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Amigas, amigas, eleições à parte. Marisa Matias sacou de um certo rancor e acabou encurralada por Ana Gomes

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José Fernandes / Lusa

Eleições Presidenciais 2021: Debate televisivo entre Marisa Matias e Ana Gomes

Ana Gomes e Marisa Matias trocaram muitos sorrisos e mantiveram uma postura cordial durante mais um debate na maratona de conversas até às eleições presidenciais de 24 de Janeiro. Contudo, também trocaram farpas, com a candidata independente a encurralar a bloquista.

As duas únicas candidatas mulheres às eleições presidenciais deste mês quiseram vincar que o seu “adversário directo” é Marcelo Rebelo de Sousa, denotando uma simpatia mútua, ou não fossem ambas da área da esquerda, mas com diversas bicadas à mistura.

Foi Marisa Matias quem começou as hostilidades depois de ter sublinhado que foram “companheiras” no Parlamento Europeu e que são “amigas”, apesar de “adversárias políticas”. Mas “em 2016, não me apoiou” e “até propôs Maria de Belém como candidata” do PS às anteriores presidenciais, atirou a candidata apoiada pelo Bloco de Esquerda (BE).

Uma ideia que Ana Gomes rebateu, reforçando que apoiou Sampaio da Nóvoa, para depois colar Marisa Matias a uma “lógica de partido”, destacando que a sua candidatura é “independente” e que “procura federar toda a gente que se revê num reforço da democracia”.

A seguir, a ex-eurodeputada do PS atirou-se à adversária política pelo chumbo dos bloquistas ao Orçamento de Estado (OE) para 2021, citando a “contradição entre a Marisa candidata e a Marisa dirigente do BE” por ter dito, no debate com Marcelo, que não vetaria este OE.

“Não é por mim que não haverá convergência à esquerda”, acrescentou Ana Gomes, deixando mais uma farpa ao Bloco e, por conseguinte, a Marisa Matias.

“Onde é que ficavam os mais vulneráveis deste país se tivéssemos ficado à mercê de duodécimos?”, questionou a ex-diplomata, salientando que “o país não precisava de uma crise política a somar à pandemia“.

Marisa Matias defendeu a sua dama, considerando que estavam em causa “exigências justas” do Bloco no âmbito do OE e que “não há nenhuma contradição”.

“Não faz sentido estarmos a confundir as duas diferentes vertentes”, destacou, frisando que “é perigoso acenar com uma crise putativa que tem muitas formas de não vir a ser crise”, pois “não é por se falar muito numa coisa que ela é real”.

Ana Gomes suave no caso do procurador europeu

O debate abriu com a polémica em torno do procurador europeu José Guerra, caso que já motivou uma demissão no Ministério da Justiça. As duas candidatas foram confrontadas com declarações de Marcelo Rebelo de Sousa que sublinhou que o primeiro-ministro vai reforçar a confiança na ministra da Justiça, Francisca Van Dunem.

“O primeiro-ministro é que sabe”, começou por apontar Ana Gomes, frisando que ele tem “dados” que não estão na sua posse e que é ele “quem avalia como é que isto sobra ou não para o Governo, como é que afecta a imagem do país”.

Embora destacando que o caso é “grave”, Ana Gomes reforçou que é “contra a banalização da demissão de ministros” numa posição que soou bastante suave a uma candidata que é, não poucas vezes, muito dura para com o Governo do seu próprio partido.

Já Marisa Matias realçou que perante uma “situação vergonhosa”, é “preciso que haja explicações”.

Farpas ao Bloco e a Marcelo

A ex-eurodeputada do PS quis marcar as divergências de fundo entre a sua candidatura e a de Marisa Matias e começou por tirar da cartola a questão do Fundo de Recuperação e Resiliência da União Europeia (UE) para deixar claro que o Bloco não contribuiu para as condições que o viabilizaram.

Quem fez a diferença não são aqueles que se opuseram ao Euro, como o Bloco”, mas “foram aqueles que sempre acreditaram no Euro, nas suas potencialidades” e que se debateram pelo objectivo da mutualização da dívida que permite agora o Plano de Recuperação e Resiliência”, destacou Ana Gomes.

A ex-diplomata também falou das divergências com Marisa Matias na segurança e na defesa, considerando que são áreas “demasiado importantes para poderem ser deixadas à direita, incluindo à direita do PS”.

Referindo-se ao caso de Tancos, Ana Gomes sublinhou que é preciso “questionar em que estado estão as nossas Forças Armadas, se não precisam de ser dimensionadas”, de “ter uma política de recrutamento aberta às mulheres e às minorias que são habitualmente discriminadas” e “se não precisam de ser devidamente equipadas face às ameaças da cibersegurança, da protecção das infraestruturas críticas” e “da protecção do nosso mar”.

Ana Gomes também destacou a importância de as forças de segurança serem “bem equipadas, bem treinadas e bem formadas” e de estarem “vigilantes relativamente às infiltrações de extrema direita”, aproveitando para criticar Marcelo Rebelo de Sousa porque “não fez nada rigorosamente em relação a isso”.

Na resposta, Marisa Matias falou dos refugiados, não parecendo ter balas para atacar os temas abordados por Ana Gomes.

“Não vou inventar divergências artificiais”

“Não vou inventar divergências artificiais com Ana Gomes porque não faz nenhum sentido”, sublinhou ainda a candidata do Bloco, notando que estiveram “10 anos no Parlamento Europeu” e que tiveram “muitos debates”.

“Se estivemos juntas nas Comissões de Inquérito em relação à evasão fiscal, também estivemos sempre separadas em relação à política da governação económica”, frisou, lembrando que Ana Gomes integrou o acordo que permitiu a aprovação do mecanismo com a adopção de sanções a países como Portugal, embora frisando que “depois esteve contra a aplicação dessas sanções”.

Em vários momentos do debate, Marisa Matias e Ana Gomes concordaram, trocando sorrisos. Mas a segunda pareceu sempre mais incisiva nas suas declarações, distribuindo farpas pela adversária e pelo Bloco, mas também por Marcelo Rebelo de Sousa.

Ana Gomes acusou o Presidente da República de ter tirado “o tapete” à ministra da Saúde “quando ela estava a tentar aplicar a Lei de Bases de Saúde na questão da relação com os privados para atenderem doentes covid e não apenas doentes não covid”.

“Não vi o Bloco, nem a ti, saírem a apoiar a ministra”, atacou Ana Gomes, sublinhando que “era o momento de quem de facto defende o Serviço Nacional de Saúde sair a apoiar” Marta Temido. Uma declaração que surgiu, mais uma vez, numa farpa ao BE por causa do OE2021.

Marisa Matias ripostou que o Bloco estava focado numa “medida muito específica que tem a ver com a possibilidade de contratação de mais profissionais e mais médicos“. “Não havendo a criação de condições reais para poder fixar esses profissionais, estamos a repetir o que foi o acordo que se fez entre o PS e o BE para 2020, em relação à contratação”, explicou a candidata bloquista.

“Não havendo questões relativas à exclusividade ou vantagens que possam ter, é termos esse acordo, mas que não é cumprido e que as vagas não são preenchidas”, concluiu.

“Estado de Emergência está a ser banalizado”

A actual eurodeputada do BE considerou ainda que “os privados têm de ser requisitados sob o comando do SNS não para fazer negócio, mas a preço de custo e isso é absolutamente possível no quadro da Lei de Bases e do Estado de Emergência”.

Mas “há um problema no decreto do Estado de Emergência que é a requisição dos privados por acordo, mas [que] devia ser a preço de custo”, acrescentou Marisa Matias.

Ana Gomes concordou e considerou até que o Estado de Emergência que já foi decretado sete vezes por Marcelo Rebelo de Sousa “está a ser banalizado”.

Se ela fosse Presidente, “teria pedido à Assembleia da República que passasse uma Lei de emergência sanitária que permitisse dar cobertura legal às medidas que são necessárias”, destacou, realçando que “essa era uma das funções que o Presidente da República já devia ter tido”.

Ana Gomes defendeu ainda que Marcelo devia “ter mobilizado as Forças Armadas mais cedo” para o combate à pandemia.

André Ventura foi o elefante na sala

Quando a jornalista Clara de Sousa que moderou o debate que decorreu na SIC Notícias, confrontou as duas candidatas com o nome de André Ventura, ambas procuraram não se estender demasiado no tema e fizeram questão de salientar que não têm “medo” do líder do Chega.

Todavia, Ana Gomes foi bem mais incisiva, acusando o Chega de ter “um programa que quer destruir a Constituição, que semeia o ódio, a violência, a segregação” e “é claramente contrário ao texto da Constituição”.

Além disso, Ana Gomes referiu que Marcelo Rebelo de Sousa “deu a sua bênção a um acordo que normaliza esse partido com formações da direita democrática”, concluindo que isso “é semear a insegurança”.

A candidata ainda recordou que o Chega está ligado “a Le Pen, a Salvini, a Steve Bannon, ao que há de pior ao nível europeu, que quer a destruição não apenas da Constituição, mas do projecto europeu”. “Normalizar isto é muito perigoso, eu e a Marisa vimo-lo no Parlamento Europeu”, constatou ainda.

Ana Gomes também vincou que se for eleita, pedirá à Procuradoria Geral da República, junto do Tribunal Constitucional, “que reconsidere a situação” do Chega, “não só à luz do seu programa, mas também à luz da sua prática reiterada de apelo ao ódio e à divisão entre os portugueses”.

Marisa Matias, por seu turno, apontou que André Ventura “só funciona nas questões do medo, da ameaça e do insulto”.

“Somos duas candidatas do campo democrático que vamos derrotar André Ventura nestas eleições”, considerou ainda a bloquista perante o ar sorridente de Ana Gomes.

Confrontada por Clara de Sousa com o facto de o BE se ter juntado a uma coligação negativa que aprovou uma proposta de André Ventura no Parlamento, sobre a divulgação trimestral do financiamento das Fundações, Marisa Matias constatou que foi “uma proposta no meio de não sei quantas centenas”, recusando que isso ajude a normalizar o Chega.

Normalizar é colocar no Governo, é o que se fez nos Açores, é o que o PSD está a fazer e o Presidente da República também”, notou.

Por fim, Ana Gomes lembrou que viveu “em ditadura” e prometeu que “se debaterá até à última para que projectos autoritários não vençam”. “Estou aqui para combater quem quer devolver-nos à ditadura e a projectos autoritários“, destacou, concluindo que é pelo “reforço e pela regeneração da democracia que nos salvaremos”.

Susana Valente, ZAP //

8 Comments

  1. Acho que Ana Gomes tem toda a razão em defender a ministra da saúde que esteve, e está, só nesta luta desigual que afecta o SNS em que o seu principal inimigo foi o bastonário da ordem dos médicos que a levou a desabafar a sua mágoa, em lágrimas, no IRJ. O Sr. bastonário e outros médicos têm, por certo, interesses no privado e gostariam muito de ter o SNS a seus pés. Ainda mais?! O SNS de saúde é do estado e os seus médicos foram por ele formados. Foi o estado que investiu na sua formação e não foi tão pouco quanto isso! Por isso, se os médicos estivessem interessados em debandar teriam que indemnizar o estado ou teria que existir um regime de exclusividade uma vez que a estabilidade do SNS não pode, de forma alguma, ser posta em causa sobretudo em períodos críticos como é o da pandemia.

  2. Ana Gomes é mais abrangente e serve melhor os ideais da esquerda. E como a esquerda é maioritária em Portugal, é ela que devia ser eleita Presidente da República. Mas estou certo de que se houver uma segunda volta, Marisa Matias apoiará firmemente a candidatura de Ana Gomes.

  3. Duas candidatas da mesma laia.
    Para ambas a economia é um acessório da politica. Quaisquer medidas politicas (normalmente demagógicas) defendidas por estas duas amigas serão financiadas por quem? Voltamos ao sistema de economia planificada e de remuneração de simples mais-valia teorizada pelos Marxistas?
    Com estas continuamos no sec XIX, ainda não perceberam que esse modelo económico implodiu e fez cair o muro de Berlim.
    A esquerda não é maioritária em Portugal, os complexos de esquerda é que são muitos…

  4. Há 5 anos atrás votei em Marisa Matias, não tenho problema em assumir, a simpatia cativante fez-me votar nela, no entanto e com as posições da candidata relativamente à União Europeia (maioritariamente contrária á política e ação da União), e não esquecendo que a mesma É EURODEPUTADA, leva me a concluir que fiz um escolha errada, não nos podemos esquecer que a Europa tem despejado rios de dinheiro no nosso país, mas infelizmente dinheiro mal aproveitado pelos sucessivos governos, com todo o respeito pela Dra. Marisa Matias mas não posso voltar a votar na mesma por uma questão de princípio, a Dra. Ana Gomes também não é muito diferente. Ventura é muito conflituoso e também não me revejo no seu estilo. Marcelo Rebelo de Sousa teve um mandato com altos e baixos, João Ferreira não é coerente quando hesita em condenar ditaduras como a China ou a Coreia Do Norte. Pelo que muito sinceramente não sei bem qual o candidato mais sensato. Com todo o respeito por todos obviamente !

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