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Está Trump a afundar os EUA numa recessão? E pode chegar à Europa?

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gints.ivuskans/DepositPhotos

Donald Trump em Bruxelas.

Donald Trump em Bruxelas.

Donald Trump prometeu reduzir a inflação logo no primeiro dia do seu mandato, mas parece estar a fazer precisamente o contrário. E entre a incerteza quanto ao futuro, já se fala numa “Trumpcession”, com receios de uma recessão que pode afectar o mundo inteiro.

As tarifas de 25% impostas pelos EUA a México e Canadá entraram em vigor nesta terça-feira, 4 de Março, o mesmo dia em que arrancaram taxas de 20% para as importações da China.

Este aumento de impostos é universal e, portanto, impacta todos os produtos destes países que entrem nos EUA. Apenas as importações de energia do Canadá ficam sujeitas a uma taxa menor de 10%.

São tarifas especialmente duras para três dos maiores parceiros comerciais dos EUA – e todos vão sofrer o impacto, incluindo os EUA.

Efeitos podem ser catastróficos para o Canadá

O primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, já anunciou que o país vai responder na mesma moeda, com tarifas de 25% a produtos norte-americanos, que terão efeito daqui a 21 dias, para dar tempo às empresas canadianas para se prepararem.

Trudeau também acusou Trump de desejar o “colapso completo” da economia canadiana, para facilitar a anexação do Canadá pelos EUA.

Mas avisou ainda que “os americanos perderão empregos” e que “pagarão mais pelos mantimentos, gasolina, carros e casas“.

“Mesmo que [Trump] seja um tipo muito inteligente, isto é uma coisa muito idiota de se fazer”, atirou ainda o primeiro-ministro canadiano.

Os economistas admitem que os efeitos das tarifas podem ser catastróficos para a economia do Canadá.

O governante da província do Québec, François Legault, já alertou que esta região pode perder até 160 mil empregos nos próximos meses.

Em Ontário, a província canadiana mais poderosa em termos económicos, já foram retiradas das prateleiras dos supermercados bebidas destiladas e vinhos americanos.

E o governador local, Doug Ford, proibiu as empresas americanas de licitarem contratos de aquisição, rompendo também um acordo com a empresa Starlink de Elon Musk.

No México, a “recessão” é certa, como alerta a diretora-geral do Centro de Investigação em Política Pública, Valeria Moy, em declarações à BBC Mundo.

Este país envia mais de 80% das suas exportações para o mercado norte-americano, desde automóveis e semicondutores a petróleo e abacates.

A China resolve taxar os EUA onde dói mais, atacando o seu calcanhar de Aquiles quanto às exportações deste país, anunciando taxas adicionais de 15% para os produtos agrícolas.

“Trumpcession”

As tarifas de retaliação de Canadá, México e China também vão prejudicar as empresas americanas que vendem produtos nestes países.

E o preço dos produtos importados pelos EUA, como bens domésticos, electrodomésticos, automóveis e electrónica, também vão aumentar.

“Os negócios que dependem de produtos importados sofrerão e poderão até fechar. As pessoas perderão os seus empregos“, alerta o economista-chefe da consultora Redfin, Daryl Fairweather, em declarações à revista de informação Newsweek.

É que, ao contrário do que Trump parece dizer nas suas comunicações, as tarifas são impostos pagos pelo país importador. Ora, quando o importador paga um preço mais elevado, esse custo extra passa, na totalidade ou em parte, para o consumidor.

O Presidente dos EUA tem dito que as tarifas vão “tornar os americanos mais ricos”, gerando receitas adicionais para o Governo, criando novos empregos e crescimento económico.

Mas, na realidade, pode acontecer precisamente o contrário, e há receios de que esteja a caminho uma recessão ou uma “Trumpcession”, como lhe chama a Newsweek.

Inflacção pode subir para 6,2% nos EUA

A instabilidade é sempre prejudicial para a economia e as constantes mudanças de posição de Trump têm contribuído muito para uma ideia de caos que se instalou: ora impõe tarifas, ora recua, ora volta a impô-las! E não se sabe o que esperar a seguir.

Esta incerteza não abona a favor do crescimento económico, nem do emprego, e deteriora a confiança dos consumidores, o que abranda o consumo – o principal motor da economia dos EUA.

“O índice de confiança do consumidor do Conference Board caiu recentemente sete pontos para 98,3, com o índice de expectativas a cair abaixo do limite de alerta de 80, que geralmente sinaliza uma recessão à frente”, aponta a Newsweek.

“As projecções da inflação aumentaram de forma acentuada, com as previsões para o próximo ano a estimarem um aumento de 6,2% nos preços, acima dos actuais 5,2%”, analisa ainda a revista de informação.

Os despedimentos em massa de funcionários do Governo, o congelamento de despesas federais e as quedas no mercado bolsista só agravam a incerteza.

“Stress” dos consumidores já se sente nas lojas

O CEO da Walmart, a cadeia de retalho que tem as maiores receitas em todo o mundo, e que funciona como um indicador sobre o consumo global dos norte-americanos, revelou numa conferência em Chicago, que a empresa já está a sentir “comportamentos de stress” entre os consumidores.

“Pode ver-se que o dinheiro acaba antes do mês acabar, as pessoas estão a comprar embalagens mais pequenas no final do mês”, referiu o CEO da cadeia que é conhecida por praticar preços baixos – e as novas tarifas ainda não começaram a surtir efeito.

Os preços dos produtos alimentares são os que mais têm pesado na factura dos americanos, e é onde se sente mais a inflação. Os ovos, por exemplo, estão 15% mais caros.

E quem sente “mais frustração e dor” é quem está no fundo da pirâmide dos rendimentos, ou seja, quem ganha menos, como atestou McMillon.

“Esperar para ver”

Quanto ao futuro, “a crescente incerteza em torno da política comercial, fiscal e regulamentar está a obscurecer as perspectivas“, analisa o economista Gregory Daco da divisão de consultoria estratégica da Ernst & Young em declarações citadas pelo El País.

Daco não duvida, contudo, que “tarifas mais elevadas” causam um “impulso inflacionista” e provocam “impactos negativos no crescimento” económico.

“Uma maior incerteza política” também pode “levar à volatilidade nos mercados financeiros”, motivando as empresas e os consumidores a adoptarem “cada vez mais uma atitude de ‘esperar para ver’”, analisa o economista.

O especialista em estratégia de câmbios do Banco da América, Alex Cohen, refere ao El País que, no âmbito das tarifas, é preciso considerar vários factores, nomeadamente “perturbações na cadeia de abastecimento, os efeitos de possíveis tarifas retaliatórias [de outros países], a paralisia dos investimentos em bens e equipamento, e os efeitos adversos que a força da moeda [dos EUA] pode ter nos exportadores e nos lucros das empresas multinacionais“.

Tudo isto pode levar a “taxas [de crescimento] mais baixas e a um dólar mais fraco“, conclui Cohen.

No imediato, as ameaças de Trump tiveram o efeito contrário ao pretendido numa política protecionista: o défice comercial norte-americano bateu recordes, com as empresas a acelerarem as remessas do estrangeiro, para tentarem evitar as tarifas futuras.

E o que vai acontecer à Europa?

Uma recessão económica nos EUA pode ter vários impactos significativos na Europa, nomeadamente diminuindo a procura por produtos europeus, o que afectaria negativamente as exportações.

“A União Europeia (UE) foi o segundo maior parceiro dos EUA na exportação de bens em 2022, e o maior na importação de bens”, de acordo com dados divulgados pelo Parlamento Europeu (PE).

No que se refere aos serviços, a UE “foi o maior parceiro dos EUA” em 2022, e “também o maior na importação de serviços”, e teve “um défice de 109 mil milhões de euros em serviços com os EUA em 2023”, ainda segundo o PE.

Dados do Eurostat mostram que, em 2023, a UE teve um excedente comercial de 157 mil milhões de euros em bens com os EUA.

No geral, “a UE teve um excedente de 48 mil milhões de euros”, de acordo com dados do PE.

Actualmente, as economias são globais e estão fortemente interligadas. Portanto, uma recessão americana teria efeitos inevitáveis na Europa, nomeadamente causando volatilidade nos mercados financeiros europeus, afectando ações, obrigações e outros activos financeiros.

Uma desvalorização do dólar americano afetaria também as taxas de câmbio, tornando as exportações europeias mais caras e menos competitivas no mercado global.

Tarifas serão golpe duro para a Europa

As tarifas que Trump já prometeu aplicar à Europa – a confirmarem-se – vão aparecer na pior altura, quando o Velho Continente já enfrenta dificuldades económicas, sobretudo devido ao crescimento lento.

Trump já anunciou tarifas de 25% sobre as importações de alumínio e aço da Europa a partir de 12 de março próximo, o que afetará duramente muitas empresas da UE.

Portugal não exporta aço para os EUA, mas, mesmo assim, pode perder mil milhões de euros com estas tarifas.

Um dos principais efeitos da imposição de tarifas alargadas a produtos das empresas da UE é o aumento do seu preço, o que pode levar a uma redução nas vendas. O mesmo se aplicará a eventuais tarifas retaliatórias da UE contra produtos de empresas norte-americanas.

Mas as tarifas dos EUA a outros países também podem criar problemas às empresas da UE. Isto porque os países afectados tentarão encontrar novos mercados para os seus produtos, olhando para a Europa, o que aumentará a concorrência e dificultará a vida às empresas que não consigam produzir mais barato do que as chinesas, por exemplo.

Sector automóvel é “o mais exposto”

“Se Trump impuser tarifas, os sectores automóvel, de bens de luxo, industrial e agrícola serão os mais afectados”, analisa o chefe global de estratégia de investimento do Banco dinamarquês Saxo, especializado em investimentos e trading online.

Jacob Falkencrone sublinha que o sector automóvel é “o mais exposto”, recordando que os fabricantes europeus “exportam milhares de milhões de euros em veículos para os EUA todos os anos”.

“Uma tarifa de 25% sobre as importações de automóveis europeus, como Trump sugeriu, tornaria estes veículos significativamente mais caros para os compradores americanos”, nota Falkencrone. Isto levaria a uma redução inevitável nas vendas, e reduziria também os lucros dos fabricantes.

Com uma economia globalizada e interligada, também podem surgir problemas de abastecimento para muitas empresas da UE.

“Empresas como a Siemens, Schneider Electric e Airbus podem registar um aumento de custos e contratos atrasados. Com as cadeias de abastecimento já sobrecarregadas por perturbações anteriores, quaisquer novas barreiras comerciais só irão aumentar os desafios”, analisa ainda Falkencrone.

As áreas da agricultura e da alimentação seriam também especialmente afectadas, uma vez que “a UE exporta quantidades significativas de produtos alimentares e bebidas para os EUA, incluindo vinho francês, queijo italiano e azeite espanhol”, realça Falkencrone.

Alemanha será “mais afectada”

“A volatilidade do mercado e a desaceleração económica são prováveis ​​– as acções europeias já caíram, o euro enfraqueceu e uma guerra comercial prolongada poderá reduzir o crescimento económico da Zona Euro“, aponta também o estratega do Saxo.

No pior dos cenários, o Banco Central Europeu teria de intervir para “cortar as taxas de juro mais cedo do que o esperado”, o que “poderia proporcionar alívio a algumas empresas, mas também indicaria preocupações crescentes quanto a uma desaceleração“, acrescenta Falkencrone.

Portanto, também não se pode descartar um cenário de recessão na Europa, e será mais provável se as tarifas se mantiverem durante mais tempo.

Num cenário de “guerra comercial generalizada”, a Alemanha seria a nação “mais afectada devido à sua dependência das exportações”, conclui o analista do Saxo.

Susana Valente, ZAP //

9 Comments

    • Trump ainda vai pedir para entrar na BRIGS dada aproximação a Rússia e Índia. Já que descartou todas as alianças militares e económicas que se construiram nas ultimas décadas

  1. Vamos ver, antes tivemos o COVID-19, de seguida temos o amigo Putin com o amigo Zelensky na Ucrania. Agora temos o Trump. Qual será o próximo a contribuir para a recessão.

  2. Chegar a Europa? Foi a melhor coisa que aconteceu, temos o Euro a valorizar e muito contra o Dólar e os mercados europeus a ter montes de ganhos. E com os dois principais mercados que consumiam 50% das exportações a olhar para Europa como possíveis parceiros.

  3. Trump na sua caminhada pelo “Make America Great Again” ainda não percebeu que a America é um continente que inclui Canada e México, e que os EUA foi “Great” quando deu apoio a Europa na 1ª e 2ª Guerra Mundial enriquecendo Astronomicamente. Não tenho memoria em que momento os EUA foram “Great” isolando-se.

  4. Tudo indica que Putin tem a certeza ou quase que Trump lhe vai dar a Ucrania, porque se assim não fosse não lhe dava os territórios já conquistados com Terras Raras,
    Zelensky humilhado como nunca visto, teve de voltar aos Estados Unidos e aceitar todas as condições impostas por Trump e já acordadas com Putin.
    Adeus Ucrânia livre.

  5. O mercado ao entrar em recessão, automaticamente haverá uma fuga do mercado volátil para o estável, e o principal deles é o tesouro americano. Com a forte procura pelo tesouro, as taxas de juros automaticamente deverão diminuir, sendo assim, o Trump consegue abaixar a taxa de juros na marra, sem depender da SEC.

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