O Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge (INSA) apelou ao “cumprimento escrupuloso” das medidas de confinamento dado que se observa um aumento da prevalência da variante inglesa em Portugal, estimada em cerca de 13%.
O INSA, através do Núcleo de Bioinformática do seu Departamento de Doenças Infeciosas, estima que desde o início de dezembro tenham sido registados a circular em Portugal cerca de 30 mil casos com a variante recentemente identificada no Reino Unido (VUI-202012/01).
“Tendo em conta os dados da semana 02/2021 (11-17 janeiro), na qual foram confirmados laboratorialmente cerca de 10 mil casos diários, a prevalência estimada da nova variante foi de cerca de 13%”, refere o INSA em comunicado
Dados acumulados, até à data, mostram que não existe diferença na distribuição etária dos casos covid-19 com e sem a variante do Reino Unido. Para ambos os grupos, as faixas etárias mais atingidas são dos 20 aos 50 anos”.
Para a determinação da prevalência da nova variante foi utilizada uma ferramenta, desenvolvida no âmbito da colaboração entre o INSA e a Unilabs, que permite detetar casos em tempo real.
“Através da sequenciação genómica, foi determinada uma correlação forte entre a falha na deteção do gene ‘S’ em alguns testes de diagnóstico e a presença da variante do Reino Unido, com um valor preditivo acima dos 95%, permitindo estabelecer a prova de conceito da validação da utilização deste gene para a identificação da variante do Reino Unido”, adianta.
De acordo com dados analisados até 20 de janeiro, observa-se um crescimento da frequência relativa da variante do Reino Unido a uma taxa de 70% por semana, pelo que as estimativas apontam para que, daqui a três semanas, esta variante possa representar cerca de 60% de todos os casos covid-19 em Portugal.
“Estima-se que a frequência relativa da variante VUI-202012/01 em Portugal não dependa do número de infetados. Dado ser mais transmissível, ela aumentará naturalmente ao longo do tempo mesmo que o número de casos diminua, como se espera que aconteça com o confinamento. Em face desta realidade, é da maior importância o cumprimento escrupuloso das medidas de confinamento decretadas”, sublinha o Instituto Ricardo Jorge.
As conclusões do relatório resultam da análise de 27.096 casos confirmados positivos pelo ensaio “ThermoFisher TaqPath RT-PCR, recolhidos desde 1 de dezembro de 2020, em 287 instalações do laboratório Unilabs distribuídas por todo o continente.
De forma a alargar a vigilância com base na sequenciação genética, o INSA está a receber amostras referentes ao mês de janeiro, provenientes de dezenas de Laboratórios de todo o país, para fazer a monitorização alargada e com representatividade geográfica, da emergência, evolução e distribuição de todas as variantes genéticas do SARS-CoV-2 que circulem em Portugal.
Em relação às variantes do “Brasil” e da “África do Sul”, o INSA salienta que não foram identificados, até à data, quaisquer casos.
“Espera-se que, caso existam casos suspeitos, as amostras correspondentes sejam encaminhadas para o INSA para caracterização genética, sendo que este processo ocorrerá sempre independentemente da vigilância mensal desenvolvida no âmbito do “Estudo da diversidade genética do novo coronavírus SARS-CoV-2 (COVID-19) em Portugal”, sublinha no comunicado.
Pandemia pode ser a maior tragédia da história do país
O assessor do Conselho Diretivo da Administração Regional de Saúde do Norte, Óscar Felgueiras, admitiu que a pandemia de covid-19 poderá ser “a maior tragédia” da história de Portugal e defendeu que é preciso “fechar tudo” para a combater.
Óscar Felgueiras, que é também professor do Departamento de Matemática da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, defendeu que o “fechar tudo” deve também englobar as escolas.
“O que temos à nossa frente é, provavelmente, a maior tragédia dos últimos séculos, se é que é possível encontrar na história do país algo semelhante ao que está e vai acontecer em termos da dimensão do número de óbitos”, referiu, falando numa videoconferência promovida pela Universidade do Minho.
Para aquele especialista, o que vai acontecer nas próximas semanas será um “continuado” aumento de casos, de internamentos e de óbitos.
“Serão as semanas mais difíceis de sempre”, alertou. Para “controlar os danos”, defendeu que Portugal deve seguir o exemplo da Irlanda, fechando tudo.
“E é isso que vai ter de acontecer, não resta grande alternativa, estamos a enfrentar algo que não tivemos de enfrentar antes. Creio que é inevitável [fechar tudo], perante o que temos pela frente. Tudo o que for feito será pouco, é uma situação que não tem sequer comparação com a primeira ou a segunda vaga”, acrescentou.
Em relação às escolas, Óscar Felgueiras lembrou que na semana passada defendeu o encerramento “pelo menos” a partir dos 12 anos, mas que, neste momento, já não sabe se isso “é suficiente”.
Na videoconferência, participou também o delegado de Saúde de Braga, Mário Freitas, que criticou a “onda de otimismo absolutamente irritante” que o país viveu a partir de maio, que, como disse, ajudou a criar “um mundo imaginário” em Portugal, “onde ia correr tudo bem”.
Mário Freitas disse que o que está acontecer este mês “era previsível”, pelo que lhe custa a entender “esta reatividade tão lenta”, com “tanta demora na tomada de decisões”
“Neste momento, face ao número de mortos por covid-19, é como se todos os dias estivesse a cair um Airbus cheio de gente em Portugal. Se isso acontecesse, não fazíamos nada? Estamos a fazer o que consideramos adequado para cada momento mas a realidade ultrapassa-nos”, referiu.
Criticou igualmente a manutenção das escolas abertas, sublinhando que a discussão “maiores de 12 ou menores de 12 nem sequer deve ser colocada”.
A este propósito, questionou por que é que a opinião “de um ou dois especialistas” vale mais do que a de todos os outros.
“Tem de fechar tudo, a situação é caótica”
A infeciologista pediátrica Maria João Brito alertou que não basta encerrar as escolas, é preciso fechar tudo, porque o país está a viver uma “situação de catástrofe” e apelou à vacinação de todos os idosos, “os que morrem”.
No dia em que Portugal registou o maior número de óbitos e de novos casos de covid-19, a responsável pela Unidade de Infeciologia do Hospital Dona Estefânia afirmou que esta situação não vai parar “enquanto alguém não resolver fechar tudo. Não é só as escolas, tem de fechar tudo, a situação é caótica”.
“As pessoas têm de perceber que estamos numa situação muito, muito grave. Para mim, estou numa situação de catástrofe”, lamentou.
A situação do país é “muito complicada. Ninguém sabe muito bem o que está a acontecer. Provavelmente a estirpe inglesa já estará em grande força no nosso país e, portanto, têm de fechar tudo”, reiterou.
“Portugal é o pior país da Europa e o segundo pior do mundo [em termos de mortes e de casos], como é que as pessoas não percebem o que se está a passar aqui”, questionou.
“As pessoas andam a andar nas ruas porque ninguém as manda ficar em casa”, disse, lamentando que se façam confinamentos que “não são apropriados à situação” que o país está a viver do ponto de vista epidemiológico”.
Para evitar mais mortes, a infeciologista defendeu que “a vacinação tem de ser para aqueles que morrem (…), os idosos, independentemente de estarem ou não em lares”, porque “as vacinas são para proteger vidas, são para salvar vidas”.
“As vacinas foram feitas em primeiro e em último lugar para diminuir a mortalidade. Portanto, o que eu quero dizer é que vacinem rapidamente os idosos para evitarmos mais mortos”, acrescentou.
Relativamente às crianças, a médica afirmou que embora sejam menos atingidas que os adultos “a verdade é que aumentaram o número de casos”.
“Temos casos internados, temos casos em cuidados intensivos e hoje estive de urgência e fartei-me de ver crianças com covid-19”, disse a responsável pela unidade de referência para a covid-19 em idade pediátrica, pertencente ao Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central (CHULC).
Neste momento, estão a aparecer mais crianças com a síndrome inflamatória multissistémica associada à covid-19, uma resposta anormal ao vírus em que as defesas do nosso corpo começam a atacar todos os órgãos.
“Antigamente tínhamos um caso de mês a mês, agora temos quatro crianças internadas” com esta doença. “Portanto, temos de tudo, como seria de esperar. Temos crianças pequenas, recém-nascidos, temos pneumonias covid-19, temos infeções cerebrais por SARS-Cov-2, temos tudo”.
No D. Estefânia, que centraliza nesta altura quase todos os casos de covid-19, estão hoje internadas oito crianças em enfermaria e uma em cuidados intensivos, disse a especialista, adiantando que, neste momento, o hospital pediátrico ainda tem capacidade, apesar de poder vir a encher, mas já existe um “plano B”.
“Muitos serviços de pediatria estão a fechar para os adultos começarem a trabalhar, os pediatras estão a trabalhar com os adultos e nós vamos ter que receber a pediatria”, comentou.
A pandemia de covid-19 provocou, pelo menos, 2.058.226 mortos resultantes de mais de 96,1 milhões de casos de infeção em todo o mundo, segundo um balanço feito pela agência francesa AFP.
Em Portugal, morreram 9.465 pessoas dos 581.605 casos de infeção confirmados, de acordo com o boletim mais recente da Direção-Geral da Saúde.
Sofia Teixeira Santos, ZAP // Lusa