Porque Van Gogh comia tinta amarela? A obsessão perturbadora por trás das suas obras-primas

Van Gogh Museum / wikimedia

Auto-Retrato de Vincent Van Gogh

A compulsão de Van Gogh por comer tinta amarela e beber terebontina provavelmente vinha de um desejo bioquímico por terpenos.

O seu comportamento reflete a condição psiquiátrica conhecida como pica, agravada por múltiplos distúrbios mentais e um ambiente sem tratamentos eficazes.

Apesar do seu imenso talento artístico, a vida trágica de Van Gogh foi marcada por episódios autodestrutivos que a ciência só agora começa a entender plenamente.

Muita gente sabe que Vincent van Gogh adorava a cor amarela, mas sabia que ele gostava tanto que chegou a comer tinta amarela? A questão sobre Van Gogh comer tinta aparece com tanta frequência que o tema é abordado até na secção de Perguntas Frequentes do site oficial do Museu Van Gogh.

Algumas pessoas acreditam que fazia isso porque achava que a tinta amarela o deixaria mais alegre. Outros, incluindo o seu psiquiatra, acreditavam que ele comia tinta numa tentativa de se matar.

A verdade é mais difícil de captar nem o próprio Van Gogh sabia ao certo por que o fazia. Numa carta ao seu irmão, escreveu: “Parece que eu pego em coisas imundas e como-as, embora as minhas memórias desses maus momentos sejam vagas“.

Então qual seria o verdadeiro motivo por que Van Gogh comia tinta amarela?

Segundo o Big Think, os cientistas acreditam agora que ele tinha um desejo bioquímico por uma substância chamada terpenos — blocos químicos naturais, encontrados principalmente em plantas, que lhes dão os aromas característicos.

Porque é que uma rosa cheira diferente de agulhas de pinheiro? Isso é graças aos terpenos. Quem consome cannabis talvez conheça o termo, já que os terpenos são os responsáveis pela grande variedades da planta.

Os terpenos são bastante potentes, então geralmente aparecem em concentrações muito baixas. Um pouco já é suficiente para dar aroma. É como perfume: um borrifo chama a atenção, mas se exagerares, vai fazer os olhos lacrimejarem e as pessoas fugirem.

Van Gogh tinha um “faro” para os terpenos e procurava-os compulsivamente. Mas o mais curioso é que ele não fazia isso conscientemente — ele nem saia o que eram terpenos ou por que os queria. Só sabia que os desejava.

Por isso bebia absinto — uma bebida alcoólica feita de losna e outras plantas. É verde-esmeralda, com um aroma forte e amadeirado, e tem uma concentração altíssima de álcool — cerca de 60% de Álcool por Volume.

A bebida tem um ritual todo especial, coloca-se o absinto num copo, põe-se uma colher perfurada por cima com um cubo de açúcar, e derrama-se água gelada para dissolver o açúcar, criando uma mistura turva e esverdeada. Depois é que se bebe.

O absinto era muito popular em França no final do século XIX, época em que Van Gogh vivia lá. Inicialmente, era bebida da elite artística, mas nos anos 1880, uma praga destruiu os vinhedos franceses e o vinho ficou caríssimo — o que tornou o absinto uma alternativa mais barata, popular entre os pobres e marginalizados — isso era perfeito para Van Gogh, já que era artista e pobre.

Ansiava pelos terpenos do absinto, então bebia quantidades absurdas — muito mais do que um ser humano deveria. Infelizmente, o absinto até tem terpenos, mas em quantidades mínimas, o que não bastava para satisfazer os seus desejos químicos.

O consumo excessivo de terpenos pode causar mudanças de humor, convulsões, alucinações e comportamentos psicóticos. Nenhuma pessoa racional escolhera passar por isso. Então, por que Van Gogh insistia?

Van Gogh tomava muitas más decisões: fumava em excesso, bebia demais, frequentava bordéis, expondo-se a doenças sexualmente transmissíveis como a sífilis, que pode causar danos cerebrais.

Além disso, consumia tinta com altos níveis de chumbo e solventes como terebintina — produtos altamente tóxicos.

Também procurava terpenos em produtos ainda menos saudáveis. Terpenos são usados em perfumes, pesticidas e produtos de limpeza. Não são feitos para consumo, mas isso não o impediu, o que caracteriza a pica — um distúrbio compulsivo de ingerir substâncias não alimentares.

Como pintor, Van Gogh tinha o estúdio cheio de tintas e terebintina — ou seja, fontes ricas em terpenos. Aliás, o termo “terpeno” vem de uma antiga forma da palavra terebintina.

O problema é que estes produtos são altamente tóxicos e provocam danos cerebrais quando ingeridos.

A pica não era o único distúrbio mental de Van Gogh. Os médicos passaram décadas a tentar diagnosticar a sua condição exata. Há dezenas de teorias: epilepsia, esquizofrenia, transtorno bipolar, sífilis, transtorno de personalidade borderline, psicose ciclóide, delírio alcoólico, transtorno maníaco — depressivo, até insolação — mas o diagnósticos exato continua incerto.

O que se sabe é que ele sofria de surtos psicóticos periódicos — momentos de loucura em que agia de forma perigosa e imprevisível. Era padrão na sua vida: desmaiava, fazia algo horrível e depois, quando retomava a consciência, não se lembrava de nada — mas todos à sua volta estavam em choque.

O exemplo mais famoso é o da orelha cortada. Toda a gente sabe que Van Gogh cortou a orelha, mas sabe o que ele fez logo a seguir? Foi ao bordel que frequentava e entregou a orelha cortada a uma jovem empregada chamada Gabrielle, que limpava os quartos. No hospital, mais tarde, não se lembrava de nada.

Ainda assim, pintou vários autorretratos com a cabeça enfaixada, cobrindo a orelha ausente.

Com o agravamento dos comportamentos autodestruitivos, Van Gogh percebeu que não podia viver sozinho. Internou-se voluntariamente num asilo, o que foi a decisão certa — pouco antes disso, tiveram que impedi-lo de beber quase um litro de terebintina diretamente da garrafa.

Foi internado a 08 de maio de 1889, com 36 anos, poucos meses após o incidente da orelha. Ficou lá pouco mais de um ano. O asilo e os seus jardins tornaram-se temas de muitas das suas pinturas. Foi nesse período que criou a célebre Noite Estrelada.

No geral, a vida no asilo trouxe-lhe uma certa paz. Como a internação foi voluntária, às vezes tinha permissão para pintar fora dos muros ou viajar a exposições.

Mas um ano depois, Van Gogh insistiu em sair — dizia-se preso e queria viver de forma independente. Mudou-se para uma aldeia do norte de Paris, onde planeava viver no campo, pintar e ser feliz. Um médico simpático, Paul Gachet, comprometera-se a cuidar dele. Mas essa supervisão ocasional era insuficiente.

Tudo parecia correr bem — até que, a 27 de julho de 1890, apenas dois meses depois de sair do asilo, sofreu mais um surto. Desta vez, atirou-se a si próprio com um revólver, atingindo o abdómen. Apesar de não ter atingido órgãos vitais e de ter recebido cuidados médicos, a ferida infecionou e ele morreu dois dias depois.

As suas últimas palavras foram: “a tristeza durará para sempre“.

Hoje, Van Gogh é considerado um dos maiores artistas de todos os tempos, e os seus quadros valem centenas de milhões. Durante a sua vida, porém, foi um homem louco, pobre e ignorado, tendo dito numa carta ao irmão: “Não posso mudar o facto de que os meus quadros não se vendem”.

Teresa Oliveira Campos, ZAP //

Deixe o seu comentário

Your email address will not be published.