“Eu não voo ali”. Queda de avião no Nepal é apenas mais um episódio

Krishna Mani Baral / EPA

Companhias aéreas do país estão proibidas de voar no espaço aéreo europeu, depois da UE ter reprovado as suas medidas de segurança. 

O acidente com um avião que vitimou 70 pessoas no passado domingo, no Nepal, colocou o setor da aviação do país no centro de um debate mundial. O voo em causa decorria numa aeronave ATR-72, era operado pela Yeti Airlines, uma companhia nepalesa, e fazia a ligação entre Kathmandu e Pokhara — cidade que teve o seu aeroporto internacional inaugurado apenas recentemente. Quando nada o parecia antever, a aeronave começou a perder altitude e acabou por se despenhar no rio Seti.

Tal como destaca o site Vice, trata-se do acidente mais mortal da história da aviação nepalesa nos últimos 30 anos, o que, à primeira vista, poderia mascarar uma dura realidade: a que o país tem das aviações menos seguras do mundo. Desde 2000, houve pelo menos 21 acidentes de avião fatais no Nepal, os quais vitimaram mais de 30 vidas. A Yeti Airlines, assim como a sua subsidiária, a Tara Air, estão envolvidas em desastres de avião desde 2004.

Do acidente de domingo saíram ainda dados tão curiosos como nefastos. Raramente as vítimas mortais dos desastres aéreos do país são tão elevadas como as do acidente de Pokhara, e raramente há tantas vítimas de diferentes países. Esta tragédia ceifou as vidas de 53 nepaleses, bem como de viajantes da Austrália, Argentina, França, Índia, Irlanda, Coreia do Sul e Rússia.

Precisamente por este motivo, o acidente teve especial destaque na imprensa mundial, com os baixas exigências do país em termos de segurança aérea a serem destaque nos quatro cantos do mundo. Por exemplo, a União Europeia proibiu todas as companhias aéreas nepaleses de operar no seu espaço aéreo em 2013, depois de a Organização da Aviação Civil Internacional (ICAO) ter declarado que não cumpriam uma série de protocolos críticos.

É que apesar do país dos Himalaias sofrer de uma topografia especialmente desafiante, em termos de segurança de voo, os especialistas sugerem que o problema é exacerbado pela falta de recursos e alguma relutância em tratar os perigos claros e atuais das viagens aéreas com a seriedade que estes merecem.

Segundo Geoffrey Thomas, especialista em aviação ouvido pela Vice, o Nepal é “provavelmente um dos lugares menos seguros do mundo para se voar, dado o número de acidentes em função da quantidade de tráfego“.

“Acredito que a aviação [no Nepal] não tem a segurança como a prioridade que deveria ser”, disse, acrescentando outras questões. “Têm de colocar mais recursos na formação de pilotos, têm de colocar mais recursos na atualização das aeronaves, têm de melhorar os seus aeroportos, têm de melhorar a supervisão da sua indústria aeronáutica… Mas como muitos países que não são tão ricos, é muito difícil de fazer porque a aviação é um negócio caro“. “Algumas das companhias aéreas”, acrescentou, “estão mais interessadas em processá-lo judicialmente do que em melhorar o seu historial de segurança”.

Thomas fala por experiência própria. Em anos anteriores, várias companhias aéreas nepalesas ameaçaram processar o seu website (Airlineratings.com), que fornece análises de segurança especializadas de centenas de companhias aéreas em todo o mundo, por classificá-las mal e “prejudicar o turismo“.

Embora se tenha recusado a citar as companhias pelo nome, sugeriu que tal reação é sintomática de uma realidade perturbadora: que as companhias aéreas poderiam estar dispostas a dar prioridade à marca e reputação em detrimento da segurança dos passageiros.

“Eu, por exemplo, nunca voaria no Nepal“, declarou. “Não com o que eu sei… através dos meus contatos na formação de pilotos e coisas do género. Tenho algumas reservas significativas sobre algumas das normas em algumas das companhias aéreas”. “Estamos sempre à espera de uma tragédia no Nepal”.

Os sucessivos episódios deixaram na população do Nepal a sensação de que algo podia ter sido feito para evitar mais uma tragédia. Na noite de segunda-feira, uma centena de pessoas reuniu-se em Kathmandu para homenagear as vítimas, mas também apelar ao governo para que estabeleça mais critérios de segurança no setor da aviação.

Keith Tonkin, director-geral da empresa australiana de consultoria aeronáutica Aviation Projects, notou que embora factores ambientais hostis e infraestruturas inseguras representem desafios únicos para o país, as questões de governação também estão a atrasar e a prejudicar as coisas.

“Um dos problemas é que porque o Nepal tem muitos terrenos montanhosos e as pistas de aterragem… é mais difícil implementar tanto as normas como as práticas recomendadas que outros adotaram”, disse à Vice. “Portanto, há aspectos práticos, mas há também a situação de governação e supervisão que não é a ideal”. Nos 10 anos desde que o sector da aviação do Nepal foi adicionada à lista negra pela ICAO e depois pela UE, a taxa de acidentes aéreos fatais por ano tem-se mantido mais ou menos estável, resultando na morte de pelo menos 189 pessoas.

ZAP //

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