A possibilidade de o ministro das Finanças, Mário Centeno, deixar o Governo para assumir a liderança do Banco de Portugal (BdP) não agrada a alguns deputados do PSD e CDS, avança o jornal i esta quarta-feira.
Apesar de o responsável das Finanças de António Costa ainda não ter revelado nada sobre o seu futuro no Executivo socialista e, consequentemente, no Eurogrupo, os rumores de que deixará o seu cargo como ministro para ir para o BdP ganham cada vez mais força.
Neste domingo, Luís Marques Mendes adiantou no seu habitual espaço de comentário da SIC que Centeno já se despediu, ainda que de forma informal, do Eurogrupo.
O governante terá já dito aos seus colegas ministros das Finanças da Zona Euro que não se recandidatará à presidência do Eurogrupo. Quanto ao futuro de Mário Centeno, Marques Mendes não tem dúvidas: vai para o Banco de Portugal dentro “de alguns meses”.
O mandato de Carlos Costa no BdP termina a 10 julho deste ano. Três dias depois, recorde-se, Mário Centeno chega ao fim do seu mandato na liderança do Eurogrupo.
Uma eventual saída do Governo implica que Centeno deixe também cair uma eventual recandidatura ao Eurogrupo, uma vez que para ocupar este cargo é necessário é necessário que o candidato seja ministro das Finanças de um país da Zona Euro.
Este cenário, que é ainda uma hipótese, não agrada a alguns deputados do PSD e CDS, que disseram ao jornal i que podem existir conflitos de interesse caso o ministro das Finanças passe diretamente para a liderança do BdP.
“A possível nomeação de Mário Centeno para Governador do Banco de Portugal compromete gravemente a ideia de que é possível ter supervisores e reguladores independentes em Portugal”, disse o deputado do CDS João Almeida.
No entender do centrista, esta situação não é “aceitável”. João Almeida questiona ainda se “será possível acreditar nessa independência depois de uma passagem direta do Governo para o mais importante de todos os supervisores”.
“Nem Sócrates foi tão longe”
Também Duarte Marques, deputado do PSD, teme que esta situação coloque a credibilidade do regulador em causa. “Este tipo de nomeações põe em causa quer a credibilidade do Banco de Portugal quer a própria ação do eventual Governador porque vai estar sempre condicionado e isso não é bom para ninguém”, considerou.
A acontecer, há “um claro conflito de interesses”, disse Duarte Marques, alertando para a necessidade de proteger as instituições.
Num artigo de opinião publicado esta terça-feira no semanário Expresso, o social democrata vai mais longe, considerando que a concretizar-se a saída de Centeno para o BdP, esta pode “pode confirmar uma estratégia de ocultação da realidade e uma manipulação sem precedentes das expectativas dos portugueses”.
“Apesar dos fretes consecutivos de Vítor Constâncio, nem [José] Sócrates foi tão longe ao ponto de enviar Teixeira dos Santos para liderar o principal regulador do sector financeiro”, começa por criticar. “A ida de Mário Centeno para o Banco de Portugal só pode revelar que existe receio e medo além de que essa pode ser uma medida de precaução para que, nos próximos tempos, ninguém desminta a narrativa que andou a ser ‘vendida’ aos portugueses e às instituições internacionais”.
Rio não veta “à partida”
O presidente do PSD, Rui Rio, disse no passado sábado que não veta “à partida” o nome de Mário Centeno caso o ministro das Finanças seja apontado para Governador do Banco de Portugal, mas defendeu que a próxima administração “não pode ser monolítica”.
“Não tenho que aceitar nem deixar de aceitar, o Governo, se quiser, ouve a oposição. Mais importante é a equipa como um todo e penso que é assim que o Governo está a pensar (…) Acho que essa administração do Banco de Portugal não pode ser monolítica, deve ser como neste momento, mais abrangente”, afirmou, em entrevista à RTP à margem do 38.º Congresso do PSD, que decorreu em Viana do Castelo no passado fim-de-semana.
“Não veto à partida, pode haver melhores candidatos, deixe que o Governo na devida altura faça o que entender”, considerou o líder do PSD.
Em declarações ao jornal i, o presidente da associação cívica Transparência e Integridade, João Paulo Batalha, defende que “há um conflito de interesses evidente e inultrapassável” caso esta situação se confirme. “Ninguém deve sair do Governo para um regulador de forma direta (…) A ética e o respeito pela independência do regulador exigiriam que ele tivesse de cumprir um período de nojo superior a quatro anos antes de ir para qualquer cargo que seja de escolha governativa”.
Centeno não vê conflito de interesses
Mário Centeno entregou o seu quinto Orçamento do Estado na semana passada, recusando precisar se o OE2020 seria o seu último. Em entrevista à RTP, disse estar “totalmente focado” nas suas funções governativas, não adiantando mais sobre o seu futuro.
“Neste momento, estou Ministro das Finanças. É exatamente isso que me importa, amanhã continuarei o meu trabalho (…) O até quando, nas nossas vidas, e em particular nestas funções de político é um exercício de adivinhação”, considerou.
Em dezembro, numa entrevista ao semanário Expresso, Mário Centeno deixou a porta aberta ao Banco de Portugal, dizendo não encontrar nenhuma incompatibilidade se de Ministro das Finanças passar a ser Governador BdP.
“Isso está escrito em algum sítio do Tratado?”, questionou.
“Não vejo nenhum conflito de interesses. Dou dois exemplos: um dos vice-presidentes do BCE foi ministro das Finanças de Espanha. E o meu colega eslovaco também transitou das Finanças para o banco central. Estou só a dar exemplos”.