Num bar, completamente por acaso, Vincent van Gogh acabou por conhecer uma das pessoas mais importantes da sua vida, que lhe deu alguma alegria nos momentos mais difíceis.
Foi no dia 23 de dezembro de 1888, certamente sem se sentir envolvido no espírito natalício, que Vincent van Gogh cortou a sua própria orelha. De seguida, ofereceu-a a uma prostituta. Tudo podia ter corrido ainda pior, não fosse o “anjo da guarda” que lhe reorientou a vida, conta a BBC.
Tudo começou em fevereiro desse ano, quando o célebre pintor holandês se mudou para a cidade francesa de Arles. Queria alguém para pintar, e num bar acabou por conhecer Joseph Roulin, um carteiro que gastava grande parte do seu modesto ordenado em bebida.
Roulin aceitou de imediato ser retratado, e em troca só pediu comida e bebida. Entre agosto de 1888 e abril de 1889, Van Gogh fez seis retratos de Roulin, com o seu uniforme azul dos correios e com uma expressão esperançosa. Estes quadros são a peça que contrasta com o tom triste e agonizante de várias pinturas de Van Gogh nessa época.
Numa carta, o pintor escreveu que este homem simples era “um homem mais interessante do que muita gente”. Era humilde, mas tinha “um eco distante do clarim da França revolucionária”, e fascinou o holandês pelo seu ar inteligente e o seu orgulho. Acabou por apelidar Roulin de “Sócrates”. E assim ficou.
Roulin acabou por se tornar numa bizarra espécie de musa inspiradora, e os dois acabaram por desenvolver uma forte amizade.
O carteiro, um homem rural, de tez rosada, tinha apenas mais 12 anos do que o pintor, mas acabou por se tornar para Van Gogh uma espécie de figura paternal.
Foi assim que, em dezembro do ano em que se conheceram, Roulin acabou por se encarregar de colocar Van Gogh num hospital psiquiátrico, onde lhe ia fazendo visitas. Também pagou a renda do pintor enquanto este esteve internado, e passou com ele muito tempo. Dava-lhe conselhos e fazia-lhe companhia.
Jutno deste curioso homem, havia algo que Van Gogh nunca teve, mas que admirava: uma família. Conviveu com a mulher e os dois filhos de Roulin, que também retratou, sempre com cores alegres e cenários quotidianos. Ao todo, criou 26 retratos da família.
Na rua, Van Gogh era “o louco ruivo”, mas na família Roulin, que aceitava a sua doença mental e o integrou no seu quotidiano, sentia-se feliz, e encontrou o conforto que o impediu de se afundar na tristeza, que tantas vezes o atormentava.
“Foi comovente vê-lo com os seus filhos no último dia, sobretudo com a mais pequena, quando a fazia rir, saltava sobre os joelhos e cantava para ela”, escreve num das suas cartas o pintor, comovido com a simplicidade daquela família camponesa.
Agora, uma nova exposição no museu MFA em Boston, nos EUA, exibe pela primeira vez os retratos da família Roulin, e explora esta estreita amizade e a forma como beneficiou a história da arte.
A curadora, Katie Hanson, conta que “a exposição realça o facto de Roulin não ser apenas um modelo para ele — foi alguém com quem desenvolveu um laço de amizade muito profundo.”
“Longe de ‘fugir à tristeza’ deste período da vida de Van Gogh”, diz ela, “a exposição testemunha o poder das relações de apoio e a realidade de que a tristeza e a esperança podem coexistir“.