O bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, e o primeiro-ministro, António Costa, vão reunir-se esta terça-feira de manhã. Em causa está um vídeo, divulgado nas redes sociais, em que se vê e ouve o líder do Executivo a chamar “cobardes” a médicos.
Em declarações ao jornal Público, Miguel Guimarães garantiu que a conversa com António Costa, marcada para esta terça-feira de manhã com carácter de urgência, vai ser “objetiva e simples” e que a intenção passa por resolver o conflito e pôr fim ao clima de tensão.
“Não podemos continuar com esta guerra. As declarações do primeiro-ministro foram infelizes. Mas este desabafo [de António Costa] provavelmente tem a ver com as informações que lhe foram dadas pelo presidente da Administração Regional de Saúde [ARS] do Alentejo”, disse.
José Robalo, presidente da Administração Regional de Saúde do Alentejo, tem dito que ameaçou alguns profissionais de saúde com processo disciplinares por quererem “abandonar” os doentes do lar de Reguengos de Monsaraz. No entanto, o bastonário da Ordem dos Médicos garante que isto é falso.
“Os médicos de família [do centros de saúde] foram sempre trabalhar, cumpriram as escalas, nunca faltaram, apesar de terem protestado porque havia falta de equipamentos de proteção individual”, garantiu.
“E os médicos dos hospitais a quem também foi pedido apoio? Os do hospital de Évora foram dar apoio no início. Agora, se eram precisos especialistas em medicina interna no pavilhão onde os doentes ficaram alojados, estes doentes deveriam ter ido para o hospital” para aí serem tratados, acrescentou Miguel Guimarães.
“Houve uma série de coisas que falharam“, afirmou, referindo-se à falta de material fundamental para intervir numa situação de emergência, como desfibradores ou fármacos. “Mas o que o presidente da ARS fez foi tentar defender-se com unhas e dentes e optou por acusar os médicos. Foi uma fuga para a frente.”
Ao contrário do tom sereno adotado pelo bastonário da OM, o presidente da Federação Nacional de Médicos insurgiu-se contra as declarações do primeiro-ministro, considerando-as “chocantes e totalmente inapropriadas“. Já o secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos (SIM) voltou a afirmar que os médicos das Unidades de Saúde Familiar (USF) não têm que prestar assistência nos lares de idosos.
Também esta segunda-feira, os médicos de família lamentaram publicamente as declarações do líder do Executivo, considerando-as “extemporâneas, infundadas e altamente lesivas da dignidade dos médicos de família”. “Consideramos fundamental a união de todos os interlocutores no sector da saúde, na defesa da melhoria da prestação dos cuidados à população.”
O Fórum Médico, que congrega todas as plataformas representativas dos médicos, também manifestou o seu repúdio pelas críticas que têm sido feitas aos profissionais acerca da atuação no surto de covid-19 no lar de idosos de Reguengos.
“[O Fórum Médico] repudia todas as tentativas de denegrir a imagem dos médicos, ainda mais quando as afirmações faltam à verdade sobre os acontecimentos, e recusa alimentar confrontos que não servem os doentes, desviam as atenções dos problemas e atrasam os investimentos e reformas de que o Serviço Nacional de Saúde efetivamente precisa com urgência”, lê-se no comunicado enviado às redações.
Depois do CDS-PP e do Chega, também a Iniciativa Liberal comentou a situação, considerando inadmissível que o primeiro-ministro “atire as culpas” da situação no lar de Reguengos de Monsaraz para os médicos.
“Acho que a manifestação de desagrado por parte da classe [médica] tem toda a razão de ser porque, ao longo destes meses, tem sido dito que a classe médica, de enfermagem e de auxiliares de saúde têm sido autênticos heróis no combate à pandemia e, assim que há um problema, no caso em concreto no lar de Reguengos, as culpas são atiradas para a classe médica e para a falta de profissionalismo e, até, de coragem que teriam tido, para ajudar a resolver o caso. É inadmissível“, disse João Cotrim Figueiredo.
OM não tem conhecimento de recusas no Barreiro
O presidente da União das Misericórdias Portuguesas, Manuel de Lemos, afirmou que houve recusa de assistência médica num lar do Barreiro, no distrito de Setúbal. Neste lar, houve um surto de covid-19 que matou três idosos e infetou dezenas de utentes.
“O lar até tem médica. Na verdade, tem mais do que um médico. Mas os médicos estavam a ter férias no Algarve”, afirmou em declarações à Renascença, esta segunda-feira. O pedido de assistência foi feito aos médicos do centro de saúde do Barreiro, que terão recusado, sem avançar as razões, explicou Manuel Lemos aos jornalistas.
O bastonário da Ordem dos Médicos garante que desconhece o caso. À TSF, Miguel Guimarães sublinhou que, atualmente, “a velocidade com que se dizem coisas, sem serem validadas, é preocupante”. O bastonário afirma, no entanto, que vai tentar informar-se quanto à eventual recusa.
LM, ZAP // Lusa