Hannibal Hanschke / EPA

O novo chanceler da Alemanha, Friedrich Merz
O novo chanceler da Alemanha, Friedrich Merz, tem já reservado para si um papel crucial na história — venha ou não a ser o “novo líder de que o mundo livre precisa”.
Há dez ou quinze anos, Friedrich Merz teria parecido um candidato extremamente improvável para o papel de salvador da democracia liberal da Europa. E continua a parecer.
Mas a decadência da política europeia atingiu uma fase crítica, cujos riscos se tornaram claros com o espetáculo ridículo de Trump e JD Vance a repreender Zelenskyy na Sala Oval por não se ter ajoelhado perante o Trono Laranja, diz o editor executivo do Salon, Andrew O’Hehir, numa análise publicada este domingo.
Eleito há pouco mais de uma semana, este não era o momento histórico que Merz esperava, e não é seguramente aquele que queria.
Mas, para o bem e para o mal, o rival de Merkel que fazia o IRS numa base de copos parece ser agora o último reduto de quem espera uma Europa forte. Ou, pelo menos, que consiga sobreviver aos novos tempos que se avizinham.
No final da década de 2000, o futuro de Merz parecia pertencer ao passado: era o rival de direita sistematicamente derrotado por Angela Merkel na CDU — União Democrata-Cristã, o partido conservador que tem dominado a política eleitoral alemã desde a queda do regime nazi.
Merz deixou na altura a política e acumulou milhões no sector privado como advogado de empresas, incluindo um período de cinco anos como presidente do conselho de administração da BlackRock Alemanha, uma importante sucursal da maior empresa de gestão de ativos do mundo.
Regressou à CDU em 2018 como o anti-Merkel, prometendo apimentar a agenda habitual do partido de “austeridade” fiscal pró-empresarial e comércio livre com uma política externa firmemente pró-americana e uma pitada de política anti-imigração de extrema-direita.
Mesmo no meio do caos político no Velho Continente provocado pela crise dos migrantes sírios e pela ascensão de partidos de cariz fascista num país após outro, foram precisas três tentativas para Merz ser eleito líder do partido depois de Merkel se ter retirado.
Depois de “ganhar” as eleições alemãs com uma vitória poucochinha —a CDU terminou em primeiro lugar com 28,5% dos votos, ligeiramente melhor do que o seu pior resultado de sempre, em 2021 — Merz será agora forçado a presidir a uma estranha coligação de partidos de centro-direita e de centro-esquerda.
O principal objetivo desta coligação será evitar novos avanços da AfD, o partido neonazi Alternativa para a Alemanha.
Se quisermos encontrar um lado positivo nas eleições alemãs (o que, convenhamos, não é fácil) seria este: embora o AfD tenha terminado em segundo lugar com 20,8% dos votos, duplicando o seu total de 2021, aparentemente o apoio entusiástico de Elon Musk não lhes trouxe qualquer vantagem, diz O’Hehir.
No plano internacional, e tal como a catastrófica reunião de sexta-feira na Casa Branca veio evidenciar, Merz será o líder do maior e mais importante membro da União Europeia, precisamente no momento em que esta tem de “alcançar a independência em relação aos EUA” — para usar as suas próprias palavras numa conferência de imprensa pós-eleitoral.
Por um lado, Merz é uma espécie de caixa negra, um líder não testado que nunca ocupou um cargo no governo e cuja carreira inteira parece desajustada a esta perigosa bifurcação na estrada da história.
Por outro lado, parece compreender a magnitude da crise atual e, até agora, não deu qualquer indicação de que irá procurar um acordo com a extrema-direita alemã ou com os seus amigos MAGA em Washington.
Merz descreveu as tentativas de Musk e de outros intrusos norte-americanos de se imiscuírem nas eleições alemãs como “não menos dramáticas e drásticas e, em última análise, ultrajantes, do que as intervenções de Moscovo” e sugeriu que, sob Trump, os EUA pareciam “largamente indiferentes ao destino da Europa”.
Esta posição marca uma inversão surpreendente para o homem descrito pelo jornalista alemão Jörg Lau como o político mais pró-americano da Alemanha e “um crente de longa data na aliança de segurança transatlântica” — ou seja, na NATO, que Trump parece determinado a demolir.
Pode também refletir um sentimento de orgulho ferido e de traição: desde Konrad Adenauer, na década de 1950, a CDU apresentou-se sempre como um firme aliado americano, em grande parte alinhada com aquilo a que hoje devemos chamar a ortodoxia desaparecida do Partido Republicano pré-Trump.
Ao mesmo tempo, Merz descreveu a surpreendente ascensão do AfD como “o último aviso aos partidos políticos do centro democrático” para chegarem a um consenso sobre a política de imigração, as reformas económicas, uma estratégia europeia de defesa partilhada e muitas outras questões espinhosas.
A Alemanha encontrava-se sob “uma enorme pressão de dois lados“, disse Merz, presumivelmente referindo-se aos EUA e à Rússia, juntamente com divisões internas significativas: a AfD dominou nos estados com mais dificuldades económicas da antiga Alemanha de Leste, o partido de Merz ganhou no oeste mais próspero.
Em termos históricos, concluiu Merz, “faltam cinco minutos para a meia-noite para a Europa”. Muito pouco tempo para salvar o Velho Continente.
“Hoje, tornou-se claro que o mundo livre precisa de um novo líder“, disse na sexta-feira Kaja Kallas, Alta Representante da União Europeia para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, após o famigerado encontro entre Zelenskyy, Donald Trump e JD Vance.
Então, será que este multimilionário de 69 anos, de língua ácida, filho da alta burguesia rural católica, criado na casa que a família da mãe construiu em 1752, irá revelar-se, contra todas as probabilidades, o estadista de que o mundo precisa agora, ideologia e filiação partidária à parte?
Será Merz um Winston Churchill dos nossos dias, a cavalgar as marés da história, pronto para fazer recuar Vladimir Putin de um lado e Donald Trump do outro? — questiona o editor executivo do Salon.
A resposta é simples: talvez. ninguém consegue ver o futuro e é possível que o novo chanceler alemão possa vir a surpreender-nos. É quase concebível que Merz, agora libertado das suas anteriores opiniões pró-americanas e num casamento forçado com os seus adversários políticos internos, revele esse tipo de força.
Mas infelizmente, considera Andrew O’Hehir, esse cenário hipotético requer um nível de pensamento positivo de proporções bíblicas.
Desconfiem sempre de “lideres” que vos prometem salvar.