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O fim da arte como a conhecemos? O imbróglio das obras geradas por Inteligência Artificial

Jason Allen / Midjourney

Théâtre D’opéra Spatial, gerado através da Inteligência Artificial do Midjourney.

A arte gerada por Inteligência Artificial é um tema altamente discutido. Quem é que a detém? É considerada arte? Afinal, quais são os seus perigos?

É um tema que tem estado por todo o lado na internet nos últimos tempos. Embora não seja algo propriamente novo, a arte gerada por Inteligência Artificial (IA) está a tornar-se cada vez mais mainstream. Há dezenas, ou até centenas, de sites gratuitos em que consegue criar obras de artes quase instantaneamente.

Na realidade, quem faz o trabalho é a Inteligência Artificial, sendo que apenas precisa de inserir um par de palavras sobre aquilo que deseja ver retratado. A máquina carbura por uns segundos, et voilà, um quadro pintado por uma máquina.

À primeira vista, não parece haver nada de mal com isto. Afinal, quem é que não gostaria de ter a técnica de Picasso ou Monet à distância de um clique? A questão é que os problemas em torno da arte gerada por Inteligência Artificial são bem maiores do que possa inicialmente pensar.

A personificação do problema talvez seja o caso do artista de IA chamado Jason Allen que entrou no concurso de artes plásticas da Feira Estatal do Colorado e ganhou o primeiro lugar, na categoria de Artes Digitais/Fotografia Digital Manipulada.

Allen utilizou o Midjourney — um modelo de síntese de imagem comercial disponível através num servidor — para criar uma série de três imagens. Depois, aumentou-as, imprimiu-as em tela, e enviou-as para o concurso no início de agosto.

A vitória de Allen causou discussões no Twitter, no Reddit, e no servidor Midjourney Discord sobre a natureza da arte e o que significa ser um artista.

Alguns dos críticos acreditam que a arte humana está condenada graças à IA e que todos os artistas estão destinados a ser substituídos por máquinas. Outros pensam que a arte evoluirá e se adaptará com as novas tecnologias que aparecerem.

As ferramentas de síntese de imagens no seu estado atual requerem um elevado grau de orientação e de seleção humana para alcançarem bons resultados, mas o setor está a evoluir rapidamente, e eventualmente pode mudar.

Um “campo de minas legal”

Preocupações legais foram levantadas em torno dessas imagens geradas por IA, como quem realmente possui as imagens e se elas podem infringir obras existentes protegidas por direitos de autor.

A Getty Images, por exemplo, proibiu a venda de obras de arte geradas por Inteligência Artificial.

Ao The Verge, o CEO da Getty Images, Craig Peters, disse que a proibição foi motivada por preocupações sobre a legalidade do conteúdo gerado por IA e o desejo de proteger os clientes do site.

Jonathan Løw, cofundador da JumpStory, que usa IA para encontrar imagens originais que podem ser usadas legalmente, disse ao SiliconRepublic que o uso de imagens geradas por IA para fins comerciais pode colocar as pessoas em risco de serem processadas.

“Neste momento, o campo de minas legal ainda não está repleto de minas. Mas o campo minado está lá e é real”, disse Løw.

Além do já referido Midjourney, também o DALL-E e o Stable Diffusion são capazes de entender a relação entre uma imagem e as palavras usadas para descrevê-la. O conceito é relativamente simples: a IA consegue criar imagens a partir de palavras escolhidas pelo utilizador.

As ferramentas de síntese de imagens no seu estado atual requerem um elevado grau de orientação e de seleção humana para alcançarem bons resultados, mas o setor está a evoluir rapidamente, e eventualmente pode mudar.

Para que isto seja possível, os modelos são treinados usando uma enorme quantidade de imagens. A OpenAI, da Google, disse que o seu DALL-E 2 é treinado com cerca de 650 milhões de imagens, a partir de uma mistura de fontes publicamente disponíveis e “fontes que licenciamos”.

A OpenAI disse numa publicação do GitHub, em abril, que tinha tomado medidas para evitar que problemas de direitos de autor ocorressem.

Løw avisa que as imagens usadas para treinar os modelos de IA são “cruciais”, pois podem criar novas imagens que imitam uma original, levando a riscos de violação de direitos de autor.

O especialista em lei de propriedade intelectual Bradley J Hulbert disse ao TechCrunch que obras de arte que se assemelham a uma “obra protegida”, como uma personagem da Disney, precisam de ser “transformativas” para serem protegidas legalmente.

Num artigo publicado em 2020, investigadores da Stanford Law School, defendem o uso de material protegido por direitos de autor em plataformas de machine learning.

“O uso justo é mais do que apenas transformar obras protegidas por direitos de autor em novas obras. Trata-se de preservar a nossa capacidade de criar, partilhar e construir novas ideias. Por outras palavras, trata-se de preservar a capacidade de aprender – mesmo que a entidade que está a aprender seja uma pessoa ou um robô”, escreveram os autores do artigo.

Quem é que detém a arte?

Outra questão muito debatida à volta da arte gerada por IA é: quem é que a detém? É o homem ou a máquina? É o algoritmo ou… nenhum deles? Nos Estados Unidos, esta questão está já a dar muitas dores de cabeça, à medida que se tenta encontrar uma resposta.

O United States Copyright Office, a organização governamental que lida com direitos de autor, disse que “a arte de IA não possui a autoria humana necessária para sustentar uma reivindicação de direitos de autor”. Assim, de acordo com a lei norte-americana, as imagens derivadas não estão sujeitas a proteção de direitos de autor.

Ainda assim, um artista recebeu aquele que é tido como o primeiro registo de direitos de autor conhecido nos EUA para arte de IA. Kris Kashtanova recebeu registo de direitos de autor pela sua romance gráfico que apresenta obras de arte geradas por IA, escreve o ArsTechnica. Em causa está o livro “Zarya of the Dawn”, criado com imagens geradas pelo Midjourney.

“Obtive direitos de autor do Escritório de Direitos Autorais dos EUA para a minha novela gráfica gerada por IA. Eu fui transparente sobre como foi feita e coloquei Midjourney na capa. Não foi alterada de nenhuma outra forma. Só da forma que viu aqui. Tentei argumentar que possuímos direitos de autor quando fazemos algo usando IA. Registei como trabalho de artes visuais. O meu certificado está no correio e recebi o número e uma confirmação hoje de que foi aprovado. O meu amigo advogado deu-me essa ideia e resolvi abrir um precedente”, anunciou através do Instagram.

O caso é semelhante na lei britânica. No entanto, tanto na Austrália como na África do Sul, deram recentemente direitos de autor e patentes a obras geradas por Inteligência Artificial.

Na maioria dos países, todavia, não é possível proteger a arte gerada por IA com direitos de autor. Ainda assim, é possível vendê-la? Depende.

Nos Termos & Condições do Stable Diffusion, por exemplo, é dito que o utilizador não detém qualquer direito da obra e que abdica de “qualquer direito de reproduzir, copiar, preparar trabalhos derivados, distribuir, vender, executar e/ou exibir” as imagens.

No ano passado, a Christie’s tornou-se a primeira casa de leilões a colocar uma obra de arte gerada por IA à venda. A peça foi vendida por 432.500 dólares — mais de 40 vezes a sua estimativa de 10.000 dólares.

Jason Bailey, fundador do site de análise de arte Artnome, argumenta que se o que separa a nossa geração dos seus predecessores é a invenção de computadores, então o software ou arte computacional é necessariamente a arte mais importante da nossa geração.

Execuções do ISIS e pornografia não consensual

O que é que execuções do Estado Islâmico e pornografia não consensual têm a ver com arte gerada por Inteligência Artificial? De acordo com a Motherboard, para criar os poderosos geradores de arte de IA, os engenheiros estão a treinar programas para absorver o máximo de dados possível, sem questionar de onde vêm.

Onde é que estas máquinas estão a ir buscar as fotografias? Estão a aspirá-las da internet — um lugar cheio de pornografia infantil, vídeos de execução do ISIS e imagens adultas não consensuais.

O site Have I Been Trained permite que pesquisar o conjunto de dados LAION-5B, que contém 5,8 mil milhões de imagens extraídas da internet. LAION-5B e LAION 400M (que contém 400 milhões de imagens) não são usados pelo DALL-E 2 ou Midjourney, mas são usados em parte por vários outros projetos, incluindo o AI Stable Diffusion.

A Motherboard usou o site para pesquisar termos como “execução do ISIS” e nomes de celebridades e imediatamente encontrou fotos de violência extrema e pornografia não consensual incluídas nos conjuntos de dados.

Daniel Costa, ZAP //

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