A HereAfter AI permite-nos “falar” com familiares mortos através de uma aplicação para telemóvel. A tecnologia ainda é prematura, mas é promissora.
Em 2017, a Microsoft patenteou um chatbot que, se construído, ressuscitaria digitalmente os mortos. Usando Inteligência Artificial (IA) e machine learning, o chatbot traria o nosso ente querido de volta à vida para que a família e amigos pudessem conversar com ele.
A empresa norte-americana HereAfter AI pegou neste conceito e já começou a dar-lhe uso. Aqui, os familiares tornam-se assistentes de voz dentro de uma aplicação para o telemóvel.
Qualquer um pode fazê-lo. O site oferece duas semanas de período experimental, que depois lhe pode suceder um de três planos disponíveis, que vão dos 4 aos 8 dólares por mês.
“Grave até 20 histórias e partilhe até 20 fotos. Aceda à sua própria coleção de memórias interativas e ouça histórias gravadas por familiares ou amigos”, lê-se no plano mais básico da HereAfter AI.
A experiência, até agora, parece prometedora. “As pessoas podem recorrer a réplicas digitais para conforto ou para assinalar marcos especiais, como aniversários”, escreve o MIT Technology Review.
A maioria das pessoas no mundo moderno deixa agora para trás dados suficientes para ensinar programas de IA sobre as nossas idiossincrasias. Duplos digitais convincentes não estão ao virar da equina. Já chegaram.
Se já viu a série Black Mirror, teve um vislumbre daquilo que podem ser estes chatbots. O primeiro episódio da segunda temporada, intitulado “Be Right Back”, conta a história de Martha, uma jovem cujo namorado morre num acidente de carro. Eventualmente descobre que há uma tecnologia que lhe permite comunicar com uma Inteligência Artificial que imita o seu falecida namorado.
O episódio explora não só as incríveis vantagens que uma tecnologia como estas traz, mas também revela um lado negro que muda o paradigma do luto como o conhecemos.
Vários produtos de inteligência artificial da vida real foram comparados àquilo que é mostrado no episódio, incluindo o chatbot Luka, que foi parcialmente inspirado no episódio, e um possível recurso da Alexa, da Amazon, projetado para imitar entes queridos mortos.
Agora, os grandes modelos de linguagem de IA conseguem ingerir algumas frases e cuspir texto convincente em resposta, quase como nas inteligências artificiais que geram obras de arte.
A IA também progrediu na sua capacidade de imitar vozes específicas, melhorando ao ponto de quase fazer uma voz soar “humana”.
Charlotte Jee, editora do MIT Technology Review, testou o HereAfter AI e revelou algumas passagens da sua experiência a falar com o pai e a mãe.
“Olá, daqui é Jane Jee e teria todo o gosto em falar-te sobre a minha vida. Como é que estás hoje?”
Eu ri, nervosa.
“Estou bem, obrigado, mãe. Como é que estás?”
Longa pausa.
“Bom. No meu caso, ando bem.”
“Pareces meio antinatural”, disse eu.
Ela ignorou-me e continuou a falar.
“Antes de começarmos, aqui estão algumas dicas. As minhas habilidades de audição não são as melhores, infelizmente, por isso tens que esperar até que eu termine de falar e faça uma pergunta antes de dizeres algo de volta. Quando for a tua vez de falar, por favor, mantém as respostas bem curtas. Algumas palavras, uma frase simples, esse tipo de coisa”, explicou ela.
Depois de um pouco mais de introdução, concluiu: “Ok, vamos começar. Há muito o que falar. A minha infância, carreira e os meus interesses. Qual desses soa melhor?”
O discurso da mãe de Charlotte parece invariavelmente saído de um guião. No entanto, a própria realça que “à medida que a conversa avançou”, com a mãe a contar memórias e a falar com as suas próprias palavras, “soava muito mais relaxada e natural”.
É uma tecnologia embrionária e ainda há um longo caminho pela frente até que estas versões digitais dos nossos entes queridos falecidos soem mais humanas. Ainda assim, é um ponto de partida promissor para o que pode vir no futuro.