma conferência de imprensa conjunta.
À tarde, o presidente português discursará numa sessão solene na Assembleia Nacional e encontrar-se-á com estudantes na Universidade Agostinho Neto, onde deu aulas de direito. À noite, terá um jantar oficial.
Marcelo Rebelo de Sousa é acompanhado nesta visita pelos ministros dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, Adjunto e da Economia, Pedro Siza Vieira, e da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural, Luís Capoulas Santos, bem como pela secretária de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, Teresa Ribeiro.
A visita funciona assim como o culminar de uma série de visitas oficiais entre os representantes dos dois países. A presidência considera que esta visita está entre as duas ou três mais importantes do seu mandato.
ZAP // Lusa