Fungo “mágico” converte restos de comida em novos pratos em apenas 36 horas

Vayu Hill-Maini, UC Berkeley

Hambúrguer de polpa de soja inoculada com bolor Neurospora, deixado a fermentar durante vários dias.

Fungo utilizado há séculos na gastronomia indonésia também é capaz de eliminar sabores indesejáveis e acrescentar sabores “alucinantes”. Tudo com recurso ao processo de fermentação.

Deixou de ser chef para se dedicar à química, e agora está a explorar o potencial dos fungos para converter os resíduos alimentares em refeições nutritivas — e saborosas.

Para tal, Vayu Hill-Maini concentrou-se na Neurospora. A ideia, no papel, parece simples e nem sequer é nova: transformar resíduos alimentares em produtos comestíveis através da fermentação.

Na Indonésia, o fungo Neurospora intermedia é utilizado há séculos para produzir oncom, um alimento fermentado feito de polpa de soja. Inspirado por esta prática, Hill-Maini começou a explorar a utilização de fungos para combater o desperdício alimentar, especialmente nos países ocidentais, onde grandes quantidades de alimentos vão para o lixo desnecessariamente.

“A fermentação fúngica tem um enorme potencial não só para enfrentar estes desafios, mas também para criar novos e deliciosos alimentos que beneficiam tanto o planeta como a nossa saúde”, disse Hill-Maini ao Interesting Engineering.

O que é fermentação fúngica?

A sua investigação centra-se na compreensão dos mecanismos moleculares através dos quais os fungos, particularmente a Neurospora, decompõem os resíduos alimentares e os transformam em alimentos nutritivos.

O oncom, prato tradicional da Indonésia, existe em duas variedades: o vermelho, produzido pela fermentação da polpa de soja, e o preto, feito a partir da prensagem de óleo de amendoim. A variedade vermelha obtém o seu sabor caraterístico especificamente a partir da Neurospora intermedia.

Vayu Hill-Maini, UC Berkeley/Blue Hill at Stone Farm and Alchemist

À esquerda, o alimento de Javanês Oriental oncom, feito através do crescimento de bolor Neurospora na polpa de soja. À direita, o que antes era creme de arroz tornou-se uma deliciosa sobremesa servida no restaurante Alchemist.

Até há bem pouco tempo, os processos genéticos por trás dessa transformação não eram bem compreendidos. A pesquisa mais recente de Hill-Maini investiga a composição genética da Neurospora, e identificou dois tipos de fungos: estirpes selvagens encontradas em todo o mundo e estirpes domesticadas adaptadas aos resíduos agrícolas.

A variedade domesticada é especialmente útil para decompor a celulose dos resíduos alimentares, transformando-a em alimentos ricos em proteínas e saborosos. O fungo também pode eliminar sabores indesejados, tornando o produto final mais agradável.

O fungo come os resíduos e produz mais de si próprio, aumentando o teor de proteínas. Também se obtém uma mudança no sabor, onde os sabores desagradáveis associados à soja são reduzidos e os metabolitos benéficos são produzidos em maiores quantidades”, explicou Hill-Maini.

Alteração “dramática” de sabores

Hill-Maini fez uma parceria com chefs do Blue Hill at Stone Barns, em Nova Iorque, para testar como a Neurospora pode ser usada para criar pratos gourmet a partir de resíduos alimentares. Numa experiência, o fungo conseguiu transformar resíduos de leite de soja em alimentos em 36 horas.

A investigação também descobriu que o Neurospora pode crescer numa vasta gama de resíduos agrícolas, incluindo bagaço de cana-de-açúcar, cascas de amêndoa, bagaço de tomate e cascas de banana, sem produzir toxinas.

Uma experiência notável envolveu o Chef Rasmus Munk, que utilizou a Neurospora para criar uma sobremesa para o menu do Alchemist, o seu restaurante em Copenhaga. Munk criou um prato único com vinho de ameixa gelificado, creme de arroz sem açúcar fermentado com Neurospora e um xarope feito de casca de lima torrada. O processo de fermentação alterou significativamente os sabores, acrescentando notas doces e frutadas inesperadas, que Munk descreveu como “alucinantes”.

Noutro ensaio, Hill-Maini e Munk apresentaram o oncom vermelho a um grupo de 60 pessoas que nunca o tinham provado antes. Os participantes descreveram o sabor como “terroso, de nozes e de cogumelo”.

“Sentimos que o processo alterou os aromas e sabores de uma forma bastante dramática – acrescentando aromas doces e frutados. Achei espantoso descobrir de repente sabores como banana e fruta em conserva sem acrescentar nada para além dos próprios fungos”, afirmou Munk em comunicado.

“A fermentação fúngica, penso eu, tem um enorme poder não só para enfrentar os desafios críticos que estamos a enfrentar, mas também para criar novos alimentos deliciosos que são bons para o planeta e para os nossos corpos. Penso que um dia poderemos comprar alimentos que apreciamos e amamos, que são feitos a partir de ingredientes que, de outra forma, seriam desperdiçados”, prevê.

Apesar dos resultados promissores, Hill-Maini reconhece que o aumento da produção de alimentos fermentados por fungos enfrenta alguns desafios. A chave, acredita, está na compreensão do processo de fermentação ao pormenor, o que permitiria resultados mais previsíveis e a capacidade de conceber processos de fermentação específicos adaptados a diferentes tipos de resíduos alimentares.

“O desafio será compreender a fermentação com tanto pormenor que a possamos tornar previsível e conceber racionalmente processos para resultados específicos”, afirmou o chef.

Tomás Guimarães, ZAP //

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