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“Vecchio Sultano”, Salvador Dalí (1966) — detalhe
Uma pintura comprada por 172 euros numa venda de espólio foi agora autenticada como uma obra do pintor catalão de Salvador Dalí — e pode valer mais de 30 mil euros. A invulgar Ilustração, que está agora em leilão, fazia parte do projeto abandonado das Mil e Uma Noites do artista surrealista.
Aos olhos de um leigo, não é uma pintura que chame propriamente a atenção por ser uma obra-prima de Salvador Dalí.
Talvez por isso, quando há dois anos a invulgar imagem foi colocada em leilão numa venda de espólio em Cambridge, atraiu apenas dois licitadores – e foi vendida por 150 libras — cerca de 172 euros.
Mas a pintura, que foi entretanto autenticada, era na realidade uma ilustração de um “velho sultão” que Dalí pintou em 1966.
“Vecchio Sultano“, uma obra de técnica mista a aguarela e marcador, é uma ilustração de uma cena das Mil e Uma Noites – uma das 500 ilustrações que o grande artista surrealista pretendia criar dos contos populares do Médio Oriente.
“Dalí estava bastante obcecado com a cultura mourisca e acreditava ser de linhagem mourisca”, explica ao The Guardian Gabrielle Downie, especialista em belas artes da leiloeira britânica Cheffins, que em outubro vai colocar a obra em leilão.
As ilustrações tinham sido encomendadas por Giuseppe e Mara Albaretto, os mecenas de Dalí, e a Rizzoli, uma editora italiana, planeava publicá-las. Mas Dalí abandonou o projeto, depois de completar apenas 100 das 500 ilustrações – e deixando todas por publicar.
“Destas 100 ilustrações, metade ficou com a editora Rizzoli e foram danificadas ou perdidas, enquanto as outras 50 ficaram com os Albaretto e foram mais tarde herdadas pela sua filha, Christina – que também era afilhada de Dalí”, diz Downie.
As 50 ilustrações retidas pela família Albaretto foram finalmente publicadas em 2014, reavivando o interesse no projeto abandonado e gerando curiosidade sobre o paradeiro das peças não publicadas.
Há dois anos, um comerciante de antiguidades de 60 anos, que desconhecia a história destas ilustrações, participou numa venda de espólio — onde reparou numa pequena lustração com a assinatura de Dalí no canto inferior direito. Foi-lhe dito que a pintura tinha sido encontrada na garagem de uma casa londrina
“O leilão não era online, por isso apareces, vês, e o que quer que vejas, é a tua oportunidade de descobrir um tesouro“, disse o comerciante de arte.
“Na maior parte das vezes, compro coisas de que gosto. Nesta ocasião, estava realmente a arriscar um pouco, porque não tinha a certeza se a teria na parede, para ser honesto… Gosto de alguma arte invulgar, mas terias de a adorar, não terias?”, acrescenta.
Efetivamente, a pintura pode não agradar a todos os gostos… tal como, na verdade, qualquer outra obra do pintor surrealista catalão.
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“Vecchio Sultano”, Salvador Dalí (1966)
No entanto, o comerciante britânico mal conseguiu conter a excitação quando reparou em autocolantes colocados na parte de trás da lustração, que indicavam que a pintura tinha sido listada num leilão da Sotheby’s nos anos 1990. “Fiz uma pequena pesquisa e não conseguia acreditar no que estava a ver“.
Russell decidiu licitar “no impulso do momento”, apostando na sua capacidade de detetar uma falsificação depois de passar anos a ver avidamente o programa de televisão da BBC Fake or Fortune. “É um dos meus programas favoritos.”
A pintura, que retrata um sultão com joias, não despertou admiração generalizada: apesar de ser descrita como uma pintura original de Salvador Dalí, os vendedores “nem sequer a tinham listado com um preço de reserva, e não havia interesse na sala” de outros comerciantes.
Uma pessoa licitou contra ele durante o leilão – e desistiu quando o comerciante de antiguidades ofereceu 172 euros.
Alguns meses mais tarde, o comerciante pesquisou no eBay o catálogo de vendas da Sotheby’s — que listava a pintura de 38 cm x 29 cm e demonstrava que tinha sido previamente identificada como obra de Dalí,.
Pediu à Cheffins que avaliasse a pintura.
A leiloeira consultou Nicolas Descharnes, conceituado especialista em Dalí , que certificou a pintura como autêntica.
Descharnes explicou ao Guardian que o estilo, tema e cores da ilustração correspondiam aos de outras peças da série, juntamente com a qualidade e tamanho do papel. “As pessoas esperam ver peças muito surrealistas de Dalí. Esta não é surrealista, mas é um Dalí“, diz Descharnes.